domingo, 23 de fevereiro de 2014



Fernando Liguori


Desde a publicação dos artigos Kuṇḍalinī & Esquizofrenia, A Alquimia da Kuṇḍalinī & Transmutação Sexual, Gṛhastha Brahmacarya & o Despertar da Śakti e por último Kuṇḍalinī Yoga Terapia & os Segredos Espirituais da Āyurveda (partes 1 e 2), recebi inúmeras cartas e e-mails de pessoas que pediam mais informações acerca daquilo que podemos definir como o fenômeno da kuṇḍalinī. São profissionais da área do Yoga (professores e praticantes) e pessoas que, segundo elas mesmas, passam por inúmeras experiências devido ao despertar espontâneo da kuṇḍalinī. Todas essas comunicações e troca de experiências são muito gratificantes, pois em meu trabalho recebo muitas pessoas que descrevem as mesmas experiências, necessitando de ajuda e auxílio para se curar. Na verdade, meu trabalho é de cura e foram poucas as pessoas que me procuraram com outros objetivos. Quando recebo essas pessoas, primeiro tento encontrar a raiz dos seus desequilíbrios nos doṣas (biotipos constituintes) e traço um sādhanā (prática espiritual) especial para sanar estes desequilíbrios, dependendo da natureza de cada indivíduo. Este sādhanā ou dinacharya (conduta diária) inclui práticas yogīs como āsanas, prāṇāyāmas, mudrās e bandhas. Para aqueles que são ritualisticamente inclinados, oriento um upāsana que envolve a adoração de deidades tântricas e védicas, assim como a execução de mantras e meditações. Portanto, meu trabalho alia uma terapia com o kuṇḍalinī-yoga e os aspectos espirituais da Āyurveda.

Por estar associado ao Projeto de Pesquisa sobre a Kuṇḍalinī [Kuṇḍalinī Research Project] da Associação Internacional de Pesquisa sobre a Kuṇḍalinī [Kuṇḍalinī Research Association International], fundada por Georg Tompkins, que por muitos anos esteve associado ao pândida Gopī Kṛṣṇa e a Bihar School of Yoga, oriento pessoas e formulo estudos, tanto práticos quanto teóricos, acerca do fenômeno kuṇḍalinī. Para empreender um trabalho como este, parto do ponto de vista que a kuṇḍalinī-śakti é um mistério, pois para cada um de nós ela se manifesta de uma maneira distinta. É óbvio que os sinais de uma kuṇḍalinī desperta ou parcialmente trabalhada são visíveis, tanto positivamente quanto negativamente. Mas separar esse véu de manifestação é muito difícil; é como tentar traçar a distinção entre a genialidade e a loucura. Portanto, meu trabalho parte do ponto de vista de minha experiência, tanto pessoal quando adquirida através da sabedoria milenar do Tantra, do Yoga e da Āyurveda.

É uma conduta quase que geral dos médicos Āyurveda na Índia diagnosticarem problemas e doenças mentais como uma manifestação ou ligeiro despertar da kuṇḍalinī. Esse é o ponto de vista de muitos mestres também. Pessoas que não possuem conhecimento de Yoga e não-iniciados, ao escutarem as descrições das experiências com a kuṇḍalinī chegam a pensar que são relatos de surtos psicóticos. Muitas das descrições sobre essa experiência trazem relatos de pessoas que passaram pelo despertar suspeitando que estavam ficando loucas. É fácil compreender que uma pessoa que passa pela experiência de uma espontânea suspensão da respiração (kevala-kumbhaka) ou a sensação de ausência total de corpo físico possa ter medo de estar ficando louco. Agora, contudo, a comunidade médica está vagarosamente se tornando consciente das diferenças entre loucura e expansão das faculdades mentais. São muitos os médicos que, lançando mão das pesquisas sobre a kuṇḍalinī e os estados alterados de consciência que sua experiência produz, auxiliam inúmeras pessoas a tomarem o rumo certo na jornada da serpente de fogo.

Se por um lado finalmente a comunidade médica já está conseguindo admitir a existência dos estados alterados de consciência promovidos pelo despertar da kuṇḍalinī, por outro existem as pessoas que se enganam ou que, muitas vezes, são enganadas. Grande parte das pessoas que alegam estar passando ou já terem passaram por experiências conectadas a kuṇḍalinī na verdade apresentaram um problema mental genuinamente físico. Geralmente, elas não querem admitir que seu problema seja real e que não tem nada a ver com a kuṇḍalinī. Mas existem aqueles que demonstram uma experiência verdadeira com a serpente de fogo. Portanto, uma avaliação criteriosa é muito importante, principalmente por aqueles que passam pela experiência. Existe uma tendência quase unânime de o ego mascarar a experiência, prejudicando a evolução no despertar espiritual.

