domingo, 22 de junho de 2014



Fernando Liguori


Texto extraído da apostila do curso «Oficina de Meditação», edição 2011, ministrado pelo Instituto Kaula.


A mālā é um cordão de pequenas contas separadas umas das outras por um tipo especial de nó chamado brahma-granthi ou nó da criação. As contas são delicadamente distribuídas ao longo de um forte filamento de linha e são em número de 108, mas existem mālās de 54, 27 e 11 contas para sādhanās (práticas espirituais) específicas.

Cada mālā tem uma conta extra, adjacente ao ilhó final. Ela é chamada de sumeru (junção ou cume de conta) e serve como um ponto de referência para o praticante saber quando terminou a rotação completa na mālā. A mālā é parte essencial das principais técnicas de japa-yoga. Ela é um instrumento para se manter a consciência.

Mālās são comumente feitas de sementes de tulsi, sândalo, rudrākṣa ou pequenos cristais. A mālā feita de tulsi é a mais comumente usada para japa. Tulsi é uma planta sagrada e largamente venerada que contém muitas propriedades curativas e auxilia no desenvolvimento de faculdades psíquicas. Ela tem um forte efeito purificante sobre as emoções e acalma a mente. Os devotos de Viṣṇu utilizam esta mālā pois tulsi é considerada como uma encarnação de Lakṣmī, esposa de Viṣṇu. Mālās de sândalo são suavemente perfumadas e possuem vibrações de proteção e também acalmam a mente. Elas contêm propriedades refrescantes e são ótimas para pessoas que possuem problemas na pele. Rudrākṣa é a semente da fruta de uma árvore nativa consagrada a Śiva que só nasce em mata fechada. A mālā de rudrākṣa é considerada a mais poderosa e efetiva para a prática de japa e é utilizada pelos devotos de Śiva. Rudrākṣa influencia magneticamente a circulação sanguínea, fortalece o coração e é recomendada as pessoas que sofrem de pressão alta. As mālās de cristal possuem propriedades psíquicas e são utilizadas por aqueles que adoram Devī.

Mālās não são utilizadas apenas por adeptos tântricos e yogīs. Os praticantes do Budismo Mahāyana também utilizam mālās de 108 contas em suas meditações. Entretanto, suas mālās contém três contas extras representando o refúgio em Buda, Dharma (deveres, código de convivência, caminho espiritual) e Sangha (ordem de monges budistas). Os católicos romanos utilizam um rosário de 54 contas. Na Grécia e outros países dos Bálcãs onde a Igreja Ortodoxa Grega é predominante, todos os homens carregam um rosário onde quer que vão e circulam as contas o máximo que podem. Sem seus rosários, eles se sentem nus. A razão pela qual eles circulam as contas do rosário o tempo todo, em todas as atividades, é para manter o fluxo da consciência no que estiverem fazendo, mantendo a mente focada na atividade.

O propósito da mālā

Muitas pessoas têm curiosidade sobre o porquê da mālā ser usada na prática de meditação com japa e se têm de usar uma e como manuseá-la. Antes vamos falar do propósito da mālā. Por conta de sua natureza, a mente não permanece estável por um longo período de tempo. Portanto, faz-se necessário um mediador ou uma base de auxílio pela qual podemos saber se estamos conscientes ou não. Utilizamos a mālā como um mecanismo pelo qual podemos acordar daqueles momentos onde perdemos a consciência e nos esquecemos daquilo que estamos fazendo. Também utilizamos a mālā para verificar o andamento da prática e sua qualidade.

Inicia-se a prática de japa a partir da conta sumeru e segue-se girando a mālā ritmicamente, conta por conta. A mālā desliza em um fluxo contínuo até ser interrompida novamente pelo sumeru.
A partir de determinado estágio de japa, quando a mente se torna calma e serena, é possível que os dedos fiquem inertes. Eles ficam momentaneamente paralisados enquanto você permanece completamente inconsciente do processo. Às vezes a mālā pode cair no chão. Quando essas coisas ocorrerem, saiba que se distanciou do objetivo de japa, quer dizer, você falhou em manter o fluxo da consciência. Se não está com a mālā na mão enquanto pratica japa, como saberá o que está experimentando. É a continuidade de foco na mālā que irá demonstrar seu estado de consciência. Se estiver focado na mālā e nos dedos a cada conta, então estará consciente. Quando japa for executada corretamente e a concentração ocorrer, a mālā continuará a se movimentar quase que automaticamente, mas de forma consciente.

A mālā pode ser algo que seu intelecto não aceita, mas para que haja sucesso na prática de japa, a mente necessita de uma ferramenta.

O fato da mālā ter 108 contas precisa de uma explicação. Existem inúmeras teorias nas escrituras sobre este ponto. Vamos ver alguma coisa. 1 representa a consciência suprema; 8 representa os oito aspectos da natureza, consistindo dos cinco elementos fundamentais (terra, água, fogo, ar e éter), mais ahaṃkāra (princípio de egoidade), manas (mente) e buddhi (sentido de percepção intuitiva); 0 representa o cosmos, todo o campo da criação. De outra maneira: 0 é Śiva; 8 é Śakti e 1 é sua união (yoga).

