terça-feira, 11 de fevereiro de 2014



Fernando Liguori


Tem havido muita especulação nos tempos recentes acerca daquilo que popularmente ganhou notoriedade em alguns círculos, a «terapia tântrica». Para a cultura do Tantra isso não existe! Para o Tantra não existe terapia tântrica ou terapeuta tântrico. Tal prática nasceu no Séc. XX, aqui no Ocidente, dentro de uma modalidade também ocidental conhecida como «neotantrismo». Isso precisa ficar claro.

O Tantra, como cultura, tradição, não oferece workshops ou «cursos» de formação de terapeutas. Aquele que afirma o contrário está enganando ou sendo enganado! O Ocidente está inundado de escolas e subescolas neotântricas que vão de práticas hedonistas a uma terapia de duvidoso resultado.

O Tantra como cultura, tradição, oferece um estilo de vida, uma prática espiritual que abrange todos os aspectos da vida humana. Essa prática, alinhada a kripā do Guru, expande a mente e libera um potencial de energia conhecida como kuṇḍalinī. Podemos entender isso da seguinte maneira: a mente que utilizamos no dia-a-dia para percepção e cognição ordinária atua estritamente através dos sentidos. Se pudermos introverter estes sentidos unidirecionando a mente ao interior, ela manifesta a si mesma como a experiência interna de seu conteúdo expandido. Assim a matéria se separa da energia, liberando a Śakti que se une com Śiva, a Consciência, criando uma consciência alerta homogenia.

A liberação deste potencial de energia é um processo de cura interior. Dando ênfase nesse aspecto da prática, a terapia, o Tantra e a Āyurveda compartilham um método terapêutico cuja ênfase está no despertar da kuṇḍalinī e seu percurso através dos cakras. Isso nós chamamos de kuṇḍalinī-terapia.[1]

Para alcançar saúde total, podemos tocar nesta energia através de āsanas, pāṇāyāmas, mudrās e bandhas que estimulam certas glândulas endócrinas. Estas, por sua vez, liberam a energia dos cakras e reequilibram o sistema nervoso, afetando todos os órgãos do corpo. Quando estimulamos o mūlādhāra-cakra, a energia sobe pela medula espinhal e entra no complexo cérebro-mente. Mas este não é o despertar da kuṇḍalinī, é apenas uma gota da seiva da vida que doa energia ao corpo, removendo e prevenindo a doença. Ao mesmo tempo o corpo está se preparando para receber o enorme influxo de energia que irá subir pela coluna quando a kuṇḍalinī despertar.

Kuṇḍalinī-terapia é uma forma de lidar com a vida, ao invés de evitá-la. Ela lhe dará a força necessária para enfrentar todos os problemas com serenidade. Mesmo que o objetivo final de consciência transcendental ainda esteja longe, na medida em que seguir este caminho, irá se tornar mais saudável e mais forte. A vida tomará um novo significado e você terá mais energia a cada novo dia.

A relação entre as glândulas endócrinas e os cakras

As glândulas endócrinas fabricam certos compostos químicos chamados de hormônios que regulam todas as funções do corpo. O corpo e a personalidade são dependentes do bom funcionamento das glândulas endócrinas para a manutenção da boa saúde. Por exemplo, uma secreção excedente de tiroxina nos faz irritados, tensos, muito emocionados e anciosos. Pensamentos se intensificam e nosso metabolismo se acelera. Esta é a imagem oposta de uma baixa taxa de secreção. Para alcançar uma saúde perfeita, cada glândula deve trabalhar de forma eficiente e em harmonia com as outras glândulas. Juntas, elas formam um eixo controlado pela glândula mestre no cérebro, a pituitária.

As principais glândulas endócrinas formam a base da kuṇḍalinī-terapia. Elas estão intimamente ligadas com os cakras: gônadas (swādhisṭhāna), supra-renais (maṇipūra), timo (anāhata), tireóide (viśuddhi), pineal (ājñā) e hipófise (sahasrāra). O mūlādhāra-cakra não tem uma glândula endócrina equivalente. No entanto, ele é associado ao corpo perineal, uma glândula vestigial que perdeu a sua função no homem e deve ser reativada para que ele possa despertar a kuṇḍalinī adormecida. Isto se consegue através das práticas do Yoga.

