segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014



Swami Satyananda Saraswati

Extratos do livro Kundalini Tantra. Yoga Publications Trust.


Toda vida está em evolução e o homem não é exceção. A evolução humana, a evolução a que somos submetidos inexoravelmente, tanto como indivíduos quanto como uma raça, é uma viagem através dos diferentes cakras. O mūlādhāra é o mais básico e fundamental dos cakras, de onde nós iniciamos a nossa evolução, e o sahasrāra é onde a nossa evolução estará concluída. Conforme nós evoluímos para o sahasrāra, experiências externas ocorrem durante nossa vida e experiências interiores ocorrem durante a meditação, com diferentes capacidades e um despertar progressivo dos centros dentro do sistema nervoso. Isso ocorre conforme a energia flui em altas voltagens vibrando em diferentes graus através das nāḍīs no corpo psíquico.

O mūlādhāra é o primeiro centro na encarnação humana, mas é o mais alto cakra que os animais têm a capacidade de despertar. É seu sahasrāra. Os cakras superiores para além do mūlādhāra não estão presentes na fisiologia psíquica dos animais e do seu sistema nervoso, refletindo esta deficiência relativa.

Abaixo do mūlādhāra existem outros cakras, que representam a evolução do reino animal. Eles estão apenas relacionados com a percepção da consciência e não com a consciência mental. Quando sua consciência foi evoluindo através destes cakras sua cabeça foi se relacionando somente com o sentido da consciência. Não havia consciência individual, nenhum ego, mas tudo começou a partir do mūlādhāra. Estes mais baixos centros já não funcionam em nós, porque nós os transcendemos.

No corpo do animal, estes cakras inferiores estão situados nas pernas, e assim estão as nāḍīs. O fluxo das nāḍīs aponta sua confluência no mūlādhāra-cakra tal como as nāḍīs no corpo humano fluem para o ājñā-cakra. Os nomes dos cakras menores são: atāla, vitāla, sutāla, talatāla, rasatāla, mahātāla e o menor é patāla. Assim como o mūlādhāra é a cakra mais baixo no corpo humano, patāla é o menor no reino animal. É a dimensão que representa a escuridão total, onde a natureza não está funcionando e a matéria é completamente inativa e estática.

Acima do sahasrāra também existem outros cakras que representam a consciência divina superior. Então o mūlādhāra-cakra é o mais evoluído no animal em evolução e o primeiro na evolução humana. O sahasrāra é o mais elevado na evolução humana e o primeiro passo para a evolução divina.

Conforme você estudar mais sobre os cakras, perceberá que realmente a kuṇḍalinī controla todas as coisas da vida. Quando esta śakti estava atravessando a fase animal de nossa evolução, ela influenciava todas as espécies com avidyā ou ignorância. Em razão de sua influência, o reino animal foi compelido a seguir o caminho de comer, dormir, temer e acasalar. Isto representou a fase tamásica da evolução. Do mūlādhāra em diante nós passamos através da fase rajásica e do sahasrāra em diante entramos na fase sattvíca.

Evolução espontânea e auto-impulsionada

Até o mūlādhāra-cakra a evolução ocorre automaticamente. Os animais não têm como praticar prāṇāyāma e nem japa. Eles não têm de procurar um guru, acompanhar um saṃnyāsi e nem tornarem-se aspirantes. Eles não têm que fazer coisa alguma e podem comer o que quiserem. A Natureza os controla completamente. Porque eles não pensam, a natureza é benevolentemente responsável por cada fase da sua evolução.

No entanto, uma vez que a kuṇḍalinī atinge o mūlādhāra-cakra, a evolução não é mais espontânea, uma vez que um ser humano não está completamente sujeito às leis da natureza. Por exemplo, os animais só acasalam em temporadas especiais. Em outras ocasiões, mesmo que eles vivam juntos, não irão acasalar. Mas, porque o homem é livre das leis da natureza, ele pode acasalar sempre que quiser.