Alguns acadêmicos acreditam que 108 representa o número de crânios na guirlanda que adorna Kālī, venerada como a Grande Mãe e a Senhora da Realização yogī, mas por muitos é considerada a deusa da destruição. É dito também que 108 é o número de encarnações do jīva (a alma ou consciência individual) antes da realização espiritual

Existem explicações similares para os números 27, 54, 57, 1001 etc., todos usados em mālās. Mas estes números possuem profundos significados psíquicos. São números escolhidos que auxiliam a experiência de estados de consciência auspiciosos enquanto se pratica japa. Eles foram recebidos pelos antigos videntes (ṛṣīs) e são apropriados para experiências psíquicas. A explicação destes números serve apenas aqueles que procuram uma abordagem mais intelectual da prática.

Além das 108 contas da mālā, existe ainda o sumeru, a conta extra que representa o topo da passagem psíquica conhecida como suṣumnā-nāḍī. Por esta razão o sumeru ou meru é às vezes chamado de biṅdu. As 108 contas representam os 108 centros, estações ou campos através dos quais sua consciência viaja até o biṅdu e retorna. Estes centros são cakras menores e eles representam o progressivo despertar da mente. O biṅdu é o limite desta expansão mental.

Como usar a mālā

Existe um método especial de segurar a mālā. Ela deve ser manuseada com a mão direita, suportada péla ponta do polegar unida ao dedo anular. O polegar não é utilizado para girar a mālā e os outros dedos (indicador e mindinho) não devem tocar na mālā. O dedo médio movimenta as contas.

Quando utilizar a mālā, não cruze o biṅdu. Inicie a prática a partir da conta imediatamente posterior ao biṅdu e quando terminar o rotação total, finalize na conta imediatamente anterior ao biṅdu. Neste ponto, vire a mālā e continue a prática. Sempre gire a mālā sobre ou na direção da palma da mão.

Tradicionalmente, japa é praticada enquanto se mantém a mão direita na frente do peito. Desta maneira o mantra pode ser entoado em sincronia com as batidas do coração. Manter a mão na frente do peito intensifica o sentimento de entrega e concentração no mantra. A mão esquerda deverá estar sobre o colo em cin, jñāna ou cinmaya-mudrā. A mão esquerda também pode segurar a mālā, evitando que ela oscile ou se enrole, prejudicando a concentração na passagem das contas pelos dedos. Se preferir, a mão direita pode ser colocada sobre o joelho direito. Neste caso a mālā descansa no chão.

Pode-se contar o número de rotações na mālā mentalmente ou utilizando a mão esquerda como se segue: após uma rotação na mālā, coloque a ponta do polegar esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo mindinho. Após a segunda rotação, escorregue a ponta do polegar para a linha da segunda junta. Após a terceira rotação, escorregue a ponta do polegar para última linha da junta do dedo mindinho. Seguindo, após a quarta rotação, leve a ponta do polegar esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo anular esquerdo e assim por diante. Desta maneira você contará doze rotações na mālā.

A mālā utilizada para prática de japa não deve ser usada ao redor do pescoço. Quando não estiver sendo utilizada, deve ser mantida em segredo, guardada em um pequeno saquinho de pano ou envolta em um pano especialmente consagrado para guardá-la. Isso evita qualquer mudança ou influência negativa de vibrações sobre a mālā. Nunca empreste sua mālā para outras pessoas. Seja quem for à pessoa, ele nunca deve tocar ou ver a mālā com que executa suas práticas meditativas. Mālās utilizadas para decoração não são apropriadas para uma prática séria de japa.

Uma mālā usada diariamente se tornará, com o tempo, impregnada com vibrações positivas. Após alguns meses, no momento em que tocar a mālā, irá se tranqüilizar e terá quietude e estabilidade na mente.

Se você pratica japa-mālā muitas vezes por dia, poderá ficar com os braços cansados se estiver com a mão na frente do peito. Neste caso, você pode usar um suporte (eslinga) para o braço.

O uso da gomukhi

Se você executa longas práticas de japa durante o dia, o uso da gomukhi é recomendado. A palavra gomukhi significa na forma da boca da vaca. É um pequeno saquinho que se assemelha a boca de uma vaca. A mālā e a mão direita são colocadas dentro da gomukhi para que estejam longe da visão de outras pessoas. A gomukhi pode ser utilizada enquanto se caminha ou a qualquer momento, mas é particularmente útil para aqueles que estão engajados em anusthana-sādhanā (prática de japa por um período fixo prolongado). Na verdade, para estas pessoas, o uso da gomukhi é essencial.

A mālā muitas vezes pode não ser aceita facilmente pelas pessoas ocidentais em um nível intelectual, mas sem que estejam conscientes disso, elas têm aceitado a mālā intuitivamente. Já passou pela sua cabeça de onde vem essa moda de utilizar colares de pérola ou outras pedras e adornos decorativos? Nas culturas arcaicas, contas (mālās), anéis e amuletos eram utilizados para finalidades espirituais e desde aqueles tempos, as pessoas têm sido atraídas por esses adornos. Nos dias de hoje, em nome da moda, homens e mulheres utilizam esses adornos com finalidades puramente estéticas.


0 comentários:

Postar um comentário