terça-feira, 29 de abril de 2014



Fernando Liguori


O ser humano não é composto somente do corpo físico, mas um conjunto de três corpos que constituem vários níveis de densidade, dos elementos mais grosseiros as camadas mais sutis da mente. Por trás destes corpos existe nosso verdadeiro Ser que está além de toda manifestação física ou mental. Os três corpos, portanto, não são corpos em um sentido ordinário, mas diferentes tipos de encaixes psíquicos para incorporação ou manifestação da alma.

Quando o Yoga e a Āyurveda vêem o ser humano e suas necessidades, sua visão abrange essa totalidade manifesta dentro do conjunto destes três corpos, não meramente o corpo físico que, em si, é apenas uma constituição de carne e ossos. A visão do Yoga e Āyurveda também não se confina ao Ser ou Consciência Pura além de todas as incorporações, pois este não está sujeito ao sofrimento ou a ignorância e, portanto, não precisa de ajuda nenhuma.1 Yoga e Āyurveda buscam desvendar os mistérios dos corpos sutil e causal que servem como ponte para o Ser mais elevado. Sem o desenvolvimento destas vestimentas internas, não é possível buscar a divindade dentro de cada um de nós ou encontrar a real totalidade de nossa manifestação.

Neste capítulo e no próximo nós vamos discutir os três corpos e seus cinco invólucros (kośas) correspondentes. Esta ciência yogī e ayurvédica dos três corpos e dos cinco invólucros é de importância fundamental para nós neste curso, pois nosso objetivo é resgatar o sistema integral do Yoga e Āyurveda, não apenas para compreendermos estes grandes sistemas e sua relação em todos os níveis, mas para entender nossa verdadeira natureza e relação com o universo.

1. Corpo causal: a esfera magnética da alma

O termo alma se refere à identidade mais profunda, a qual diferentes pensadores definiram de maneira variada. Em um sentido védico, a alma é a entidade reincarnante por trás dos véus do corpo e da mente que perduram por inúmeros nascimentos. Em sânscrito esta alma é conhecida pelo nome de jīva que significa poder de vida ou jīvātman (jīva-ātman) que significa Ser individual ou alma encarnada, contrastada com paramātman, o Ser Supremo ou Deus além de toda manifestação.

A alma ou jīva é a unidade básica ou mônada da criação. É a entidade última indivisível ou átomo, a pedra filosofal por trás de toda matéria no universo, grosseiro ou sutil. Toda criação ergue-se a partir da alma que é a causa-poder por trás da manifestação cósmica. Nossa própria alma é o poder divino criativo e nossas várias encarnações são sua brincadeira criativa, seus sonhos ou meditações. A alma é a flama divina ou a chispa que desce até a matéria a fim de dar forma aos mundos, criar estruturas e promover a vida. Ela contém o conhecimento de todas as nossas encarnações, permanecendo em contato permanente com o divino transcendente, trabalhando como um servo para revelar a Vontade Divina.

A alma não é limitada meramente aos seres humanos. Ela existe em toda natureza. Não somente os animais, mas plantas também têm alma. A alma está oculta até mesma nas rochas. Contudo, a alma não se encontra individualizada em todas as criaturas. Nas formas menos evoluídas, a alma sustenta sua existência de longe. A alma também existe nas formas mais avançadas que se encontram além dos níveis normais de consciência da humanidade como um todo, como p.e. nos deuses, sábios videntes (ṛṣīs) e anjos. Ela também existe nas criaturas das trevas como os anti-deuses (asuras), mas formas de vida negativas nem sempre possuem uma alma e podem ser simples projeções de nossa imaginação.

A alma dirige todas as atividades no universo como a inteligência natural responsável pela maravilhosa ordem da criação. Ela atua por trás das forças da terra, atmosfera, céu e estrelas. A força da alma universal opera através dos elementos e sustenta as leis da natureza. Na Terra a alma sustenta toda vida do planeta. As almas atmosféricas, solares e planetárias trabalham como espíritos-guias ou devatas por trás de tudo o que ocorre no mundo. A alma em si é como o sol, fonte de luz. Cada um de nós possui um sol secreto em nosso coração como a força da alma atuando no universo.