Em um nível mais sutil, as glândulas são canais que permitem que a energia prânica entre no corpo através dos cakras. De acordo com William A. Tiller, Ph.D. e Professor de Ciências de Materiais da Universidade de Stanford, os pares sistema endócrino e cakras são transdutores que permitem que a energia entre no corpo. Quando há equilíbrio entre os dois sistemas, a energia aproveitada é coerente e sincronizada. No entanto, se os cakras ou as glândulas estão ainda um pouco fora de equilíbrio, essa energia é dissipada ao invés de utilizada totalmente, causando uma desfunção dos órgãos do corpo, o que altera o sistema como um todo.

Os cakras podem ser visualizados como vibrantes vórtices giratórios de energia, mas na maioria das pessoas, eles não estão girando e nem estão alinhados. O objetivo da kuṇḍalinī-terapia é, portanto, operar em dois níveis. No nível psíquico ela abre os cakras para que mais energia possa ser transmitida através deles. No nível físico ela reequilibra as glândulas endócrinas para que esta energia possa ser recebida e devidamente direcionada para a promoção da saúde e vitalidade de todo o complexo corpo-mente.

Com o despertar da kuṇḍalinī, novos hormônios são liberados pela hipófise e o equilíbrio dos cakras e glândulas endócrinas se aproxima da perfeição. Assim, todas as funções do corpo são ordenadas e resultados é a saúde integral.

O sistema nervoso central

O cérebro, que controla todo o sistema nervoso, é o correlato físico do sahasrāra, o cakra mais elevado. Ele é o controlador de todos os outros centros do complexo corpo-mente. Para alcançar a saúde integral é importante que todos os circuitos do cérebro sejam integrados, ordenados e harmonizados. Dentro do cérebro estão todas as potências e faculdades da consciência mais elevada esperando para serem ligadas no momento certo.

O cérebro é como uma flor e a medula espinhal seu talo. Quando a energia ascende por dentro da medula espinhal desde o mūlādhāra, levanta-se como uma faísca, atravessando os vários cakras. Eventualmente, ela chega ao cérebro e lá abre muitos centros adormecidos, ampliando a nossa consciência. A finalidade da kuṇḍalinī-terapia é trazer as faculdades inconscientes do cérebro inferior para consciência, assim como o lótus desdobra suas pétalas. Isto irá aumentar o seu potencial para a vida e lhe dará controle sobre as funções corporais e as circunstâncias do dia-a-dia.

O sistema nervoso central é o controlador mestre do corpo, em uma fração de segundos ele responde as reações e necessidades internas e externas do organismo. O sistema endócrino é muito mais lento, sendo destinado a regular o metabolismo do corpo e outras funções durante um período de minutos e dias. Os sistemas endócrino e nervoso estão ligados e ambos se conectam aos cakras para um controle mais completo de todo o sistema. Um aumento de prāṇa no corpo ajuda a reequilibrar a interação neuro-endócrina que, por sua vez, estimula os órgãos do corpo a funcionar mais eficientemente. Este é um processo delicado e exige o toque do mestre.

Tenha em mente que a kuṇḍalinī não é apenas energia no sistema nervoso; ela é a soma total da energia cósmica. Esta energia é transmitida através do sistema nervoso. Assim você pode imaginar o quão forte precisa estar para lidar com essa força. O despertar da kuṇḍalinī é como estar sentado em cima da explosão de uma bomba atômica.

O terceiro olho

O ājñā-cakra está situado no centro da sobrancelha. Seu correlato físico é a glândula pineal. Quando este cakra começa a funcionar, através de práticas como mūla-bandha, śāmbhavī-mudrā, meditação e assim por diante, visões internas acontecem. Esta é a abertura do terceiro olho, o olho da intuição. Eventualmente, quando o ājñā é aberto completamente, você recebe visões do cakra em si mesmo como um círculo com o símbolo auṃ no centro e duas pétalas de cor fumaça-acinzentada de cada lado. Para que as duas pétalas apareçam, os dois lados do cérebro devem estar funcionando e cooperando um com o outro em um relacionamento ideal. O símbolo aparece quando o cérebro e a mente estão integrados, bem como o sistema nervoso e as funções corporais estão equilibrados.

