sábado, 3 de maio de 2014




Fernando Liguori


Extrato da apostila do Curso de Aprofundamento em Yoga & Āyurveda realizado pelo Instituto Kaula em 2012.


Seguindo o curso da construção de nosso sādhanā, o próximo estágio da prática é a meditação. Aqui, quando nos referimos ao nome genérico meditação, queremos dizer grupo de práticas meditativas que seguem os passos do sapta-sādhanā proposto por nós. Primeiro nós abordaremos as práticas meditativas que introvertem a mente e os sentidos, que fazem com que nós empreendamos uma jornada em nosso interior para descobrirmos quem somos verdadeiramente. As práticas preliminares são as de relaxamento mental (pratyāhāra). Estas técnicas nos capacitam a estarmos dentro de nós mesmos longe do tumulto do mundo, encontrando paz em nosso interior. Este é um início necessário para práticas mais avançadas de:

·         Consciência unidirecionada (dhāraṇā)
·         Meditação (dhyāna)
·         Iluminação (samādhi)

Estes são estágios de aprofundamento da consciência até a realização do samādhi, o estado transcendental de iluminação espiritual. Muitas pessoas estão longe de atingir este nível de realização, entretanto, as práticas que proporcionam este estado são boas para todos nós.

Pratyāhāra é o estágio de entrada na meditação profunda. É o alicerce fundamental de todas as práticas meditativas, formando o substrato de todas elas. É um estágio, uma condição espiritual que se divide em quatro etapas:

1.    Primeiro, nós começamos a desenvolver consciência. A definição clássica de pratyāhāra é a retirada ou abstração dos sentidos. Tem sido dito que assim como uma tartaruga é capaz de recolher todos os seus membros para dentro do casco, da mesma forma o yogī deveria ser capaz de recolher toda extensão dos sentidos e da mente do exterior para o interior. Contudo, se nós aplicamos a lógica comum a este processo, nós iremos entender que não é uma simples questão de se desligar de tudo e se fechar para o mundo exterior. É antes de tudo se tornar consciente do que está acontecendo externamente e como nós estamos reagindo. Então, na primeira etapa de pratyāhāra, os sentidos são plenamente estendidos ao mundo externo, permitindo-nos experimentar sua completa atividade, seja no sentido do tato, paladar, visão, olfato ou audição.
2.    Segundo, nós observamos nossas reações aos estímulos sensoriais. Por exemplo, se surgisse um repentino e agradável aroma de rosas na sala, a maioria de nós faríamos uma profunda respiração e diríamos: Oh! É apenas um cheiro, mas este cheiro desperta muitas reações dentro de nós. Um sentimento, uma expressão, uma lembrança podem estar associados ao sentido do olfato. Logo, muitas reações diferentes se manifestam ao mesmo tempo, ao passo que nós nem mesmo percebemos todas elas. Se sentirmos o cheiro de carne estragada iremos nos levantar, colocar nossa cabeça para fora da janela e dizer yrk! A mesma coisa está acontecendo novamente. Se algo é suave e agradável, temos a sensação de prazer. Se algo é áspero de desagradável, não queremos tocá-lo. Essas são reações comuns, mas ao mesmo tempo são profundas reações aos estímulos sensoriais externos. Na segunda etapa de pratyāhāra, após nós termos expandido nossos sentidos externamente, temos que aprender como manter nosso equilíbrio, como desenvolver imunidade as influências dos sentidos, que são externas por natureza.
3.    Terceiro, nós recolhemos a consciência das experiências externas para as experiências internas dos sentidos. Começamos a ver a conexão que uma experiência sensorial tem com nossa mente interior. Como o cheiro desperta memória? Como um cheiro incita a sensação de prazer ou aversão? O reconhecimento e a percepção do processo mental associado com os sentidos é a terceira etapa de pratyāhāra.
4.    Quarto, nós percebemos e harmonizamos as atividades interiores. Depois de ter reconhecido o que experimentamos interna e externamente, e após termos desenvolvido imunidade, nós começamos a etapa final de pratyāhāra. É a experiência de śūnya, o nada ou vazio, ganhando controle sobre as ações e reações inconscientes dos sentidos e da mente, interrompendo assim suas interações. Śūnya é apenas a transição de um estado de meditação para o outro, da consciência para concentração e a concentração se inicia com dhāraṇā.

No exercício de pratyāhāra, portanto, podemos seguir o seguinte esquema de práticas:

1.    Meditações concentradas
2.    Meditações abertas

As práticas de meditação concentrada focam a consciência em um ponto, excluindo todas as interferências externas. Aqui incluem técnicas como mantra-yoga (japa e ajapa-japa), visualização interior etc.

As práticas de meditação aberta, ao invés de focar a consciência, permitem que ela esteja aberta a qualquer interferência como os pensamentos, sons, emoções etc. O meditante observa estas interferências como uma testemunha imparcial, um observador, não se envolvendo, sem emitir julgamentos. Isso produz uma limpeza nos recessos mais profundos da mente inconsciente. Um exemplo perfeito disso é a observação espontânea dos pensamentos (antar mouna) ou a visualização interior espontânea.


As meditações concentradas e abertas não se excluem. Ambas têm de ser executadas. Ademais, não é possível atingir níveis elevados de meditação concentrada (dhyāna e samādhi) até que tenhamos purificado, em grande parte, a mente interior, pois seus distúrbios forçam a consciência quando tentamos nos concentrar.

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