sábado, 1 de fevereiro de 2014


O Sādhanā da Bhagavadgītā

Parte . I .

Swami Niranjanananda Saraswati

Satsanga realizado em Paduka Darśan Saṃnyāsa Pītha, Munger, 17 e 18 de fevereiro de 2012.

Eu irei falar sobre o sistema de sādhanā yogī e o cultivo de ideias yogīs como foram definidas e ensinadas por Śrī Kṛṣṇa a Arjuna na Bhagavadgītā. A Gītā foi narrada a Arjuna no campo de batalha da guerra do Mahābhārata que ocorreu cerca de 5500 anos atrás. Se olharmos para as nossas vidas hoje, descobriremos que passamos pelas mesmas experiências na jornada da vida que Arjuna experienciou e discutiu com Śrī Kṛṣṇa no campo de batalha. A história é sobre dois grupos de irmãos: cinco irmãos conhecidos como Pāndavas e cem irmãos conhecidos como Kauravas. Os Kauravas desenvolveram uma intensa antipatia pelos Pāndavas.

Com o passar do tempo à antipatia tornou-se ódio e, finalmente, o resultado foi à guerra entre as duas partes. Em um lado do campo de batalha se encontravam os cinco irmãos junto a seus aliados e respectivos exércitos. Do outro lado estavam os cem irmãos Kauravas junto a seus amigos, aliados e exércitos, todos prontos para se matarem.

Um dos Pāndavas era um grande arqueiro, conhecido como Arjuna e na guerra Śrī Kṛṣṇa tornou-se seu cocheiro. Arjuna pede a Śrī Kṛṣṇa que o conduza ao centro da batalha, entre os dois exércitos, para que ele pudesse ver as pessoas que vieram preparadas para lutar e matarem umas as outras. Śrī Kṛṣṇa coloca a carruagem entre os dois exércitos e Arjuna vê seus próprios irmãos e seus aliados vestidos em formação militar a sua frente e do outro lado ele vê todos os outros. Os cem irmãos Kauravas, seus aliados, membros da família, tios, avós, pais, sobrinhos, filhos e filhas, qualquer um capaz de lutar estava lá.

Diante dessa visão, Arjuna subitamente experimentou uma dor profunda e caiu em um estado de desânimo e depressão. A causa da tristeza de Arjuna foi à visão de seus próprios familiares se preparando para lutar e matar uns aos outros. Como um guerreiro, Arjuna lutou em muitas guerras e nunca se afligiu. A única diferença é que neste campo de batalha ele via as pessoas não como inimigas, mas como parte de suas próprias relações – tios, filhos, sobrinhos, pais, avós e amigos. Essas pessoas fizeram parte da vida dos Pāndavas desde o momento de seu nascimento e Arjuna sente um apego natural por eles. Este apego se tornou a causa de uma dor muito profunda. Todas as memórias de suas relações, toda memória física, intelectual, emocional e lúdica, cada impressão ou pratyaya chegou à superfície de sua mente e ele não pode lidar com isso.

Arjuna sentou-se desanimado e disse, «Por que eu deveria lutar? Para quê? Talvez nós venceremos e conquistaremos o reino, mas ele estará vazio, desprovido de todos os que conhecemos. Que tipo de felicidade, prazer ou satisfação nós teremos sem ninguém para chamarmos de pares? Para quem é que vamos ganhar este reino? Todos os nossos amigos vão morrer. Nós nos chamamos de intelectuais, formulamos religiões e leis, mas por conta de nossa ganância e desejo, estamos prontos para destruir uns aos outros completamente, sabendo muito bem que esta guerra civil irá nos levar à morte e à destruição de todas as normas sociais, estruturas e valores individuais, da família e da sociedade. Haverá caos, morte, destruição e pobreza. Nós somos os líderes da sociedade e assim mesmo estamos reunidos para cometer o maior crime de todos os tempos, pois temos conhecimento de causa e vamos, deliberadamente e conscientemente, tirar a vida de outras pessoas. Não há ato mais pecaminoso do que matar alguém.»