O homem tem consciência do tempo e do espaço e tem um ego. Ele pode pensar, pode saber o que está pensando e pode saber o que ele ainda não sabe. Isto é devido à evolução do ego. Se não houver um ego não haverá dupla consciência. Animais não têm consciência dupla. Se um cão está perseguindo outro cão, ele está sob a natureza da compulsão. Ele não sabe que está perseguindo o outro cachorro e não sabe que está correndo. Corre pois o instinto o obriga.

Então, o homem tem uma consciência maior, e uma vez que ele a possui, precisa trabalhar para a sua evolução. Por isso é dito que a kuṇḍalini está adormecida no mūlādhāra-cakra. Não pode progredir para além deste ponto, salvo se for impulsionada.

Descubra o seu ponto de evolução

Claro que, quando a śakti desperta repentinamente no mūlādhāra, não pode subir imediatamente. Pode despertar e dormir de novo muitas vezes. Você sabe como os seus filhos são no período da manhã, você tem de acordá-los várias vezes, porque eles voltam a dormir. A kuṇḍalinī comporta-se da mesma forma. Às vezes, ela ascende ao swādhisṭhāna ou ao maṇipūra só para voltar a dormir no mūlādhāra novamente. No entanto, uma vez que a śakti vai além do maṇipūra-cakra, não há como voltar atrás. Estagnação em um cakra só ocorre quando há uma obstrução na suṣumṇā ou em um dos cakras. A kuṇḍalinī pode permanecer em um cakra durante muitos anos, ou mesmo durante toda uma vida.

Às vezes, quando a kuṇḍalinī fica bloqueada em um cakra durante sua trajetória, o aspirante começa a apresentar alguns dos siddhis ou poderes psíquicos associados a esse cakra. Então, ele pode não ter auto-controle e compreensão do fato de que está só no meio do caminho. Nessas circunstâncias, quando se obtém siddhis, fica tentado a exibi-los. Ele pode pensar que está usando-os para o bem da humanidade, mas isso só alimenta o ego em um espesso véu de māyā ou ignorância, dificultando ainda mais o seu progresso.

Se ele está manifestando siddhis, pode assumir que evoluiu para o cakra que está associada com tais siddhis. No entanto, os siddhis geralmente não se manifestam quando a kuṇḍalinī passa por todos os cakras rapidamente, e se assim for, não vão durar por muito tempo. Por alguns dias ele pode ser capaz de ler os pensamentos dos outros, mas depois essa capacidade vai passar. Por alguns dias, ele pode ser capaz de curar as pessoas, mas isto também vai passar. Poderes psíquicos normalmente só demoram quando a kuṇḍalinī fica bloqueada em um dos cakras.

Naturalmente, alguns dos nossos mais baixos cakras podem já estar funcionando sem o nosso conhecimento. Estamos todos em diferentes níveis na escala da evolução e, portanto, pode não ser necessário iniciar o processo do despertar a partir do mūlādhāra. Dizemos que a kuṇḍalinī está no mūlādhāra a fim de explicar todo o conceito, mas devido ao seu progresso nas vidas anteriores, ou o sādhanā que sua mãe ou o pai podem ter feito, você pode ter nascido com sua kuṇḍalinī no maṇipūra. Se for este o caso, a ascensão deve ocorrer a partir de lá. No entanto, como não se lembra da sua vida anterior, de igual modo, você também esqueceu o seu estado da kuṇḍalinī. É por isso que os gurus ensinam que ela está dormindo no mūlādhāra. Pode ser em anāhata, mas os mestres sempre dizem que ela está no mūlādhāra e que as práticas para o despertar da kuṇḍalinī deveriam se iniciar daí. Você pode não ter qualquer experiência de lá. Você pode ir ao swādhisṭhāna e ao maṇipūra e não ter qualquer experiência lá também. Mas no momento em que você vai para o anāhata, de repente começa ter as experiências.

