sexta-feira, 14 de março de 2014



Fernando Liguori


Instruções dadas aos alunos do Curso de Aprofundamento em Yoga & Āyurveda, ministrado pelo Instituto Kaula, 2012.


O objetivo principal de nosso curso é ajudá-lo a executar uma prática de Yoga segura que esteja em conformidade com sua natureza. Nessa seção, vamos introduzi-lo nas práticas principais que compõem um sādhanā. Trataremos de ṣaṭ-karmāṇi, āsana, prāṇāyāma, mudrā, bandha, kuṇḍalinī-kriyā e outras técnicas meditativas como mantra-japa, ajapa-japa, trāṭaka, cidākāśa-dhāraṇā, antar-mouna, yoga-nidrā, bem como cakra-sādhanā, uma série de práticas específicas para purificação dos cakras e das nāḍīs. A cada lição trataremos da prática e teoria e na medida em que avançarmos em nossos estudos, você poderá construir seu sādhanā sem maiores impedimentos.

Como este curso tem uma orientação terapêutica, tente ver a sua prática como um remédio controlado que você tem de tomar diariamente, uma necessidade de cura física, mental e espiritual. Como falamos anteriormente, o maior auxílio que o Yoga pode proporcionar é através do estilo de vida que ele ensina, é através da prática de sua filosofia no dia-a-dia. Se você tiver um sentimento de sacralidade com relação a sua prática de Yoga, notará que seu desejo por estar ao lado dela é sempre renovado. Se você estiver consciente da capacidade de cura que a prática do Yoga pode proporcionar a sua consciência, fará dela sua melhor amiga, uma ferramenta de trabalho leal que irá lhe acompanhar em todos os momentos de sua história de amor com a Śakti interior (svaśakti).

A tradição ensina que o melhor horário para o sādhanā é de 4:00 às 6:00 a.m. Este horário conhecido pelo nome brahmamuhurta, é considerado o período ideal para execução de práticas espirituais, pois permite a consciência atuar sem maiores impedimentos nas camadas mais profundas da mente.1 No entanto, a prática pode ser executada a qualquer momento. Antes de se deitar, à noite, é um excelente horário para prática meditativa. O corpo está mais propenso ao relaxamento, pois esgotou muito de sua força despendendo energia nas atividades diárias.

Os āsanas, prāṇāyāmas, ṣaṭ-karmāṇis, mudrās, bandhas etc. abordados neste curso são técnicas tradicionais do haṭha-yoga, conforme transmitidas pelos haṭha-śāstras clássicos: a Haṭhapradīpikā de Svātmārāma Yogīndra e um de seus comentários mais famosos, a Jyotsnā de Brahmānanda; a Gheraṇḍasaṃhitā, uma coleção de ensinamentos do sábio Gheraṇḍa a seu discípulo, Caṇḍakāpāli; a Śivasaṃhitā, uma escritura atribuída ao próprio Senhor Śiva e o Siddhasiddhāntapaddhatiḥ, escritura atribuída ao formulador do haṭha-yoga, Gorakṣanātha, considerado por muitos adeptos como uma encarnação do Senhor Śiva; e outras escrituras importantes como a Gorakṣaśataka, a Yoga-cudamāṇi-upaniṣad e a Ṣaṭ-cakra-nirūpaṇa. As práticas com os cakras, que vão desde a execução do āsana a realização de técnicas avançadas de visualização e meditação são ensinamentos tradicionais do kuṇḍalinī-yoga. Como a meditação é parte essencial do sādhanā, nos preocupamos em preparar um leque de práticas meditativas que levam aos estados de pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna e samādhi, conforme estabelecidos por Patañjali no Yogasūtra.

A prática que propomos recebe o nome de sapta-sādhanā (prática espiritual de sete etapas) ou saptāṅga-yoga (Yoga de Sete Membros). Cada etapa do sādhanā é um pré-requisito para execução de técnicas mais avançadas. O sapta-sādhanā divide-se em:

1.    Ṣaṭ-karmāṇi
2.    Āsana
3.    Prāṇāyāma
4.    Pratyāhāra
5.    Dhāraṇā
6.    Dhyāna
7.    Samādhi

Estes sete passos são seguidos na execução do sādhanā. Sua estrutura é bem precisa e sistemática. Portanto, há um consenso entre os gurus de que a seqüência de prática seja acurada. Primeiro vem à purificação física, dividida em três práticas. A primeira técnica de limpeza é neti, a limpeza nasal, que purifica a região da cabeça. A segunda prática de limpeza é dhauti, que envolve a região da garganta até o estômago. A terceira prática é uma técnica de limpeza excretória conhecida como basti ou enema yogī, que envolve o intestino grosso e delgado.