Pensando dessa maneira, Arjuna prostrou-se em estado de desânimo e depressão. Perdeu a clareza da mente e a vontade de lutar, se esquecendo de seus deveres e obrigações. Neste estado, sentou-se na carruagem.

Śrī Kṛṣṇa tem de intervir para tirar Arjuna deste estado de desânimo e tenta fazê-lo ver o lado bom da vida e não as coisas ruins. Dessa forma, Śrī Kṛṣṇa ensina a Arjuna o método, processo e o sādhanā para tirá-lo deste estado de desânimo. As instruções que Śrī Kṛṣṇa provê a Arjuna são conceitos yogīs, bem como sādhanās yogīs. Śrī Kṛṣṇa enfatiza a adesão do Yoga na vida e a perfeição no Yoga, de tal maneira que ele é reconhecido e conhecido como o mestre ou senhor do Yoga: Yogeśvāra. Há apenas duas pessoas que receberam o título de Yogeśvāra na história – um é Śiva, o primeiro expoente do Yoga e o herói de todos os yogīs aspirantes, por isso ele é chamado Yogīśvāra, senhor dos yogīs. Śrī Kṛṣṇa é conhecido como Yogeśvāra, ou seja, o senhor ou mestre do Yoga como uma prática, estilo de vida, filosofia e autoconhecimento.

Para capacitar Arjuna a trabalhar através de seu estado de desânimo, depressão e tristeza, Śrī Kṛṣṇa formulou uma estrutura específica de informações e prática. Essas instruções são dadas na Bhagavadgītā. A Bhagavadgītā não é um tratado de religião ou filosofia, mas um livro que dissipa dúvidas sobre o dharma que temos de viver na vida. De acordo com os ensinamentos da Gītā, o processo de gerenciamento da vida e o cultivo de qualidades superiores se tornam o foco, dharma e jornada da vida. Yoga torna-se o meio através do qual somos capazes de completar essa jornada.

Como seres humanos, todos nós passamos por estados de tristeza, ansiedade, desânimo, frustração e também experimentamos estados de euforia, alegria, contentamento e segurança. Às vezes somos capazes de aceitar situações, mas outras vezes nos encontramos incapazes de se adaptar e se ajustar a uma situação ou um ambiente. Nossa vida oscila de um extremo da experiência do lado positivo para o outro extremo da experiência no lado negativo. O balanço do pêndulo dos humores, percepções, pensamentos e ideias é algo que todos experimentam todos os dias, mas tudo está centrado na relação com os outros. Cada pessoa cultiva um relacionamento com outras pessoas em diferentes graus de intensidade e esta relação cria um mundo próprio. Em casa, a família, os pais e filhos são o mundo. Outros parentes são adicionados ao seu mundo como o segundo nível, avós, tias, tios e suas famílias respectivas. O terceiro nível de interação familiar está no nível de amigos e na sociedade – meus amigos, que me apoiam, pessoas que pensam como eu. Mas o grupo principal ainda é a família. Para os amigos, não há o mesmo sentimento que você tem para os seus familiares.

Apego

O sentimento que faz você sentir-se dono de alguém é o sentimento de apego. O apego é o poder, o agente através do qual reconhecemos alguém como «minha relação, meu amigo, minha família, meus simpatizantes». Somos afetados por aqueles com quem estamos ligados. Não somos afetados pela felicidade, dor, sofrimento, alegria e realizações de pessoas desconhecidas. Mas, quando nos identificamos com as pessoas mais próximas e estamos cientes e influenciados pela sua dor e alegria, então nos tornamos afetados. Somos afetados por causa dessa ligação profunda que é o apego. Tudo o que acontece, todas as nossas dores de cabeça e dores da alma ao longo da vida, seja familiar, a vida social, profissional ou pessoal, tudo gira em torno da família, os amigos, a sociedade e as pessoas conhecidas por nós.

O profundo entrelaçamento de ligação com essas pessoas e ao meio ambiente leva a um estado mental enganoso conhecido como moha – eu começo a sentir que pertenço a eles, que eles pertencem a mim, que tenho direitos sobre eles, que eles têm direitos sobre mim. Isso é moha. Tentar fazer cumprir essa conexão e reforçá-la nos relacionamentos é aumentar moha. O desejo inerente que faz parte da vida naturalmente alimenta o apego, pois os desejos são de continuação da linhagem, a procriação. O desejo inerente é encontrar o bem-estar, felicidade e prosperidade social e segurança financeira, para ser reconhecido e ter amigos e simpatizantes.