Dentro de cada lado do cérebro existe uma cavidade preenchida por um líquido. Essa cavidade é chamada de ventrículo. Quando o cérebro é visto de frente, esses ventrículos se parecem com as duas pétalas do ājñā-cakra. Seu fluido é de uma cor esfumaçada. A glândula pineal está no centro da cabeça e é representada pelo círculo central do cakra.

É assim que o ājñā-cakra, o receptor da intuição e as instruções da mais elevada consciência, se manifesta no nível físico. As duas pétalas são os ventrículos contendo o líquido cefalorraquidiano e o auṃ no centro é a glândula pineal. Quando abrimos o nosso terceiro olho através do kuṇḍalinī-yoga, começamos a perceber as coisas em um nível psíquico. Por conta dos planos psíquico e físico estarem intimamente relacionados, a forma mental é um reflexo da matéria física.

Através das práticas do Yoga você pode despertar o terceiro olho, afetando assim o correcto funcionamento e integração do complexo hipófise-pineal no cérebro. Quando isso ocorre, todo o complexo mente-corpo se torna mais saudável, pois você passa a controlar conscientemente o sistema nervoso e secreções hormonais.

Viajando através do décimo portal

Durante a última fase do despertar da kuṇḍalinī, o aspirante vai do ājñā ao sahasrāra, logo acima da cabeça. Esta é a fase mais difícil do Yoga e exige a orientação de um guru para que a jornada ocorra com sucesso através do labirinto. O aspirante deve viajar a partir da glândula pineal através do labirinto de quinze bilhões de neurônios para ter acesso ao sulco central, o espaço entre os dois lados do cérebro. Em seguida, ele viaja através do fluido no sulco e perfura o topo do crânio para atingir o sahasrāra. Algumas escolas de Yoga afirmam que o crânio, na verdade, se abre e quando isso ocorre, o yogī pode deixar seu corpo a qualquer momento que desejar. Ele não é mais dependente do corpo físico e órgãos dos sentidos para manter a consciência.

Técnicas

Todas as técnicas do Yoga fazem parte da kuṇḍalinī-terapia, o caminho para uma saúde perfeita, desde o mais simples āsana. Algumas técnicas, no entanto, são mais diretas do que outras.

Āsanas como padmāsana e siddhāsana criam circuitos magnéticos que se concentram mais especificamente na coluna vertebral. Āsanas e prāṇāyāmas removem obstruções ao fluxo da consciência através das nāḍīs.

Bandhas como jālaṃdhara-bandha (trava da garganta), uḍḍīyāna-bandha (trava do umbigo) e mūla-bandha (trava do períneo) são métodos poderosos para estimular as glândulas endócrinas e os cakras. Eles liberam grandes quantidades de energia.

Mudrās, gestos ou símbolos arquetípicos com significados profundos, são métodos para controlar o fluxo de energia. Através das mudrās podemos controlar a quantidade de energia que entra no corpo e nos tornar mais conscientes das energias internas como prāṇas e vāyus.

Āsanas, prāṇāyāmas, mudrās e bandhas foram integrados em um sistema chamado kriyā-yoga. Este poderoso método aumenta e direciona o fluxo prânico da consciência para os centros psíquicos do corpo e desperta-os de seu estado dormente.

As técnicas acima só devem ser praticadas sob a orientação de um mestre ou professor qualificado que está ciente dos perigos que esperam muitos incautos, na grande maioria das vezes impacientes ou não qualificados. O mestre sabe que órgãos devem receber mais influxo de prāṇa a fim de equilibrar a personalidade como um todo. Em seguida, as faculdades psíquicas, espirituais e ocultas começam a se manifestar espontaneamente e melhorar nossas vidas.


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