Estas três práticas são físicas em natureza. O objetivo é eliminar as toxinas e demais impurezas acumuladas no organismo devido a maus hábitos tanto na alimentação quanto no estilo de vida. Uma vez que as toxinas tenham sido eliminadas, o corpo experimenta um estado de purificação que ajuda no equilíbrio tão necessário aos órgãos internos e externos. Os textos yogīs atestam que a doença experimentada é causada pelo desequilíbrio e má utilização da energia vital. Com o objetivo de suprimir esta condição de desequilíbrio, estas três técnicas preliminares são prescritas como primeiro passo na execução do sādhanā.

O haṭha-yoga clássico apresenta seis técnicas de purificação denominadas ṣaṭ-karmāṇi. No processo de construção de nosso sādhanā vamos executar algumas destas práticas de purificação.

O segundo passo é a execução das posturas. Os āsanas removem doenças porque reequilibram e regulam os prāṇas, nāḍīs e cakras. Muitas doenças surgem devido ao desequilíbrio na infra-estrutura prânica que supre o sistema nervoso, glandular e todos os outros sistemas corporais e seus órgãos correlatos. Cada āsana está designado a remover determinados bloqueios prânicos das nāḍīs, permitindo que a energia vital perpasse todo organismo de forma regular e contínua. Os āsanas também estimulam e regulam os cakras, reequilibrando a energia dos prāṇas e nāḍīs nestas áreas. Portanto, a prática regular de āsanas harmoniza e regula os campos de energia no corpo, cujo resultado é a remoção de todas as doenças.

O terceiro passo é a execução do prāṇāyāma. A respiração é o meio através do qual adquirimos consciência do movimento prânico, ou seja, a expansão e o relaxamento do prāṇa. Por ser muito difícil se aprofundar na experiência do movimento do prāṇa, inicialmente é necessário utilizar a respiração a fim de se internalizar as faculdades sensoriais. A prática do prāṇāyāma realmente começa quando a consciência prânica envolveu todos os aspectos da mente. São três os aspectos do prāṇāyāma: 1. consciência do prāṇa; 2. prāṇa-nigraha e; 3. Expansão do prāṇa. Isso ficará claro no decorrer de nossos encontros.

A Yoga-cudamāṇi-upaniṣad associa o prāṇāyāma a remoção dos pecados: prāṇāyāma se torna o fogo para o combustível do pecado (verso 108). O maior obstáculo no despertar espiritual são os bloqueios gerados pelo karma e os saṃskāras armazenados no mais profundo substrato da consciência. O que estes versos (108 e 109) querem dizer é que prāṇāyāma se torna o fogo para o combustível dos pecados, queimando-os, junto com seus karmas. A retenção respiratória (kumbhaka), é um requisito importante para o despertar da kuṇḍalinī, pois ela aumenta a quantidade de prāṇa no organismo e intensifica a concentração. Neste caminho, a kuṇḍalinī-śakti é rapidamente desperta de sua morada no mūlādhāra-cakra e ascende através da suṣumṇā-nāḍī. Portanto, quando prāṇāyāma é praticado para despertar a kuṇḍalinī, ele leva ao estado meditativo e samādhi, onde todos os karmas são finalmente queimados.

Os karmas são cordas invisíveis que aprisionam nossas almas ao mundo. Nunca estaremos livres das tendências ordinárias mundanas enquanto os karmas permanecem ativos em nosso interior. Prāṇāyāma é um método de desativar ou queimar os karmas. Portanto, ele sempre foi considerado pelos yogīs como a grande ponte que cruza o oceano do saṃsāra.

As impurezas da mente (vikāra) são inerentes a todos os pensamentos, memórias, idéias, desejos e aversões. Elas continuam surgindo e se associando aos objetos e relacionamentos mundanos, ao invés de nos direcionarem ao ātman. Vikāra também pode ser compreendido como impressões mentais dos karmas ou impressões subliminares. Essas impurezas mentais não podem ser removidas até que possam ser reconhecidas pelo que elas são. Isso requer um aprofundamento meditativo, pois vikāra é um processo sutil e prolífico. Ele cria e recria a si mesmo na mente na medida em que se associa com cada experiência na vida.

Quarto passo: não é possível reconhecer e identificar as impurezas da mente enquanto os sentidos estão externalizados, criando mais associações e impressões. Portanto, é imperativo impedir esse processo retraindo os sentidos e a mente (pratyāhāra) dos objetos externos e internalizando a consciência nas dimensões mais profundas da mente. Assim, a energia mental que normalmente é dissipada pela mente e os sentidos no mundo exterior pode ser redirecionada para o interior na medida em que observamos conscientemente os pensamentos e impressões surgindo dentro da mente, dos rincões mais profundos e inacessíveis. Dessa maneira, a consciência é treinada a funcionar atentivamente dentro da mente, como se estivesse do lado de fora.

