terça-feira, 19 de agosto de 2014




Fernando Liguori


Khecarī-mudrā, o bloqueio com a língua, é uma prática importante ressaltada em todos os textos do haṭha-yoga, rāja-yoga e vedānta, por causa de seus efeitos no corpo e na mente. Ela também é conhecida como nabho-mudrā e geralmente é combinada com ujjāyī-prāṇāyāma e outras práticas meditativas. Śrī Swāmi Śivānanda Saraswatī chamava essa prática de lambhika-yoga, por fornecer ao praticante uma fonte de rejuvenescimento e superação dos obstáculos no yoga-sādhanā. Lição da Oficina de Meditação, edição 2011, ministrada pelo Instituto Kaula.


A palavra khecarī deriva de duas raízes sânscritas: khe, que significa céu e carya, que significa aquele que move. Khecarī-mudrā é associada ao amṛta, o néctar ou elixir da vida, que é segregado do biṅdu-visarga, o cakra situado na fontanela posterior. Este néctar é coletado pelo viśuddhi-cakra. A proficiência nessa prática possibilita o yogī interromper a queda destas gotas de amṛta no viśuddhi, superando a forma, a sede e rejuvenescendo todo o corpo.

Essa mudrā pode ser executada de duas maneiras diferentes. O método mais simples, muitas vezes associado a técnicas meditativas, é a prática rāja-yogī, onde a ponta da língua é projetada para trás, tocando o palato mole no céu da boca. O outro método é associado às práticas mais avançadas do haṭha-yoga. Corta-se cuidadosamente o freio abaixo da língua, possibilitando que ela se movimente para dentro da cavidade nasal e estimule importantes centros psíquicos situados nessa região. Khecarī-mudrā, sob estas condições, envolve a orientação de um guru ou um professor experiente, bem como a suspensão de qualquer interação com o mundo exterior. O local mais seguro para essa prática é um aśram onde o praticante será bem orientado, passará por cuidados e estará desfrutando de um estilo de vida yogī, sem a interação com o mundo exterior.

Khecarī-mudrā (bloqueio com a língua)
Técnica 1: método rāja-yogī
Sente-se confortavelmente em uma postura meditativa.
Mantenha a coluna e a cabeça alinhadas. As mãos em cin ou jñāna-mudrā sobre os joelhos. Relaxe todo o corpo e feche os olhos.
Dobre a língua para cima e para trás de forma que a parte inferior da língua toque o palato.
Projete a ponta da língua para trás o quanto for possível.
Se a língua for longa o suficiente, tente inseri-la na cavidade nasal no palato mole.
Não force.
Execute ujjāyī-prāṇāyāma. Respire lenta e profundamente.
A princípio haverá algum desconforto e ujjāyī-prāṇāyāma poderá irritar a garganta, mas, com a prática, tornar-se-á mais confortável.
Quando a língua ficar cansada, relaxe por alguns momentos e repita a prática.
Algumas pessoas tentam alongar a língua massageando-a com ghee (manteiga clarificada), projetando-a então para trás.
Respiração: Gradativamente, em um período de meses, reduza a velocidade da respiração até que o número de respirações por minuto fique em torno de 5 ou 6. Sob a orientação de um professor competente, pode-se ir além, reduzindo ainda mais a velocidade respiratória.
Duração: Pratique por cinco a dez minutos. Khecarī-mudrā pode também ser combinada com outras práticas de Yoga.
Consciência: Físico – no alongamento da língua, na pressão contra o palato mole e no som produzido pela garganta na medida em que inspira e expira em ujjāyī-prāṇāyāma.
Precaução: Interrompa a prática caso uma secreção amarga ou ácida seja sentida na boca. Essa secreção é um sinal de que existem toxinas no sistema e elas ocorrem quando o doṣa kapha (muco) está excessivamente desequilibrado. Como regra geral, se você está caminhando através do processo do haṭha-yoga, a eliminação das toxinas e o equilíbrio dos doṣas pode ser conquistado e a secreção amarga deixará de ocorrer. Mas se você executar a prática sem a devida purificação, notará que o gosto amargo da secreção se parece com o gosto de um ovo podre descendo pela garganta.
Contraindicações: Ulcerações na língua e outras doenças bucais impossibilitam temporariamente a execução desta técnica
Benefícios: Khecarī-mudrā estimula uma série de pontos de pressão na parte posterior da boca e na cavidade nasal. Estes pontos influenciam todo o corpo. Algumas glândulas também são massageadas, estimulando a secreção de certos hormônios e da saliva. Essa prática reduz a sensação de fome e sede, induz um estado interior de calma e quietude. Ajuda a conservar a vitalidade do corpo, sendo especialmente benéfico para processos de cura interior. Essa mudrā tem o poder de estimular o prāṇa e despertar a kuṇḍalinī-śakti.