Então, antes de iniciar as práticas de kuṇḍalinī-yoga, o aspirante deve tentar descobrir a altura em que a sua ascensão vai realmente começar. Para isso, o melhor método é se concentrar no mūlādhāra diariamente por quinze a trinta minutos. Em seguida, no swādhisṭhāna por quinze dias, no maṇipūra por quinze dias e assim por diante até o sahasrāra. Em breve o aspirante irá descobrir o seu ponto de evolução.

Algumas pessoas podem achar mais fácil se concentrar no anāhata, de modo que é provável que este seja o seu centro. Outros encontrarão o ājñā-cakra muito poderoso e atraente, enquanto outras pessoas vão achar mais fácil se concentrar no mūlādhāra, enquanto o maior dos cakras parece quase impossível de se localizar. Em última análise, o aspirante será capaz de decidir qual é o seu cakra mais sensível, estando pronto para dar o próximo passo: o despertar.

No entanto, há um ponto importante a acrescentar. Mesmo se um cakra maior tal como o anāhata for despertado por acaso, o aspirante deve tentar despertar os cakras menores também. O objetivo de se despertar a kuṇḍalinī e ascendê-la através de todos os cakras é a de despertá-los em suas partes relacionadas com o cérebro. Portanto, a fim de despertar o cérebro todo, todos os cakras devem ser despertados.

O despertar dos cakras

O despertar dos cakras é um acontecimento muito importante na evolução do homem. Não deve ser mal interpretado por misticismo ou ocultismo, pois com o despertar dos cakras, nossa consciência e nossa mente sofrem alterações. Essas mudanças têm significante relevância e relação com a nossa vida do dia a dia.

O nosso atual estado de espírito não é capaz de lidar com todos os assuntos da vida. Nosso amor e ódio, os nossos relacionamentos com as pessoas, elas são as conseqüências da qualidade da nossa mente presente. E parece que os nossos sofrimentos, as nossas agonias e frustrações não são devido às circunstâncias da vida, mas mais pelas reações da nossa mente. Portanto, o objetivo de despertar os cakras, a suṣumṇā e a kuṇḍalinī deve ser relacionado ao nosso dia-a-dia.

Milhares de pessoas nascem com os cakras e a kuṇḍalinī despertos, e essas pessoas governam praticamente todo o mundo. Não estamos falando que regem países ou decisões; estamos dizendo que eles são pessoas superiores em cada aspecto da vida. Eles são os grandes músicos, artistas, construtores, cientistas, acadêmicos de investigação, os inventores, profetas, estadistas, etc.

Existem muitas crianças que nascem com os cakras e a kuṇḍalinī despertos e, conforme eles crescem, demonstram diferentes manifestações. No entanto, a nossa sociedade materialista considera estas manifestações como anormais e aqueles que as exibem são submetidos à psicanálise e exames de tratamento psicológico.

Não é considerado anormal quando você sofre conflitos pessoais em relação à família, eventos ou trabalhos, mas, quando você expande a sua mente e a sua consciência, você fica muito atento e sensível a tudo o que está acontecendo em sua mente, a sua família, colegas, sociedade e país, não ignorando até mesmo a mais ínfima coisa da vida. Ao cidadão comum, isto não é considerado normal, mas é uma conseqüência natural que se segue ao despertar dos cakras. A consciência torna-se muito receptiva, pois as freqüências da mente se alteram.

A manifestação das qualidades mais elevadas

Cada forma, cada som e cada cor têm certa freqüência. Todos os sons, cores e as formas não têm a mesma freqüência. Da mesma forma, cada pensamento tem uma freqüência, alguns são de baixa freqüência e alguns são de uma freqüência alta. Vamos dar um exemplo de uma idéia de alta freqüência.