A consciência deve ser treinada para perceber o campo mental e todos os construtos pensamento que surgem nele. Na medida em que a mente aprende a reconhecer as diferentes impressões (vikāra), sem se associar ou se identificar com elas, o processo de limpeza mental se inicia. Este é um processo lento e metódico conhecido como citta-śuddhi (purificação mental). Gradativamente, a consciência observa e descarta cada construto pensamento e impressões que surgem até que a mente esteja vazia e quieta. Essa é a maneira pela qual os yogīs removem as impurezas mentais pela prática de pratyāhāra.

O quinto passo é dhāraṇā, a concentração unidirecionada. Este estado da meditação não pode ser experienciado pela mente dissipada e fragmentada. Portanto, dhāraṇā vem após a proficiência em pratyāhāra. As impurezas mentais que causam distúrbios na mente devem ser removidas para que ela se torne calma, tranqüila e estável. Então a concentração unidirecionada pode ser praticada por meio da estabilidade mental adquirida. Existem muitos estágios de dhāraṇā antes que a concentração seja aperfeiçoada. Primeiro a consciência flutua ou oscila enquanto se concentra em um objeto de meditação. Gradualmente, os períodos entre as oscilações se tornam mais longos e a consciência flutua cada vez menos.

Neste caminho, a mente se torna capaz de sustentar a concentração em um objeto por um prolongado período de tempo. Durante estes períodos de concentração, que são livres das flutuações e oscilações, a estabilidade da mente ocorre e a consciência se torna mais poderosa. Na medida em que a mente se livra das associações físicas e mundanas, ela passa por certas mudanças que provocam seu refinamento. Com o desenvolvimento da concentração, a consciência gradualmente se integra com o objeto de meditação. Este estágio de perfeita concentração, onde a consciência do objeto de meditação permanece constante e ininterrupta, é conhecido como dhyāna, o sexto passo do sapta-sādhanā. Portanto, perfeição em dhāraṇā culmina em dhyāna.

Quando há perfeição na concentração, a meditação ocorre espontaneamente, em um progresso contínuo. Isso culmina no samādhi, um estado maravilhoso e luminoso de consciência que se revela. No samādhi existem vários estágios onde os vestígios ou traços das últimas associações mentais são removidos. Finalmente, no mais elevado estado de samādhi, a consciência voa livre de todas as associações individuais e experimenta a si mesma em sua própria glória, una com o Ser ou ātman. Neste estado transcendental, o yogī se encontra livre de todos os karmas, bons ou ruins. Os karmas acorrentam a alma no corpo e são a causa dos incontáveis nascimentos e mortes. Em samādhi a escravidão causada pelo karma é removida e a liberação é conquistada.

Alguns pontos antes de concluirmos este capítulo:

·         Sempre inicie e finalize o sādhanā com mantras de abertura e fechamento. Estes podem estar alinhados com a tradição espiritual que você está inserido, podem ser dedicados ao seu guru, a Mãe Divina sob qualquer uma de suas formas ou ao próprio Senhor Śiva, notadamente o Pai do Yoga, como dizem as escrituras.
·         As técnicas orientadas neste módulo são suficientes para uma introdução a prática do Yoga. Não subestime a mais simples das práticas. Até mesmo as posturas de flexibilidade retiradas as série pawanmuktāsana têm um efeito poderoso sobre todo o sistema físico, energético e mental, equilibrando-o, retirando bloqueios, relaxando e o fortalecendo.
·         Em uma sessão de Yoga, nós geralmente praticamos nessa ordem: ṣaṭ-karmāṇi, āsana, prāṇāyāma, mudrās e bandhas. Em seguida escolhemos algum mantra que possamos entoar antes da meditação final. O mantra deve ser escolhido e praticado por algum tempo para que energize a psique. Muitas pessoas têm dúvidas quanto às posturas a serem praticadas, principalmente professores, por incrível que pareça. Isso porque eles têm de lidar com muitos alunos. Como este curso tem a natureza terapêutica, as posturas deverão ser escolhidas em concordância com o tipo constitutivo, seguindo este esquema:

Grupos posturais
Ações da coluna vertebral
Posturas possíveis do corpo
a)    Equilíbrio
b)    estabilização articular
c)    flexibilidade articular
d)    fortalecimento muscular
e)    alongamento muscular
f)     repouso
a)    extensão axial (tração)
b)    lateralidade
c)    torção
d)    flexão
e)    extensão
a)    posturas em pé
b)    posturas sentadas
c)    posturas deitadas
d)    posturas de inversão


·         As técnicas foram separadas por capítulos a partir de agora. Eles seguem a ordem de seqüência apresentada, segundo a execução do sādhanā. Embora as meditações sejam o último tópico, lembre-se que a meditação começa desde a primeira técnica, pois se exige concentração total desde o início da prática.

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