terça-feira, 28 de janeiro de 2014



Gaṅga Darśan, Índia, 1989


O presente texto são trechos selecionados de um satsanga realizado em Gaṅga Darśan, Índia, durante o Curso de Treinamento para Saṃnyāsis de outubro de 1989 a março de 1990. Neste blog, os textos «A Mensagem de SwaN» serão satsangas proferidos por Swami Niranjanananda Saraswati.

NAS práticas de kriyā-yoga a devoção pode nos proteger contra os distúrbios da kuṇḍalinī?

Quando estamos lidando com práticas de Yoga, mais importante do que a devoção é um sistema, um método, uma técnica que pode ajudar-nos em todas as situações perturbadoras causada pelo despertar da kuṇḍalinī. O despertar da kuṇḍalinī ocorre primeiro no prāṇamaya-kośa, o corpo de energia prânica. Esta força prânica só pode ser canalizada através do poder mental intenso e através das práticas de pratyāhāra e dhāraṇā. A devoção realmente não desempenha nenhum papel aqui. A devoção é um aspecto emocional, e este é mais o aspecto prânico.

O despertar da kuṇḍalinī ocorre em todos os cinco níveis da personalidade. No anamaya-kośa, o corpo físico, nós experimentamos vários tipos de sensações como tremores, calor, leveza e peso que ocorrem dentro da coluna vertebral, ou sentimentos de frio em partes específicas do corpo. Esta é a manifestação da kuṇḍalinī no annamaya-kośa.

O efeito da kuṇḍalinī no manomaya-kośa, o corpo mental, é diferente. Pode ocorrer um súbito estado de euforia ou uma depressão repentina. Algumas pessoas podem até dizer que algo deu errado lá em cima, mas este não é o caso. É muito difícil discernir que experiências mentais estão ocorrendo neste estado, e como elas estão relacionadas ao despertar da kuṇḍalinī, pois passamos por vários estados de consciência alterada a cada momento do dia. No entanto, o estado produzido na mente no momento do despertar da kuṇḍalinī tem intensidade e força muito maior do que as experiências normais.

Tivemos uma senhora que ficou aqui no aśram. Ela passava por tremendas experiências. Por exemplo, estava dormindo e de repente todo o seu corpo começava a saltar. Durante o sono, seu corpo passava por espasmos, naturais e espontâneos. Ela era bastante sensível e no processo que passou, sentiu muito mais do que uma pessoa normal sentiria e isso afetou seu estado mental e emocional. De repente, à noite, ela chorava em seu sono: eu estou morrendo, me salve e coisas assim, mas após a devida orientação, ela foi capaz de superar esse estado para apenas permanecer como uma testemunha as experiências que ocorriam com ela. No entanto, ela experienciou um intenso medo do desconhecido, o que a inquietou muito.

Quando o despertar da kuṇḍalinī ocorre, você se encontra no nível mais baixo de mūlādhāra ou swādhisṭhāna. A matéria mental que está dentro de nós é obrigada a se manifestar conscientemente e aqui a devoção não vai ajudar. Uma técnica que pode ajudá-lo a sair desta fase será muito mais eficaz. O prṇāmaya-kośa é totalmente alterado. Há uma mudança total na estrutura de energia e nos cakras.

Vijñānamaya-kośa é o processo de entendimento, é o corpo do intelecto. Ele também passa por uma mudança tremenda e começamos a perceber o mundo de forma diferente, em uma cor diferente.

Ānandamaya-kośa é a experiência da sublimação, da unidade. Quando o despertar da kuṇḍalinī atinge o ānandamaya-kośa, você precisa da orientação do guru, e é aqui que a devoção tem lugar. Não importa o que aconteça nesta fase, se o guru diz para fazer algo, você deve fazê-lo, a fim de quebrar o padrão da mente que você está experimentando naquele momento. Então deve haver força e vontade para fazê-lo. Aqui, muito provavelmente, a devoção no guru é a coisa mais importante – e um sistema, uma série de técnicas que podem ajudá-lo a sair da condição.

No livro Early Techings, Swami Satyananda fala sobre vajrolī e certos kriyās em que a conexão física dos nervos é completamente anulada e as glândulas sexuais tornam-se inativas. Você poderia esclarecer-nos sobre isso, e também sobre mūla-bandha?

Mudrās e bandhas trabalham com os mesmos princípios da acupuntura. Através da realização de certas mudrās e travas físicas, somos capazes de conter o fluxo de energia prânica que estamos recebendo e canalizá-la à medida que entra e sai do corpo.

Práticas como vajrolī-mudrā, mūla-bandhā e aświnī-mudrā são destinadas a bloquear o fluxo descendente de energia. Há cinco prāṇas que se manifestam no corpo. Um deles é apāna, situado entre o períneo e o umbigo. É uma força que se move para baixo e controla os cakras mūlādhāra e swādhisṭhāna. Isso significa que o controle das atividades inconscientes, profundamente enraizadas, isto é, os saṃskāras, inibições, desejos, a sensação de segurança e o impulso sexual, são todos controlados pela força de apāna.

