domingo, 2 de fevereiro de 2014


Swami Satyananda Saraswati

Extratos de um artigo publicado originalmente na revista Yoga Magazine sobre um satsanga realizado em 1996, Munger.

O corpo físico (annamaya-kośa) é um armazém de energia prânica, um dínamo, com tipos diferentes de infinitas correntes elétricas passando por toda parte. Aos olhos comuns, a maioria das pessoas enxerga este corpo como uma combinação de carne, sangue e ossos, mas os yogīs enxergam uma grande força por trás desse corpo físico. O prāṇa do corpo é mais sutil do que o núcleo de um átomo e nós ainda não temos sido capazes de aproveitá-lo. Para a maioria das pessoas o prāṇa significa oxigênio, íons e assim por diante. Mas os experimentos científicos estão chegando mais perto da verdade. Os cientistas estão descobrindo a ligação de energética entre os corpos físico e psíquico. Eles chegaram à conclusão de que a energia prânica é conversível em força material e força material é conversível em energia prânica.

A famosa equação de Einstein: E = mc2 inaugura este avanço científico, propondo que a matéria é energia em estado potencial. Há um pequeno experimento científico que podemos citar para ilustrar isso mais claramente. Se você olhar para um pedaço de osso a olho nu, tudo o que verá será um osso. Mas se você olhar para o mesmo pedaço de osso sob um microscópio, o que verá? Primeiro as moléculas e átomos, em seguida o núcleo do átomo. Em última análise, você descobrirá o comportamento fantástico da energia e seus padrões.

O pedaço de osso que parecia estar morto, não estava realmente morto, só os nossos olhos eram incapazes de detectar a energia dentro dele. O prāṇa não somente representa a vida, mas a existência também. O significado etimológico de prāṇa é a vida em existência. Onde há mobilidade e estabilidade combinada, há prāṇa. Se um objeto é desprovido de prāṇa, ele irá se desintegrar.

Distribuição de energia

Cada fibra do corpo está conectada a esta corrente prânica através de um complexo sistema de canais de energia ou fluxos conhecidos como nāḍīs. As nāḍīs foram pesquisadas e sua função pode ser comparada a um sistema elétrico. A energia é distribuída em nosso corpo físico da mesma forma que o sistema elétrico distribui energia a partir da estação de geração até a sua casa.

O mūlādhāra-cakra é a estação geradora. A partir dele a energia é distribuída por meio de três fios de alta tensão: iḍā, piṅgalā e suṣumṇā-nāḍīs, para os cakras ou subestações elétricas situadas ao longo da coluna vertebral. Dos cakras, a energia é distribuída através das principais nāḍīs para os diferentes órgãos e partes do corpo. Das nāḍīs principais outra distribuição ocorre através de milhares de nāḍīs menores que carregam a energia para cada célula do corpo.

Onde não há eletricidade, não há luz, onde não há energia, não há vida. O que acontece quando há um curto-circuito no sistema elétrico? As luzes se apagam por um minuto ou, por vezes, devido à sobrecarga, a tensão cai muito baixo e todas as luzes diminuem.

Neste corpo físico, o prāṇa-śakti, por vezes, sofre uma série de alterações. Dos diferentes cakras, o prāṇa é distribuído a todos os principais órgãos e partes do corpo. Em alguns estágios, há um excesso de energia e em outros, há uma queda de energia.

Algumas pessoas passam por freqüentes estados de depressão em que sua energia fica tão baixa que tudo parece miserável, nublado e sem perspectivas. Às vezes, embora as nāḍīs principais circulem o prāṇa corretamente, as menores falham na distribuição da energia. Assim o corpo não funciona corretamente. Perturbações, bloqueios ou desequilíbrios nestes canais de energia resultam no que é chamado na linguagem médica de colapso nervoso. Portanto, todas as condições de depressão, síndrome do pânico, desagregação, bloqueio de energia, energia excessiva etc., ocorrem devido às variações da energia prânica.

Abordagem somato-psíquica

Muitas pessoas dizem que todas as doenças são criadas na mente. Isso é correto, mas não no sentido absoluto. A origem da doença não é apenas na mente, é no corpo também. Muitas doenças se originam na mente e viajam para dentro do corpo. Elas são conhecidas como doenças psicossomáticas. Quando as doenças se originam no corpo e viajam para a mente, elas são conhecidas como doenças somato-psíquicas.

Corpo é a base e o prāṇa é a força. Sabemos que o corpo e a mente não podem existir sem o prāṇa. Portanto, no haṭha-yoga, assim como no Tantra, falamos de doença somato-psíquica e quando fornecemos prāṇa para as diferentes partes do corpo, estamos tratando esse tipo de doença.

Algum tempo atrás, eu era da opinião de que toda doença se originava na mente. Eu costumava dizer a todos que sua doença era mental, não física. Mas quando eu vi as pessoas ficando melhores através das técnicas do haṭha-yoga, tais como prāṇāyāma e outras, fui obrigado a mudar a minha maneira de pensar.