A alma é primariamente uma força de vontade e motivação, procurando fazer ou se tornar o reflexo do poder criativo universal. Através da alma surgem vários desejos e aspirações que dirigem nosso karma. Como força de vontade, a alma possui uma energia magnética que atrai tudo aquilo que verdadeiramente aspiramos em nosso coração. Este magnetismo da alma mantém unidas as diferentes partes de nosso ser mantendo-as conectadas. Ela gera a energia que sustenta o corpo e a mente com seus diferentes sistemas e faculdades.

A Alma do Mundo similarmente sustenta o planeta, a energética do processo de criação dos reinos mais elementares aos níveis mais sutis da mente. O magnetismo da alma é responsável pela harmonia orgânica não apenas de nosso ser, mas de todas as criaturas. Esse magnetismo especial da alma existe em um nível profundo de consciência além da mente ordinária e dos sentidos, mantendo nossa existência até mesmo no sono e na morte.

A alma reside dentro do coração de todas as criaturas, que é a fonte real de todo conhecimento e sentimentos mais puros. Embora ela não seja o coração físico, é o âmago de nosso ser, o qual experienciamos na região do coração. A força magnética da alma, através de nosso coração, nos mantém em um nível em que nenhum distúrbio externo pode nos alcançar. Ele regula o batimento cardíaco da criação. O corpo causal ou a esfera da alma existe como um ovo dourado no coração.3

Os três poderes da alma

A alma possui três poderes básicos:

1.    Vida (jīva)
2.    Luz (jyoti)
3.    Amor (prema)

Destes poderes básicos surgem as habilidades de compreensão, movimento e percepção. A vontade da alma é tripla:

1.    Vontade de ser
2.    Vontade de ver
3.    Vontade de estar feliz

A força magnética da alma gera vida, amor e consciência. A partir destes três poderes da alma todas as criaturas possuem três desejos inatos:

1.    Viver para sempre
2.    Conhecer a verdade absoluta
3.    Sentir a felicidade perfeita

O surgimento destas aspirações demonstra o crescimento – e manifestação – da alma em nosso interior.

O magnetismo da alma é primeiro e acima de tudo o poder da vida, o poder magnético que nos conecta com a vida e nos faz sentirmos vivos, nos permitindo movimentar e respirar. A vida é uma corrente de energia gerada pela força magnética da alma.

Segundo, o magnetismo da alma é o poder da luz, insight, sabedoria e entendimento. A luz atrai e magnetiza nossas mentes da mesma maneira que todas as criaturas são atraídas pelo sol. A alma possui o poder da iluminação. Sua natureza é luz pura. É o nosso sol interior que ilumina a mente e os sentidos. Esse magnetismo possui uma força gravitacional, assim como a força gravitacional que vem do sol.

Terceiro, a força magnética da alma é o poder do amor. Ela nos compele a amar a vida e todas as criaturas. Amor, acima de tudo, é a força magnética mais poderosa da criação. É o poder mais sublime da atração. Nada é tão forte e capaz de unir as criaturas do que o amor que reside no âmago de nosso coração.

Estes três poderes, vida, luz e amor são o reflexo da alma como Ser-Consciência-Bem-aventurança (sat-cit-ānanda), a divindade manifesta de Deus ou o Absoluto. Delas surgem energia, luz e matéria como as três principais forças de manifestação do mundo físico (veja apostila do Módulo I, cap. 5, A Dança dos Doṣas). Elas dão nascimento às três grandes forças vitais ou manifestações espirituais dos doṣas: prāṇa, tejas e ojas, energia, resistência e vitalidade. Essas são as forças por trás dos três elementos ativos do ar, fogo e água (vāta, pitta e kapha).

A ordem tripla da alma

Ser
Consciência
Bem-aventurança
Vida
Luz
Amor
Prāṇa
Tejas
Ojas
Ar
Fogo
Água
Vāta
Pitta
Kapha

Carisma e o poder do caráter

Cada alma projeta uma força magnética em concordância com seu nível de desenvolvimento. Podemos observar o magnetismo da alma nas interações com as outras pessoas. Às vezes falamos com pessoas tão magnéticas que parece que somos atraídas por elas. Tais indivíduos usualmente possuem uma personalidade forte e poderosa. Contudo, essa força da personalidade nem sempre vem da alma. Pode ser uma manipulação ou persuasão, até mesmo sexual. Por isso dizemos que o magnetismo da personalidade tem nivéis e aspectos distintos de manifestação. Apenas uma alma desperta, consciente de sua divina missão ou auto-realização, possui uma força magnética inteiramente benéfica. A alma que ainda não se desenvolveu o suficiente pode gerar uma energia fortemente egóica, particularmente se ela possui seguidores para alimentar seu magnetismo e também se nutrirem dele.