Técnica 2: método haṭha-yogī
Essa forma de khecarī-mudrā deve ser praticada sob a supervisão de um guru ou professor competente. O tendão abaixo da língua é gradativamente cortado, semana após semana. Uma pedra afiada pode ser utilizada para este propósito, embora um instrumento cirúrgico de corte também possa. A língua é massageada com ghee por longos períodos diariamente até que esteja alongada ao ponto de tocar o centro entre as sobrancelhas. Dessa maneira, a prática tradicional de khecariī-mudrā pode ser executada, na qual a língua é inserida dentro da cavidade nasal no palato mole, estimulando os centros nervosos, alterando assim as funções cerebrais.
Precaução: Uma vez que o freio da língua tenha sido cortado, o controle sobre as faculdades da fala e deglutição é prejudicado de maneira irreversível. Portanto, essa técnica do haṭha-yoga tradicionalmente é executada apenas por yogīs que estão completamente dedicados ao despertar espiritual e não mais se envolvem com os eventos profanos da vida.
Nota: É ensinado pela tradição que essa prática deve se iniciar nos primeiros anos da adolescência, entre doze e dezesseis anos, período em que o corpo ainda está em formação. Primeiro massageia-se a língua segurando-a com um pedaço de pano na medida em que ela é puxada para fora, de um lado para o outro, então o freio da língua é cortado com uma lâmina bem afiada e esterilizada. No processo, pouco sangue é emitido, mas não existe dor. Em seguida, se limpa o ferimento com massala de açafrão e sal moído para que não haja infecção e o processo de cura possa ocorrer naturalmente.
O processo de massagear a língua é feito diariamente. Os cortes no freio da língua são feitos de sete em sete dias. Como mencionamos acima, quando o tendão está completamente cortado, perde-se o controle sobre os movimentos da língua. Dessa maneira não possível introduzi-la na cavidade nasal espontaneamente, portanto, é necessário o auxílio dos dedos ou um pequeno gancho sem ponta afiada. A proficiência em levar a ponta da língua até o ponto entre as sobrancelhas pode levar anos.

Efeitos fisiológicos

A cabeça, mãos e língua abrangem uma grande área sensorial do córtex. Na parte motora, a área utilizada pela língua é três ou quatro vezes maior do que a área sensorial. A área que abrange os lábios, boca e cordas vocais para expressão dos pensamentos em palavras através do viśuddhi tem grande importância, pois a maior parte do córtex está distribuída entre a cabeça, mãos, língua, olhos e voz.

Quando nós praticamos khecarī-mudrā, trazemos o foco da atenção a estas áreas. Quando dobramos a língua para trás, mantendo-a firme, transmitimos a consciência este estado de estabilidade. A língua é um órgão que se movimenta bastante, geralmente de forma inconsciente, especialmente quando falamos. Dobrar para trás a língua em khecarī-mudrā estabiliza e prende os músculos que normalmente se mexem incessantemente. Isso produz calma e firmeza em todo sistema, atuando profundamente na estabilidade da consciência. Por outro lado, a quantidade de energia que normalmente seria utilizada pela atividade cortical é liberada para que exerça outras funções.