O prāṇa é a base da saúde e da doenças. Mesmo uma doença psicológica pode ser tratada através do fornecimento de prāṇa. Portanto, no Yoga a hipótese é que todas as doenças são causadas pela distribuição inadequada de prāṇa no corpo físico. Mesmo aquelas doenças que são consideradas como de natureza psicológica são realmente causadas por um desequilíbrio na distribuição prânica.

Por exemplo, o cakra viśuddhi é uma das principais estações de distribuição prânica. Está situado na junção do pescoço e o prāṇa é distribuído por ele para diferentes partes do corpo como a área das orelhas, olhos, nariz, garganta, tireóide, paratireóide, timo etc. Se houver a distribuição indevida de prāṇa para a tireóide, doenças emocionais ocorrem. Tantos complexos emocionais que estamos sofrendo são causados diretamente pelo hipotireoidismo ou hipertireoidismo, e esta condição resulta da distribuição indevida de prāṇa através do cakra viśuddhi. Assim, um problema emocional decorrente da distribuição indevida de prāṇa no complexo da tireóide deve ser denominado como doença somato-psíquica, e não psico-somática.

Para um segundo exemplo, vamos considerar o cakra maṇipūra, atrás do umbigo. Este é o principal centro de distribuição prânica para o sistema digestivo e glândulas supra-renais. As supra-renais produzem o hormônio adrenalina. Se houver uma distribuição imprópria de prāṇa do cakra maṇipūra para às glândulas supra-renais, você pode sofrer de psicose, medo, colite e outras doenças somáticas.

O terceiro exemplo é muito importante. O swādhisṭhāna-cakra, localizado no cóccix, é a estação de distribuição para todos os outros órgãos genitais, exceto os testículos. Estes incluem o útero, ovários, rins, bexiga e órgão urinário. Agora, se a distribuição inadequada de prāṇa ocorre ou excesso de energia é utilizado por estes órgãos específicos do corpo, você terá problemas neste centro. Às vezes, as pessoas que sofrem de frigidez ou impotência vão ao médico que, imediatamente lhes diz: você tem um problema psicológico, algo de sua infância está lhe afetando. Eu não concordo inteiramente com esta teoria. Nossas experiências de infância têm uma influência sobre nossos padrões de comportamento atuais, mas é preciso lembrar que qualquer tipo de frigidez ou impotência não é um problema psicossomático, mas somato-psíquico.

Transmissão de energia

A ciência do prāṇa-vidyā foi projetada para facilitar a distribuição adequada de prāṇa por todo o corpo. Se houver um excesso de prāṇa em qualquer lugar do sistema, com esta ciência você pode equilibrá-lo. Se há uma doença causada pela falta de prāṇa, em seguida, um excesso de prāṇa de uma outra área é fornecido para a parte afetada do corpo. Isto é feito através da conversão de prāṇa em energia magnética e, em seguida, em um fluxo de energia psíquica. Quando o prāṇa é convertido em energia magnética, também pode ser transmitido para fora do corpo através de seus dedos, um olhar ou um pensamento. Pode ser transportado por uma flor. Também pode ser usado para carregar um objeto como uma mālā, assim como você carrega a bateria do carro através de fios elétricos.

A transmissão de prāṇa é um fato natural que ocorre o tempo todo, consciente e inconscientemente. Os cientistas viram que a energia do corpo humano flui para fora e para dentro. Vibrações ou cargas de energia estão constantemente sendo emitidas pelo corpo físico. Algumas pessoas irradiam longas e fortes vibrações prânicas, enquanto outras irradiam vibrações curtas e débeis. A fotografia Kirlian comprovou essa hipótese da energia prânica.

O prāṇa é muito sutil e só pode ser sentido pelo corpo psíquico. Pessoas sensíveis podem sentir e aqueles que são curadores por natureza nascem com essa faculdade, com seu prāṇamaya-kośa se manifestando predominantemente. Embora eles não tenham aprendido esta ciência de qualquer guru ou livro, pessoas assim são capazes de curar os doentes. Muitas vezes, eles mesmos ficam surpresos com os seus próprios poderes, se perguntando de onde eles vieram e como funcionam.

Claro, a maioria das pessoas não são curadores de nascença, mas muitos são capazes de desenvolver esse potencial em certo grau com a prática do prāṇa-vidyā. Esta técnica não só abre a consciência para a vasta quantidade de energia dentro do corpo, mas também ensina como manipulá-la conscientemente para a melhoria da saúde individual e coletiva.

Gerando e distribuindo prāṇa

Na prática do prāṇa-vidyā, o canal utilizado para elevar a quantidade de prāṇa é piṅgalā-nāḍī, que na ciência moderna pode ser correlacionada com o sistema nervoso simpático. Ela emana do cakra mūlādhāra na base da coluna vertebral. Se curva à direita e à esquerda, atravessando todos os cakras principais. Finalmente, ela termina no ājñā-cakra, onde a energia é coletada e armazenada para sua distribuição. Para praticar o prāṇa-vidyā é preciso ter uma boa compreensão e conhecimento da piṅgalā-nāḍī.