Śrī Kṛṣṇa explica a Arjuna: «Você está experimentando dor, depressão e este estado ilusório de mente porque não está pensando direito. Se você pensar corretamente então essas condições mentais não irão afetá-lo mais.» Arjuna diz: «O que você quer dizer falando que eu não estou pensando corretamente?» Śrī Kṛṣṇa respondeu: «Você está se esquecendo de seu principal compromisso e dever para com a sociedade. Na guerra um guerreiro tem que lutar, em um hospital um médico tem que curar e em um aśram o sadhu tem que trabalhar para a elevação dos outros. Em cada lugar há um papel definido, conhecido como dharma. Você está esquecendo o seu papel nesta situação. Você não pode negar seus karmas. Tenha em mente quais são suas obrigações, deveres e karmas. Não renuncie o karma, não diga eu não vou fazer isso ou eu não vou fazer aquilo.»

Faça o que a situação exige, tal como quando o tempo muda e você usa suas roupas em conformidade com ele. No inverno você usa cachecol, chapéu, meias e luvas. À medida que o frio do inverno aumenta as camadas de roupa também aumentam e na medida em que o verão chega, as camadas de roupa diminuem. Você não usa chapéu, casaco, cachecol, meias e luvas no verão ou passeia nu no inverno. Há uma inclinação natural para fazer a coisa certa da maneira correta, no momento certo.

A restrição dos sentidos

No entanto, quando o intelecto desempenha seu papel, muitas vezes a coisa certa não é feita na hora certa e a realização fica para mais tarde. Quando o apego existe, a inteligência fica anuviada e, portanto, a consciência do dharma se perde. Nesse momento, é preciso se lembrar da responsabilidade, compromisso e dever, envolvendo os sentidos na ação apropriada. Os sentidos devem ser controlados dentro de certos parâmetros e limites definidos. Neste momento, os sentidos estão funcionando sem nada para controlá-los. Eles estão guiando sua atenção, atração e você está simplesmente seguindo a sua linha de visão.


Os sentidos estão lhe atraindo porque você acredita que os seguindo, eles o conduzirão ao prazer. Prazer sensorial é o que todo mundo está procurando. Prazer mental, físico e emocional é o que todo mundo está desejando. Todos amam o prazer social. Os sentidos estão puxando a nossa atenção para o prazer, mas a experiência do prazer é impermanente. A experiência de felicidade é impermanente, pois os desejos não permitem que essa experiência dure para sempre. Se você tem um, quer dois, se tiver dois, quer três, se tem três, quer quatro. Um aumento do desejo, expectativa e dependência sempre vai acontecer. Assim, envolva-se no karma físico e restrinja os sentidos para que eles não corram selvagens atrás de viagens fantasiosas, não permitindo que você atenda as demandas das situações.

Śrī Kṛṣṇa diz: «Não há como evitar o karma, portanto, envolva-se com o karma e ao mesmo tempo tente estabilizar sua mente.» Há três coisas que perturbam o comportamento mental: apego, medo e raiva. Apego representa a conexão, associação, relacionamento. Medo representa insegurança, seja financeira, pessoal, familiar ou social. «A sociedade não é segura, a minha família não é segura, eu não tenho dinheiro para comprar comida amanha ou talvez depois de um mês, eu não tenho o suficiente para pagar as contas do mês.» Tais pensamentos indicam o medo e a insegurança. A raiva é a terceira perturbação da mente – agressão e alta ansiedade. Tudo o que estimula o estado de alta ansiedade em sua natureza e caráter está incluído na palavra raiva. A instrução que Śrī Kṛṣṇa dá a fim de gerenciar a mente é a de reduzir o desejo e conter a raiva, medo e atração. Pratique essas quatro coisas e a mente vai se tornar estável.

Tradução livre de Fernando Liguori.

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