Todos nós somos impelidos na direção daquilo que nossa alma tem afinidade. Isso ocorre por conta da natureza magnética da alma. Atraímos para nós pessoas e circunstâncias que estão em harmonia com nossas almas e que estão em busca das mesmas coisas. Na medida em que evoluímos espiritualmente, como almas magnetizadas pelo poder de nosso direcionamento a Deus, atraímos divinas influências – deidades, professores ou experiências – que nos auxiliam no crescimento interior. O magnetismos de nossa alma, com seu poder de amor, nos envolve em várias relações ou nos conecta a outras almas que nos impelem a crescer. Este poder do magnetismo da alma é à base da ênfase yogī na relação entre guru e discípulo, bem como a comunhão com pessoas sábias no momento do satsanga. Ainda que algumas vezes a alma atraia pessoas ou situações que testam e desafiam nosso crescimento, nossa atitude deve sempre ser a mesma de um avançado alpinista quando vê uma montanha intransponível: superar os obstáculos e chegar ao cume.

Portanto, associação é o fator principal que magnetiza a alma. Existe uma ciência completa de associação e magnetismos pessoal conhecida pelos yogīs. As pessoas que atraímos para nossa vida refletem o magnetismo de nossa alma. Da mesma forma, as pessoas que se aproximam de nós o fazem sob a influência magnética de nossa alma, que pode ser tanto hipnótica quanto iluminada. Por esta razão, o Yoga enfatiza a correta associação como o fundamento da prática yogī. Por outro lado, a Āyurveda enfatiza relacionamentos corretos baseados em uma interação saudável. Se não cultivarmos harmonia em nossos relacionamentos, a raiz da saúde e do crescimento espiritual em nós continuará prejudicada. Relacionamentos equivocados não apenas causam desassossego emocional, mas também nos conduzem a atitures incorretas com o corpo, a mente e os sentidos. Acima de tudo, aquilo que fazemos e até mesmo aquilo que comemos reflete a associação que temos com as pessoas.

Se você quer compreender a natureza de sua alma e seu nível de desenvolvimento, examine seus relacionamentos, não apenas os laços físicos, mas as pessoas que você emula e servem de modelo para sua conduta. A alma reflete não apenas aquilo que conhecemos, mas principalmente a força de nosso caráter que, sustenta aqueles que estão perto de nós, ao mesmo tempo que é sustentato por aqueles que servem como modelos para nossa expressão individual. A integridade do caráter projeta uma força magnética elevada que serve para integrar não apenas nosso ser, mas também aqueles que nos cercam.

A força magnética do conhecimento e da ignorância

A força magnética do criador determina a manifestação universal. Como todas as forças magnéticas, ela possui uma natureza dual ou polarizada. Existe a força cósmica de atração e repulsão. A força magnética da atração causa um efeito de internalização ou espiritualização que eleva nossa consciência. A força magnética da repulsão causa um efeito de externalização ou ação materializada que atua nos níveis inferiores da consciência. A força de atração promove unidade, saúde e integração. A força de repulsão causa conflito, doença e fragmentação.

A força cósmica da repulsão é responsável pela descida do espírito até a matéria, criando o mundo externo de nomes e formas. A força cósmica da atração é a força da evolução que puxa a alma encarnada de volta a sua origem divina. Estas duas forças são antitéticas e mutuamente repulsivas. A força atrativa ou espiritual repele a força repulsiva ou material. A força repulsiva ou anti-espiritual não somente repele a força divina, mas atrai energias não-espirituais. Esta força de repulsão ao divino e atração ao mundo externo é chamada de māyā, o poder da ilusão ou o poder da ignorância (avidyā). A força da atração divina é chamada de graça ou śakti, a vontade divina (īśvara-saṅkalpa) ou o poder do conhecimento (vidyā)

A alma pode ser magnetizada em uma destas duas direções. Ela pode ser direcionada para o interior, divinamente ou para o exterior ou mundo dos prazeres e diversões. Ela pode ser receptiva a força magnética da atração divina ou pela repulsão divina, movendo-se em direção ao divino ou para longe dele. A atração divina nos estimula a buscar Deus ou a verdade eterna. A divina repulsão cria apego a pessoas e coisas externas, nos lançando nos envolvimentos transitórios.