Em kriya-yoga e kuṇḍalinī-yoga o que tentamos fazer primeiro? Tentamos reverter o fluxo de apāna; tentamos fazer com que apāna se mova para cima. Quando apāna começa a fluir para cima, então as tendências naturais de mūlādhāra e swādhisṭhāna são consideradas sob controle. Elas foram superadas, purificadas e colocadas sob a observação da consciência. Até que isso aconteça, nossos saṃskāras, desejos, karmas, gostos e desgostos não estão sob a observação da consciência.

No Yoga considera-se que na região do períneo, há muitas terminações nervosas. Há uma nāḍī principal conhecida como vajra-nāḍī e corresponde ao nervo ciático. Outra nāḍī, brahma-nāḍī, está localizada no centro da suṣumṇā. Estes dois nervos são estimulados quando praticamos mūla-bandha e mais especificamente quando praticamos aświnī e vajrolī-mudras.

Sabemos que as três principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, são as mais importantes no Yoga, mas no centro de suṣumṇā, no tubo ou nervo de suṣumṇā, há um outro fluxo de energia, e é conhecido como brahma-nāḍī. Brahma representa a criação, o aspecto criativo, o desejo sexual. Assim, com a prática de vajrolī e aświnī, o fluxo de energia de apāna dentro de brahma-nāḍī é invertido. Todos os impulsos psicológicos e desejos, físicos, mentais e emocionais, são transcendidos quando apāna é impulsionado para cima.

Fisicamente, vajra-nāḍī está relacionada com o nervo ciático, porque ela está localizada na região proxima do mesmo. Ela vem das pernas até o centro do períneo, à direita do cakra mūlādhāra. Vajra-nāḍī é afetada pela prática de vajrāsana, considerada uma postura efetiva para o celibato. Quando vajra-nāḍī é pressionada, cada tipo de estímulo físico, sexual ou desejo é eliminado.

Portanto, mūla-bandha é praticado para estimular e alterar a atividade do mūlādhāra-cakra, que representa o impulso sexual, o karma, o desejo e a sensação de segurança em qualquer nível. A necessidade de segurança monetária, emocional e familiar – todos esses impulsos são transformados em energia espiritual.

Esta energia espiritual é, naturalmente, uma atividade mental, tanto quanto uma atividade física, porque o desejo é também uma atividade da mente, bem como do físico. O desejo sexual também é uma atividade da mente, tanto quanto físico, assim como a experiência sexual é muito mais uma atividade da mente do que do físico. Isso é exatamente o que o Tantra diz acerca de se obter experiência e conheciomento espiritual em uma ação física – não necessariamente sexual. Existe a necessidade de um processo de observação mental.

Este é o conceito de draṣṭṛ (observador), o conceito de testemunha. Portanto, no Tantra muita ênfase tem sido colocada em ter uma parte da mente observando sempre o que o resto da mente está fazendo e pensando. Este é o conceito de vajrolī, aświnī e mūla-bandha.

Qual é o propósito do celibato?

Em sânscrito ou na tradição indiana, não há tal coisa como o celibato. Há um termo, brahmacarya, que está conectado com a idéia do celibato, mas o significado literal de brahmacarya é aquele que segue Brahma. Brahma-acarya – aquele que segue a lei do Divino.

No sistema indiano nunca houve qualquer lugar para o celibato. Isto principalmente por causa dos quatro conceitos de artha (desenvolvimento econômico), dharma (religiosidade, atitude correta e harmonização com as leis da natureza), kāma (gratificação dos sentidos) e mokṣa (liberação). Esta é a tradição, mas no decorrer do tempo, alguns renunciantes que entraram na vanguarda da sociedade demonstraram ser diferentes de seres humanos normais em termos de não se obter posses ou laços familiares, e que viviam uma vida reclusa. Assim, um termo geral foi usado para pessoas que têm controle sobre os órgãos dos sentidos e os prazeres sensuais: brahmacarīs ou celibatários. No decorrer dos anos esta idéia foi agregada a renuncia dos prazeres sensuais. Se você puder fazer isso, muito bem. Se você não puder fazer isso, muito bem também. De qualquer maneira não há mal nenhum, desde que a idéia de quem eu sou e o que eu estou fazendo eteja clara na mente.

O termo celibato, como é usado hoje, representa um estado de nenhum apego a qualquer tipo de prazer pelo qual a mente é atraída. Um dos desejos mais poderosos na vida humana é kāma, a satisfação sexual. Aqueles que podem superar isso através de algum método, sādhanā ou meditação, na verdade, são capazes de inverter o fluxo de energia de modo que, ao invés de para baixo e para fora, ela começa a subir. Vocês conhecem o conceito de prāṇa como é indicado nas práticas de prāṇāyāma, kuṇḍalinī-yoga, prāṇa-vidyā e kriyā-yoga. Neste entendimento, um dos vāyus ou manifestação da energia prânica é apāna, uma força que se move para baixo e está localizada entre a região do umbigo e o períneo. Este aspecto da energia controla os desejos inerentes e inconscientes, ambições, saṃskāras e a sensação de segurança em cada indivíduo.