Antes de iniciar a prática, se houver um bloqueio de energia em qualquer lugar do corpo, este deve ser removido primeiro por āsanas. A série śakti-bandha é particularmente importante para limpar os bloqueios de energia no corpo.

Em seguida, você deve se proficiente em ujjāyī-prāṇāyāma e se familiarizar com todos os cakras. A maioria dos cakras são relativamente fáceis de localizar porque estão associados a pontos que podemos sentir diretamente: mūlādhāra no períneo, swādhisṭhāna no cóccix, maṇipūra atrás do umbigo, anāhata atrás do esterno e o viśuddhi atrás do junção da garganta. O ājñā é o mais difícil de localizar. Está situado na glândula pineal, no topo da medula espinhal no bulbo. Se você pesquisar um livro sobre anatomia, verá onde ele está, mas se tentar localizá-lo mentalmente, não será capaz de encontrá-lo. Portanto, temos uma prática muito simples para isso.

Feche os olhos e concentre-se no centro entre a sobrancelha. Se você é capaz de visualizar um ponto, o bindu, ou uma estrela neste local, então pode ir a próxima fase da prática. Se não é capaz de visualizar qualquer coisa, aplique um pouco de bálsamo no centro da sobrancelha. Em poucos segundos, você sentirá algumas sensações lá que vão ajudá-lo a localizar o bindu ou a estrela.

Quando você for capaz de visualizar o bindu, movimente-o para trás em direção ao ājñā e novamente movimente-o para frente em direção ao centro entre as sobrancelhas com o auxílio de ujjāyī-prāṇāyāma.

Quando esta prática estiver estabelecida e você for capaz de localizar todos os cakras, deve desenvolver então uma imagem mental clara da piṅgalā-nāḍī. Lembre-se que a piṅgalā não vai em linha ereta até o ājñā. Ela se move em curvas absolutamente simétricas. A partir do mūlādhāra, piṅgalā se curva a direita e cruza o swādhisṭhāna. Então ela se curva para a esquerda e cruza o maṇipūra, para a direita e cruza o anāhata, para a esquerda e cruza o viśuddhi. Finalmente, ela se curva a direita e termina no ājñā-cakra. O caminho é mais fácil de lembrar se você tiver em mente que a primeira e última curva são sempre para a direita.

O principal objetivo do prāṇa-vidyā é a manipulação consciente do prāṇa. Embora essa prática seja referida nas upaniṣads como um dos muitos vidyās (práticas meditativas), sua origem é tântrica. É uma das principais práticas do Tantra e do kuṇḍalinī-yoga porque envolve o despertar da energia. O Tantra é a ciência ou o sistema que se baseia no aspecto da Śakti, o princípio de energia. No Tantra é dito que a fim de se expandir a consciência, primeiro deve se despertar a energia para iluminar a consciência (Śiva).

Uma poderosa ferramenta psíquica

O prāṇa-vidyā é uma poderosa ferramenta psíquica que desperta o prāṇa e nos capacita a manipulá-lo conscientemente. Embora tradicionalmente o objetivo final do prāṇa-vidyā seja a expansão da consciência, que inevitavelmente leva a estados meditativos profundos e a perfeita união (yoga), o despertar dos prāṇas é um importante subproduto que induz uma poderosa atividade de cura no corpo. É este subproduto que nos interessa no tratamento de muitas doenças somato-psíquicas.

O prāṇa-vidyā consiste de um número de estágios no qual a consciência e o controle dos prāṇas no corpo são progressivamente desenvolvidos. O primeiro passo é tornar-se consciente da presença do prāṇa no corpo. O próximo estágio é tornar-se capaz de purificar e voluntariamente movimentar os prāṇas no corpo. O próximo estágio consiste em despertar as forças prânicas adormecidas. Todos estes estágios utilizam a combinação de prāṇāyāmas, mudrās, bandhas e seqüências de visualizações.

Tradicionalmente, o prāṇa-vidyā sempre foi considerado uma prática para adeptos avançados e era transmitida somente a poucos escolhidos. Contudo, as práticas de prāṇa-vidyā são extremamente benéficas para revitalização dos níveis prânicos no organismo. Portanto, a fim de que muitos doentes pudessem se beneficiar desta ferramenta de cura, a técnica tem sido ensinada por alguns mestres que a dominam. Mas para isso, é essencial que as preparações para prática sejam aperfeiçoadas para que somente os benefícios possam ser colhidos, sem o equívoco dos malefícios proporcionados por uma prática incorreta. Assim, o prāṇa-vidyā deve ser aprendido sob a tutela de um professor experiente no assunto.

Neste módulo, todas as práticas são técnicas de prāṇa-vidyā, pois essa é a ciência do domínio ou manejo bem-sucedido do prāṇa. É uma ferramenta extraordinário para cura e um veículo para o despertar seguro da kuṇḍalinī-śakti.

Tradução livre de Fernando Liguori.


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