A força da atração divina desperta a alma, nos tornando conscientes de nós mesmos como uma parte imortal da divindade buscando crescimento espiritual no ciclo evolucionário dos renascimentos. A repulsão divina cria o ego (ahaṃkāra) ou senso de egoidade, produzindo a individualidade separada, uma identidade corpórea cujo objetivo principal são os prazeres do mundo exterior. A força da repulsão divina ou a atração pelas coisas do mundo provoca a corporificação e a busca pela felicidade nas coisas externas e frívolas. Isso permite que o universo seja criado. A força da atração divina ou desapego ao mundo entra em ação para completar o ciclo da criação trazendo a alma novamente a sua divindade inerente.

Ambas correntes magnéticas são cósmicas em natureza e possuem força tremenda. Elas são como duas torrentes cuja energia é irresistível. Seja lá para qual delas nós nos abrirmos, seremos inundados com um fluxo energético poderosíssimo. No nível da alma nós possuímos apenas uma única escolha: para qual destes dois tipos de magnetismo deveríamos estar receptivos? Qual destas duas correntes deveríamos assimilar? Devemos agir como seres espirituais buscando a iluminação de nossa consciência no universo ou devemos agir como seres egóicos buscando glorificação pessoal e a satisfação dos prazeres no mundo externo dos sentidos?

Nós podemos observar o quanto nossa alma está magnetizada tanto para o divino quanto para o mundo dos sentidos, para as forças espirituais ou para as forças mundanas. Nós podemos ver se nosso amor e atenção é naturalmente direcionado para o interior em direção a consciência ou para o mundo exterior das formas. Nós podemos ver se nossa natureza busca paz interior ou a satisfação dos desejos, a expansão interior da consciência ou a expansão exterior das posses. Como no presente a humanidade não se encontra espiritualmente evoluída, podemos observar que a maioria das pessoas estão presas a corrente da ignorância e apenas em determinadas circunstâncias se abrem ao divino. A corrente interior pode superar a corrente exterior se nos abrirmos para o fluxo da graça divina.

Os três guṇas: as qualidades magnéticas da natureza

A força magnética de māyā ou ignorância possui três níveis de manifestação, cada uma com sua própria qualidade, característica e atuação. Nossa consciência tem uma inclinação magnética que opera sobre um destes três níveis. Eles são os três guṇas da Natureza (prakṛti): sattva, rajas e tamas, as três forças naturais do conhecimento, vitalidade e embotamento.

Tamas é a densidade magnética sombria e pesada da ignorância. Ela atrai as forças da obstrução, decadência e desintegração. É a força poderosa da energia repulsiva e serve para manter os objetos no mundo das formas. Tamas inerentemente resiste à vontade divina e não é receptivo a qualquer crescimento superior. Devemos deixar a força de tamas seguir o seu caminho até que ela se depare com bloqueios e obstruções na vida que a coloquem em movimento fazendo com que mude sua manifestação.

Rajas é a densidade mediana da ignorância. Ele cria ilusão, fantasia, especulação e imaginação. Rajas nos arremete aos envolvimentos, confusões, complicações, embaraços e atividades intermináveis da vida. A força rajásica pode reconhecer a vontade divina, mas a distorce de acordo com seus próprios objetivos. Rajas pode se tornar uma força espiritual, mas com dificuldade e esforço.

Sattva é a densidade sutil da Natureza e reflete o poder divino da atração. Ele atrai aquilo que é refinado e nobre – a beleza da natureza, arte, filosofia, religião, serviço e caridade. Possui pouca ou quase nenhuma resistência a vontade divina, mas pode permanecer na orientação religiosa externa, nos prendendo as formas externas dos deuses, deusas etc., se nós não o direcionarmos para o interior. Facilmente se transforma em uma força espiritual se utilizado com conhecimento, habilidade e desapego. Puro sattva (śuddha-sattva), a forma interna de sattva, desenvolve o poder da divindade em nós. Esta é a mente unidirecionada (ekāgratā-citta) do pensamento yogī.

Rajas e tamas atuam como forças magnéticas inferiores – os poderes da repulsão cósmica que acorrentam a alma no mundo exterior. Tamas provoca ignorância, rajas causa apego e gera atração ao mundo exterior. Os potenciais elevados dos guṇas ocorrem basicamente através de sattva, o que torna possível a vontade divina trabalhar através das formas superiores de rajas e tamas.