Acredita-se que por esta prática podemos ganhar controle sobre as maiores faculdades do corpo. Na medida em que a língua é inserida na cavidade nasal, inúmeros nervos pequenos, hormônios e glândulas são ativados, o que garante um controle sobre o sistema nervoso. Yogīs que executam longos períodos de prática meditativa utilizam a khecarī-mudrā para superar as necessidades físicas de fome e sede. Acredita-se também que quando khecarī-mudrā é praticada da maneira tradicional, o corpo astral desprende-se a vontade do corpo físico. A partir deste desprendimento a consciência pode experienciar o ākāśa-tattva.

De acordo com o kuṇḍalinī-yoga, outro benefício obtido através da khecarī é o rejuvenescimento das células do corpo. Kuṇḍalinī-yoga declara que o biṅdu-visarga, situado na fontanela posterior da cabeça, é um centro muito importante. Dele, o amṛta, o néctar ou elixir da vida, é secretado em pequenas quantidades que gotejam pelo corpo. Quando os centros inferiores metabolizam este néctar, o corpo inicia um processo de decadência, velhice, doença e morte. Com a prática da khecarī-mudrā os yogīs têm conseguido reverter este processo estimulando o biṅdu-visarga, contendo as gotas do amṛta no viśuddhi-cakra, dobrando para trás a língua.

Quando este hormônio (amṛta) é contido na região do viśuddhi, ele se purifica e cria um efeito contrário no organismo. Quando ele entra em contato com o suco gástrico da região do maṇipūra se torna veneno. Mas quando permanece na região do viśuddhi, se purifica e somente é distribuído pelo corpo após ter sido filtrado pelas membranas mucosas e glândulas salivares que revestem a boca. Uma vez que isso ocorra, o néctar começa a rejuvenescer o corpo. Portanto, para os haṭha-yogīs, a vida pode ser prolongada pela prática de khecarī-mudrā.

Ujjāyī-prāṇāyāma e khecarī-mudrā: bases científicas e razões para prática

No pescoço existem dois órgãos notáveis chamados de fístula carótida, situados em cada lado das principais artérias que suprem sangue ao cérebro, na frente do pescoço, logo abaixo da garganta. Estes órgãos pequenos ajudam a controlar e regular a pressão sanguínea e o fluxo do sangue. Se existe uma falha na pressão sanguínea, ela é detectada por estas duas pequenas fístulas que enviam uma mensagem ao cérebro. O cérebro responde rapidamente aumentando o ritmo cardíaco e contraindo os numerosos e minúsculos vasos sanguíneos, elevando a pressão ao seu estado normal. Qualquer aumento na pressão sanguínea também é detectado por estas fístulas, que novamente enviam uma mensagem ao cérebro que responde diminuindo o ritmo cardíaco e dilatando os vasos sanguíneos.

Tensão e estresse estão associados à pressão sanguínea. Ujjāyī-prāṇāyāma aplica uma leve pressão nestas fístulas na região do pescoço, fazendo com que elas ajam como se estivessem detectando um aumento na pressão sanguínea. Isso reduz os batimentos cardíacos, o que diminui a pressão do sangue abaixo do normal. Como resultado deste processo, o praticante se torna mais relaxado, físico e mentalmente. Essa é a razão pela qual ujjāyī-prāṇāyāma é tão importante em muitas práticas meditativas. Ele produz um estado de relaxamento em todo o corpo, o que é essencial no processo da meditação.

Khecarī-mudrā acentua essa pressão nas duas fístulas carótidas. Você pode experimentar por si mesmo executando primeiro ujjāyī-prāṇāyāma sem khecarī-mudrā e depois com, comparando assim a diferença na pressão.


Ujjāyī-prāṇāyāma é uma técnica simples que influencia sutilmente muitas partes do corpo, tanto físico, mental como bioplasmático. A respiração lenta e profunda imediatamente induz a calma mental e a aquietação corporal, trazendo harmonia às funções do corpo bioplamático. Ainda, o som produzido na região da garganta acalma e conforta todo o ser. Se você permanecer consciente deste som por um longo período de tempo, excluindo pensamentos intrusos, perceberá os benefícios em pouco tempo de prática.

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