Infelizmente, existe também a má orientação. Em 2004, a revista Vogue publicou um artigo sobre uma ex-modelo que, durante uma aula de Yoga, sentiu muitas dores na cabeça. Sua famosa professora de Yoga, no entanto, disse-lhe com animação que as dores eram um sintoma do despertar da kuṇḍalinī. Exames posteriores revelaram que era um sintoma de tumor cerebral. A professora fingia ter um conhecimento que não possuía. Muitas vezes isso é um produto dos mestres e pseudo-mestres ocidentais que de alguma maneira utilizaram os segredos do kuṇḍalinī-yoga de forma distorcida. Foram divulgadas informações sobre a kuṇḍalinī, os cakras, as nāḍīs etc. que confundiram a cabeça de muitos buscadores. Grande parte destes mestres ocidentais estiveram envolvidos com organizações ocultas, maçônicas ou para-maçônicas e seus ensinamentos, deturpações adaptadas do conhecimento esotérico Oriental, serviu apenas aos seus propósitos. A história da Tradição Esotérica Ocidental está cheia de relatos de pessoas que se apropriaram indevidamente do conhecimento Oriental para fins escusos. Mas não vamos nos iludir aqui. O Oriente também produziu muitos mestres de caráter duvidoso.

Concernente ao despertar da kuṇḍalinī, existem mais dois pontos importantes que todo aspirante deve manter em mente. Primeiro, há um grupo de pessoas que se lançam nas práticas com a kuṇḍalinī fazendo a utilização de substâncias alucinógenas. Isso porque os sintomas descritos nos relatos de pessoas que passaram pelo despertar da kuṇḍalinī podem se manifestar sob a influência de drogas químicas e substâncias enteógenas. Neste ponto, ressalto mais uma vez a importância da honestidade ao se examinar as experiências com a kuṇḍalinī. Existe uma ciência tântrica conhecida como auśadhī. É o método de se despertar a kuṇḍalinī através do uso de ervas específicas. Auśadhī não deve ser interpretado como a utilização de drogas como maconha (cannabis), ácido, etc. Auśadhī é o mais poderoso e rápido método de despertar a kuṇḍalinī, mas ele não é para todos e poucas pessoas conhecem esse método. Existem ervas que podem transformar a natureza do corpo e seus elementos e trazer um parcial ou completo despertar, mas elas nunca devem ser usadas sem um guru ou um guia qualificado. Isto ocorre porque certas ervas despertam iḍā ou piṅgalā, e outras suprimem ambas as nāḍīs, levando o praticante rapidamente a loucura. Por esta razão, auśadhī é um método muito arriscado e pouco confiável.

Segundo, o despertar da kuṇḍalinī envolve determinados fenômenos psíquicos, mas primordialmente, é uma experiência espiritual. Portanto, muitas pessoas presumem que o despertar da kuṇḍalinī garante habilidades psíquicas e poderes sobrenaturais. Embora isso possa ser verdade em certa medida, é perigoso demais supervalorizar os poderes psíquicos ou até mesmo brincar com eles. Habilidades psíquicas não são um pré-requisito para despertar a kuṇḍalinī e o crescimento e evolução da consciência.

Portanto, existem alguns pontos a serem considerados quando lidamos com as manifestações da kuṇḍalinī:

·         Experiências genuínas são raras.
·         Quando o aspirante está sob a orientação de um guru ou um guia preparado, suas experiências são determinantemente colocadas em perspectiva, o que garante o controle total do processo.
·         Executar uma sequencia de práticas apropriadas, treinar sob a orientação de um guru e percorrer vagarosamente o caminho espiritual, faz com que o processo de purificação física ocorra com mais facilidade. Assim, as experiências que acompanham o despertar podem ser amenizadas para que proporcionem paz e sabedoria.
·         Após a experiência genuína, o que fica é um estado de bem-aventurança, paz e elevado nível de consciência.

O resultado desta experiência é o suficiente para incinerar todas as dúvidas. Seu corpo se torna leve como o ar. Você passa a ter uma inesgotável energia para o trabalho, uma mente equilibrada em meio às provações e tribulações da vida. Mas para kuṇḍalinī ascender, o corpo deve ser capaz de suportar a energia que se manifesta e o sistema nervoso deve ser forte, saudável e perfeitamente desenvolvido. Isso é conquistado através das práticas do Yoga. Quando o corpo e a mente estiverem preparados, a kuṇḍalinī ascenderá espontaneamente, liberando e expandindo a consciência.

Carl G. Jung, eminente psiquiatra suíço, sumarizou essa experiência em seu Psychological Commentary on Kundalini Yoga, onde ele declara: Quando você for bem sucedido no despertar da kundalini, quando ela começar a se mexer e demonstrar sua potencialidade, você experimentará um mundo completamente diferente, o mundo da eternidade.

Portanto, tenha sempre em mente que essa energia é a chave para o renascimento espiritual e que seu despertar provoca uma mudança dramática em sua vida. É uma força que deve ser respeitada e reverenciada, pois por incontáveis milênios foi o tesouro secreto considerado como o elixir da imortalidade que esteve indisponível para as massas. Hoje em dia, com a disseminação da informação espiritual, este tesouro está à disposição de muitas pessoas, pois a ciência do kuṇḍalinī-yoga está mais acessível ao buscados moderno. A kuṇḍalinī é a chave oculta da realização da natureza essencial de cada um de nós e pode ser colocada em movimento pelas práticas do kuṇḍalinī-yoga.

Em Kundalini: The Evolutionary Energy in Man, Gopī Kṛṣṇa diz: O mecanismo conhecido como kundalini é a causa real de todo fenômeno espiritual, a base biológica da evolução e o desenvolvimento da personalidade, o segredo original de todas as doutrinas ocultas e esotéricas, a chave mestra do mistério indecifrado da criação, a inexaurível fonte da filosofia, arte e ciência e a origem de todas as religiões do passado, presente e futuro.


0 comentários:

Postar um comentário