Os três guṇas compreendem o campo magnético da alma. Usualmente, um guṇa predomina e polariza a mente e a vida de acordo com suas qualidades. A alma pode se tornar sattvíca, rajásica ou tamásica em natureza. Contudo, no campo ordinário e bruto da natureza humana, um guṇa raramente predomina. Após algum tempo, os outros guṇas reinvindicam suas posições. Nossa vida é uma interação entre embotamento, distração e virtude, com uma corrente inconstante de bondade e maldade, de veracidade e falsidade.

Raros são os seres humanos que conseguem constância total sob a influência de um guṇa apenas de maneira que os outros dois percam seu poder. Tais pessoas extremas são criminosas ou tipos completamente tamásicos; são super-empreendedoras ou tipos completamente rajásicos; são santos abnegados ou tipos completamente sattvícos, mas mesmos estes tipos podem ter traços dos outros guṇas. Tanto a Āyurveda quanto o Yoga procuram reduzir o poder de atuação de rajas e tamas. Eles são fatores de doença física e mental que a Āyurveda tem o objetivo de sanar e da ignorância espiritual que o Yoga procura dissipar.

O corpo causal ou a mente-âmago está presente e se constrói através de nossos pensamentos, desejos, aspirações e intenções mais profundas. Em sânscrito podemos chamá-los de saṃskāras e vāsanās, são impressões magnéticas estampadas no estofo mental, da mesma maneira que o DNA sustenta o código genético do corpo. Saṃskāra que literalmente significa impressão, refere-se as motivações primordiais por trás de nosso comportamento. Vāsanā que literalmente significa perfume, refer-se como as camadas mais profundas da mente são formadas e coloridas por nossa disposição e estado mental. Estas tendências suportam a força magnética que sustenta nosso nível de consciência. Elas refletem os guṇas sobre os quais estamos sob influência.

O magnetismo espiritual elevado ou o poder da atração divina forma a força da alma (ātma-śakti) e o poder do conhecimento (vidyā). O magnetismo inferior ou não-espiritual, o poder da repulsão divina, forma a força do ego e o poder da ignorância (māyā ou avidyā-śakti). A força da alma é o poder por trás do desenvolvimento do verdadeiro caráter e personalidade. A força do ego é o poder da personalidade sem caráter. A força dá alma se desenvolve através da honestidade, veracidade e outros valores e virtudes éticas, particularmente através da receptividade e o cuidado com o próximo. Ela não pode ser desenvolvida através da mera fantasia dos pensamentos, emoções exarcebadas ou experiências transitórias. É um produto da ação diária, particularmente os pensamentos e expressões mais freqüentes. Agir no nível da alma em nossas interações diárias é muito difícil, mas gratificador quando aplicamos esforços em direção a essa meta.

Yoga, Āyurveda e a alma

Yoga como prática espiritual somente é possível para alma, para pessoa que despertou sua aspiração espiritual e a distância está além do ciclo de renacimentos. Yoga como prática espiritual é simplesmente impossível para o ego imaturo e embotado, que irá utilizar essa ciência apenas para propósitos de engrandecimento e regozijo pessoal. Despertar o nível da alma é o primeiro passo para a genuína prática espiritual do Yoga e isso precede até mesmo a execução de yama e niyama-sādhanā, o que requer certo nível de consciência – da alma – desperta para se praticar a moral yogī. Se você deseja praticar Yoga, deve se perguntar: a alma está desperta em meu interior e pronta para retornar a divindade?

A cura ayurvédica está baseada em nossa conexão com a alma que é a origem da vida e a força energizante por trás de todas as nossas faculdades. A Āyurveda opera através da força da alma para que sejamos mestres de nosso corpo e integremos todas as suas funções, gerando harmônia e equilíbrio. Toda cura verdadeira vem da alma, o ser ou consciência interior que, quando desperto, se transforma no canal para graça divina.

2. O corpo sutil ou elétrico

Fora o magnetismo, a eletricidade automaticamente surge, cresce ou é gerada. A polarização magnética ou a carga da alma coloca em movimento correntes elétricas e atraí outras do mundo externo. Fora a alma, de nosso coração surgem várias correntes eléticas que sustentam as atividades em todos os níveis de nossa natureza. A alma gera a força que cria e motiva a mente, os sentidos e o corpo. Essa força elétrica é chamada de vidyut-śakti que literalmente significa relâmpago. A esfera magnética da alma provê um campo elétrico que cria o corpo sutil ou astral, a esfera de nossas vidas das energias e sentidos.

