sexta-feira, 24 de janeiro de 2014


 
Por Fernando Liguori


Quando utilizamos a palavra «yoga», o que nos vem à mente é um conjunto de métodos e técnicas de desenvolvimento: posturas «āsanas», a expansão da capacidade pulmonar e domínio dos alentos internos «prāṇa-nigraha e prāṇāyāma», visualizações, meditações etc. Estes são aspectos importantes que lidam com o complexo matéria-energia-mente e são tratados como práticas externas do Yoga. Contudo, o Yoga é muito maior do que qualquer procedimento que tenha sido criado para torná-lo acessível. A tradição védica postula que o praticante de Yoga é aquele que busca pelo autoconhecimento e os Vedas chamam essa pessoa de yogī. Sendo o yogī a pessoa que se preparou para receber o autoconhecimento, entender um pouco mais a natureza do autoconhecimento nos leva a uma compreensão maior do que é o Yoga.

A tradição védica ensina que a ignorância sobre nós mesmos, sobre nossa natureza, é a causa de todo sofrimento. Por não conseguirmos ver que nossa verdadeira natureza é livre, nos identificamos com o complexo corpo-mente, sofrendo a cada instante com suas limitações. Mas os Vedas nos dizem que somos muito mais do que este corpo e esta mente; eles apontam que nossa verdadeira natureza é a felicidade que tanto almejamos, a paz, a liberdade e a própria eternidade.

Portanto, tendo como objetivo esse «entendimento» sobre si mesmo, a tradição védica prescreve um estilo de vida, um conjunto de valores aliados a práticas psicofísicas e a exposição tradicional das upaniṣads.[1] Como uma alternativa para a expressão «estilo de vida», podemos utilizar outra mais ampla, «vida de yoga». Quando nos referimos a estilo de vida, nos vem à mente um conjunto de hábitos. Mas não é isso! Uma vida de yoga é uma estrutura prescrita pelos Vedas, cujo objetivo é que o estudo das escrituras seja suportado por um aparato de disciplinas que preparam o indivíduo para o entendimento de sua natureza livre. O processo é comparado com acender uma fogueira, a vida de yoga seca a madeira e os Vedas são como o fósforo. Se madeira estiver muito molhada não é possível acendê-la e se o fósforo não for utilizado da maneira correta o fogo se apaga rapidamente. O Yoga é então um «pacote» cuja prática de posturas e respirações representam a pequenina parte de um todo muito maior. Sabendo disso, vamos explorar um pouco mais a essência do Yoga.

Existe um engano muito comum atualmente no uso do termo «yoga». Alguns autores dividem o Yoga em função de algumas práticas específicas, ficamos com a impressão de que as atividades do Yoga sejam «tipos de yoga» separados uns dos outros. Por exemplo, as atividades devocionais como ir ao templo ou fazer um ritual são chamadas de bhakti-yoga e as meditações são referidas como dhyāna-yoga. Bhakti significa devoção e dhyāna significa meditação, ambos os termos não se referem a um «tipo de yoga», são apenas atividades que compõe o mesmo Yoga e para a busca do autoconhecimento as duas atividades são fundamentais.

Se o provérbio diz que o hábito faz o monge, podemos dizer que o que faz o yogī é sua atitude diante das ações (karma-yoga). É sua maneira distinta de ver e perceber a realidade por trás das ações, focando todos os aspectos da vida na busca espiritual. Essa vida de yoga fora amplamente referida na Bhagavadgītā como uma alternativa para as pessoas que desejam continuar inseridas na sociedade, mas com foco direcionado a busca espiritual. Nesse ponto deve haver ainda um esclarecimento. Na mente de muitas pessoas a palavra «yoga» é sinônimo de repressão ou disciplina rígida, austeridade e renúncia. Contudo os Vedas dão a opção de se levar uma vida normal, com trabalho, família, filhos etc. Não é necessário reprimir absolutamente nada e a renúncia não está na ação, mas nos frutos da ação. Segundo a tradição védica, uma pessoa de mente mediana faz apenas ação (karma), enquanto que uma pessoa espiritualizada, que busca e se prepara para a recepção do autoconhecimento, faz karma-yoga, a ação consciente desprovida do resultado da ação. É a ação yogī.

Vida de Yoga é então uma atitude diante da vida, que envolve dois aspectos: i. a visão ao executar a ação e ii. a visão ao receber o resultado da ação. De acordo com os Vedas, toda ação deve ser executada como um instrumento de preparação para o autoconhecimento. Qualquer ação do nosso dia pode ser usada para isso, como uma oração, onde nos encontramos em harmonia com o Criador, que é o próprio universo a nossa volta. É esse oferecimento da ação ao Criador que a torna um instrumento purificador.

Tendo o autoconhecimento como objetivo toda ação se torna uma possibilidade de crescimento. Vida de yoga ou a prática do karma-yoga consiste em fazer a ação na forma de um oferecimento ao Criador e receber os resultados como vindos do próprio Criador de acordo com as nossas ações no passado. Essa maneira lúcida e discriminativa de tomar as decisões e encarar as situações da vida é a espinha dorsal do que é chamado de Yoga. O yogī não é apenas a pessoa que executa um conjunto de práticas e disciplinas, mas aquela pessoa capaz de trazer o karma-yoga para o dia-a-dia. Como karma-yoga depende da apreciação do Criador que nasce da exposição aos Vedas, podemos dizer que os Vedas são a essência do Yoga.



[1] Parte dos Vedas, também chamada de Vedānta, que tem por objetivo a transmissão do autoconhecimento.

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