Enquanto apāna está fluindo para baixo naturalmente haverá uma atração aos prazeres sensuais, porque embora você tenha meditando por 20 anos, o fluxo de energia não mudou e a atividade do inconsciente ou as atividades inerentes da personalidade, continuam sendo as mesmas. Mesmo se você se tornar um yogī, mesmo se você praticar Yoga e meditação há trinta, quarenta ou cinqüenta anos, se os prāṇas não mudaram sua direção, então a mente ainda vai correr atrás dos prazeres da vida. Este desejo de satisfação continuará a surgir novamente e novamente de tempos em tempos. Então a reversão desse fluxo de apāna é o real significado do celibato de acordo com Tantra e o Yoga. Ele é usado para transcender a programação natural do ser humano de identidade, personalidade e desejo.

No Kundalini Tantra, na parte final onde são relacionados os kriyās, visualizamos um ovo dourado. Isso ocorre antes do samādhi, ou do despertar da kuṇḍalinī ou isso é o começo?

É o começo de um fim. O despertar da kuṇḍalinī não culmina no samādhi. O despertar da kuṇḍalinī é simplesmente uma experiência de outra dimensão da vida, onde podemos experimentar a harmonia e a perfeição. Nessa dimensão, no plano material, o conceito de ovo dourado é o conceito de consciência do corpo transcendental, o corpo causal ou o jyotir-linga, o linga de luz no sahasrāra. Este ovo dourado é a semente do espírito. Os tântricos e os yogīs concebem a personalidade humana e suas diferentes dimensões na forma deste ovo. Um ovo representa a forma desta semente. Tem uma forma, tem uma identidade. Representa a semente da consciência, a fonte da consciência.

Aqui devemos discutir os três conceitos de divindade conhecidos como nāda, bindu e kala. Nāda é a vibração, a fonte de todos os sons. Você sabe que onde quer que haja atividade há atrito e vibração. Mesmo que você mova a mão na frente de seu rosto no ar, há atrito entre a mão e o ar. Se você pudesse ouvir o som deste atrito, este som seria como um whoosh. Onde quer que haja atividade há vibração em freqüências muitas vezes inaudíveis, porque nossa audição é limitada. A mente se move e dentro dela também existe a experiência do nāda. Onde quer que haja a mais ínfima atividade, há a experiência do nāda, e a atividade não para em nossa vida. Este nāda governa cada aspecto da vibração e cada personalidade na criação.

O próximo conceito é o bindu, o ponto, a fonte e a causa de toda a criação. Externamente existe a fonte, a causa, a razão por trás de qualquer ação, pensamento ou sentimento. Mentalmente há um ponto a partir do qual todos esses sentimentos, emoções e desejos, e até mesmo ego, se manifesta. Espiritualmente há um ponto onde nós experienciamos o ātman, e também existe um ponto além onde nós experienciamos paramātman, a consciência divina. Portanto, o ponto que nós encontramos no infinito e no final do infinito, se é que existe tal coisa, é conhecido como bindu.

Depois, há kala, que são as diferentes manifestações da matéria, energia, elementos e outros elementos desconhecidos além do alcance da concepção humana e consciência. Existem diferentes formas de manifestação – as formas do espírito, as formas de energia, as formas físicas, a pedra, a árvore, a flor, a água, tudo. Se não houver nenhuma manifestação, então não há criação.

Então, esses são os três conceitos de divindade: nāda, bindu e kala. O ser divino está acima deles, é transcendental, mas a consciência da divindade, a consciência do ser supremo, ou consciência, é experimentada na forma de um ovo dourado. Contida no interior da semente encontramos estas três essências, todo o processo da criação e do desdobramento da consciência e energia. Por isso, é relacionada com o corpo causal, o corpo que controla o invisível, percepções desconhecidas, atividades e dimensões de um ser humano.

O despertar da kuṇḍalinī é a abertura de várias portas e dimensões dentro da personalidade que são representadas na forma dos cakras e como elementos diferentes. Os elementos conhecidos são terra, água, fogo, ar e éter, pois eles representam os aspectos conhecidos de consciência. Finalmente, o aspecto desconhecido da consciência é o sahasrāra, na forma do lótus de mil pétalas. Ninguém contou as mil pétalas, provavelmente elas são apenas imaginárias, mas este lótus de mil pétalas simboliza as diferentes manifestações e é aqui que nós experimentamos o ovo dourado.

Agora há uma diferença entre samādhi e o despertar da kuṇḍalinī. No despertar da kuṇḍalinī nos tornamos conscientes dos três conceitos de nāda, bindu e kala. No entanto, no samādhi vamos além desta consciência de sementes e na fase final do samādhi nós transcendemos essas três experiências. Portanto, não é necessário, nem é correto, correlacionar samādhi com o despertar da kuṇḍalinī.

Tradução livre de Fernando Liguori.


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