As energias polarizadas da alma dão nascimento aos dois prāṇas básicos – prāṇa e apāna – que criam a atração e repulsão, inspiração e expiração, alimentação e eliminação. Estes dois prāṇas geram uma força elétrica que se divide em cinco correntes:

·         Prāṇa, a força que se move para dentro e para cima;
·         Apāna, a força que se move para fora e para baixo;
·         Samāna, a força de ação equilibrante;
·         Vyāna, a força de ação expansiva;
·         Udāna, a força de ação circulante.

Os cinco prāṇas, por sua interação com a mente, dão origem aos cinco órgãos dos sentidos (ouvidos, pele, olhos, língua e nariz), os cinco órgãos motores ou de ação (fala, mãos, pés, sistema urogenital e excretor) e os cinco tipos de impressões (som, tato, visão, paladar e olfato). Posteriormente iremos discutir detalhadamente os cinco prāṇas (pañca-prāṇa ou pañca-vāyu).

Essas forças elétricas podem funcionar ou agir relativamente em qualquer um dos cinco níveis magnéticos da consciência, de tamas a sattva. Por exemplo, nossos sentidos funcionam no nível de tamas quando estão embotados e pesados. No nível de rajas quando nos distraem e nos envolvem no mundo exterior. No nível de sattva quando servem de instrumento para o conhecimento e auto-desenvolvimento. No mais puro nível de sattva, quando atuam como poderes do insight profundo. No nível trascendental, quando são retraídos para dentro dos poderes do conhecimento espiritual.

Nos níveis inferiores, estas forças elétricas operam em baixas freqüências. Sua ação é lenta e sua conectividade é baixa. Nos níveis superiores, sua freqüência aumenta. Fazem muitas conexões e eventualmente podem penetrar todos os níveis do universo, da mente a matéria. Um verdadeiro yogī experimenta estas forças em sua própria consciência como um relâmpago constante que reverbera em todas as direções. Isso demonstra seu completo desenvolvimento.

Esse corpo elétrico é chamado de corpo sutil porque é uma vestimenta ou invólucro de energia mais refinado que a matéria física, sua contraparte densa. Ele é chamado de corpo astral porque é um campo de luz ou áurico da mente e dos sentidos. Mesmo que sua luz seja um reflexo da alma, que é como o sol, ele é chamado de corpo lunar. O corpo sutil é construído a partir da essência da energia e impressões, prāṇas e tanmātras que são as forças elétricas que ele traz em si mesmo. É um campo elétrico altamente ativo, movimentando-se e sempre mudando sua natureza, dançando com as flutuações dos órgãos dos sentidos, órgãos motores e a mente que nunca descança, nem mesmo por um minuto.

O corpo sutil tem uma forma similar ao corpo físico que ele cria, mas existe mais como uma impressão do que um objeto específico. O corpo sutil energiza e vitaliza o corpo físico. Todas as doenças têm sua origem nos desequilíbrios energéticos do corpo sutil e sua força de vida. A Āyurveda promove os poderes de cura do corpo sutil, particularmente seus diferentes prāṇas, regenerando o corpo físico. O Yoga espiritualiza o corpo sutil transformando-o em um veículo para realização espiritual.

A interação entre o corpo causal e o corpo sutil

Tanto o corpo causal quanto o corpo sutil são diferentes aspectos da entidade que nós usualmente chamamos de mente, que possui mais níveis e muito mais poderes do que nossa experiência ordinária pode conceber, até mesmo elevados estados intelectuais. O corpo causal é a mente mais profunda, subliminar e interior, muito além da forma e sensação, enquanto o corpo sutil é o aspecto formal da mente, a camada externa que constitui nosso estado sensorial ordinário dirigido para o exterior.

A função desperta ou consciente do corpo causal é o campo da superconsciência além da forma, o campo da percepção pura e ideal. O corpo sutil desperto é o campo da forma da superconsciência interior – o reino da forma pura, da beleza e do deleite.

Os corpos causal e sutil estão intimamente conectados e às vezes são referidos como um só corpo (liṅga). O corpo causal permanece durante todo o ciclo de mortes e renascimentos. Ele experiência toda evolução até a auto-realização, mas em si mesmo, não é nascido ou jamais morre. Um novo corpo sutil se manifesta a cada nova encarnação e se torna a base ou contraparte sutil do corpo físico, se ajustando nele nos primeiros meses de existência no ventre materno.