Uma vez o grande cientista Isaac Newton estava sentado em um jardim e ele viu uma maçã cair de uma árvore. Podemos ter visto maçãs caírem das árvores, mas isso não nos pareceu estranho, não deu origem a qualquer pensamento. Mas Isaac Newton tinha o que poderíamos chamar de atenção filosófica. Essa foi uma qualidade da sua mente e personalidade e por causa dela, quando uma maçã caiu diante dele, ele descobriu a teoria gravitacional.

Porque você não deve dizer mentiras? Talvez você ache que não há mal nenhum em poder fazer dinheiro, governar uma nação ou reprimir as pessoas. Todo o contingente depende da freqüência da sua consciência. Em uma menor freqüência de consciência você vai dizer que não há nenhum mal em dizer mentiras, mas quando a freqüência é elevada a mente funciona a um nível diferente e você não pode realmente aceitar mais isso. Muitas pessoas dizem: Por que não matar? Logo em seguida, quando se mata um animal nós podemos libertá-lo permitindo que ele ganhe um melhor e mais rápido nascimento. Nossas atitudes e formas de pensar são um resultado da qualidade da nossa mente e de determinada freqüência em que ela está funcionando.

Buda foi caçar com o seu primo Devadatta. Devadatta atirou uma flecha em um pombo e ele caiu, ferido pela seta. Buda sentiu a dor da ave e imediatamente se apressou para remover a seta. Mas Devadatta não sentiu a dor; ao contrário, ficou muito satisfeito porque tinha atingido o seu alvo. A consciência de Buda tinha atingido uma freqüência maior de vibração e, como resultado disso ele era sensível à dor do pássaro e manifestou sua compaixão.

Portanto, a maior das qualidades de um homem, tal como amor, compaixão, caridade, misericórdia etc. é a manifestação de um espírito que é influenciado pelo despertar de seus cakras. Esta é precisamente a razão porque tanta importância é dada ao despertar do anāhata-cakra. Certamente que cada cakra é muito importante e confere certas habilidades, mas você irá notar que todas as escrituras colocam grande ênfase sobre o despertar do anāhata, ājñā e o mūlādhāra. Os yogīs enfatizam que o ājñā e o mūlādhāra e toda a humanidade dá ênfase ao anāhata. Quando o anāhata está desperto temos uma relação sublime com Deus, com os nossos familiares e com cada ser.

Quando os cakras estão despertos a mente muda automaticamente. Os valores da vida também mudam e a qualidade de seu amor e dos seus relacionamentos melhora intensamente, permitindo que você equilibre as decepções e frustrações da vida. Por essa razão, você é capaz de viver um pouco mais elevado e sua atitude em relação a si mesmo e para com esta vida é muito melhor.

Se despertar os cakras pode trazer inquebrantável unidade na sua família, o que mais você precisa? Precisa de uma família feliz ou outro marido ou esposa? Francamente, o homem precisa de uma mente satisfeita e de uma família feliz. Não importa o que ele faz ou o que suas crianças são. Será que realmente importa se há muito pouco para comer? Felicidade e contentamento interior estão acima de tudo. E, tanto quanto nos é dado ver, certo contentamento só pode ser adquirido por um sistemático despertar dos cakras.



Tradução livre de Fernando Liguori

2 comentários:

  1. Obrigada pelo texto.
    Foi muito elucidativo para mim.
    Essa concentração que vc menciona, existe alguma prática que possa ser usada?
    "... Para isso, o melhor método é se concentrar no mūlādhāra diariamente por quinze a trinta minutos. Em seguida, no swādhisṭhāna por quinze dias, no maṇipūra por quinze dias e assim por diante até o sahasrāra. Em breve o aspirante irá descobrir o seu ponto de evolução."

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    1. Jeanine,

      Namoh Narayan.

      Existem inúmeras práticas para cada um dos cakras. Existem técnicas meditativas exclusivas para cada um. No sistema de kundalini-yoga por nós praticado, um sadhana exclusivo para cada cakra é praticado por um período de tempo.

      Hari Om Tat Sat.

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