Portanto, o corpo causal é a semente ou a forma imanifesta do corpo sutil. O corpo sutil é a forma manifesta do corpo causal. Todos os potenciais do corpo sutil são inerentes no corpo causal. Como uma tartaruga que recolhe seus membros para dentro do casco, o corpo causal desdobra-se em corpo astral.

3. O corpo físico ou elemental

O corpo causal gera energia magnética que dá nascimento a força elética do corpo sutil. Este, por sua vez, cria um tipo de cascata que se densifica como o corpo grosseiro ou físico. A força elétrica do corpo sutil se transforma na força de vida do corpo físico. A força magnética do corpo causal se torna a morada perpétua da consciência ou alma (ātman). O corpo físico, por sua densidade, obstrui tanto a luz quanto o magnetismo do corpo causal, bem como a força elétrica do corpo sutil. Essa obstrução do corpo causal, que é mais refinado por natureza, é bem maior que a obstrução do corpo sutil. Mas estas obstruções podem ser superadas pela purificação do corpo e pelo desenvolvimento da consciência elevada através das práticas yogīs.

O corpo físico se desenvolve a partir dos corpos causal e sutil. O corpo causal provê as leis e o padrão básico para ele seguir. O código genético, as impressão magnética por trás da formação corporal, está conectado ao corpo causal. O corpo sutil e seus agregados, a mente, o prāṇa, os órgãos dos sentidos e motores dão forma a suas faculdades correspondentes no corpo físico. O corpo físico é revestido de mente, sentidos e prāṇas em toda sua manifestação densa, até mesmo nos tecidos corporais.

O corpo é uma criação dos elementos grosseiros. É dominado pelos doṣas ou humores biológicos (vāta, pitta e kapha) que são manifestações do prāṇa em um nível denso. A Āyurveda descreve o corpo físico de acordo com seus tecidos, sistemas e órgãos. Contudo, para causar mudanças no corpo físico em um nível fundamental, devemos mudar as forças que o compõem, sua eletrecidade energética ou pano de fundo astral e sua impressão magnética ou base causal. Essa é a chave do renascimento.

Os três estados da alma: vigília, sonho, sono profundo

Os três corpos se relacionam com os três estados da consciência: vigília, sonho e sono profundo. O corpo físico atua no estado de vigília, no qual todos nós vivemos no mundo dos objetos com forma específica e localização no tempo e espaço. Para este corpo existir, ele toma forma através dos elementos grosseiros que o conectam ao mundo das formas. Sem o suporte contínuo de alimento, o corpo físico perece.

O corpo astral atua durante o estado de sonho – e pensamento inspirado – no qual vivemos no mundo das impressões. Ele define tempo e espaço ao invés de ser definido por eles. É sustentado pelas impressões, os elementos sutis que são seu alimento, através do qual nos criamos um mundo interno com nossa própria imaginação.

O corpo causal atua durante o sono profundo e durante os profundos estados de meditação, período em que vivenciamos nossa própria consciência destituída de objetos externos, perceptíveis ou imaginários. O corpo causal não está localizado como uma forma ou impressão no espaço-tempo, mas existe como uma idéia que cria o tempo e o espaço de acordo com suas qualidades. É sustentado por nossas percepções e pensamentos mais profundos, os elementos causais que são seu alimento, através do qual nós criamos o mundo de nossas próprias idéias.


Estes três estados de consciência refletem todo o processo de morte e renascimento. No momento da morte o corpo físico e todas as suas funções cessam e o corpo astral começa a funcionar como em um estado de sono e sonhos. O prāṇa ou a força da vida deixa o corpo físico e começa a funcionar apenas em sua contraparte astral. As impressões assimiladas durante a vida são reveladas e através delas pode-se experienciar estados astrais de felicidade ou desespero que, em sua forma extrema, pode se transformar no céu ou no inferno para quem está vivenciando o processo. Uma vez que estas impressões são descartadas, o corpo astral é retraído e o corpo causal passa a atuar. O prāṇa e a inteligência se abstraem do corpo astral e se unem com o corpo causal. As qualidades mais profundas – o amor e a sabedoria que foram desenvolvidos durante a vida – são revelados e através deles pode-se experienciar os estados causais da consciência sem forma. Uma vez que estes estados sejam exauridos, então, do corpo causal, novos corpos astral e físico são formados para uma nova encarnação, baseada na frutificação do karma.

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