sábado, 5 de abril de 2014




Fernando Liguori


Quando todos os nós do coração forem quebrados, então o mortal se tornará imortal.

Kaṭha-upaniṣad, VI: 15


Imagine a torrente de energia que você experimenta durante um momento de alegria. Agora, sinta os canais através do qual a energia viaja durante esta experiência. A princípio, isso parece ser algo incompreensível, mas este fluxo energético pode ser traçado quando a concentração se torna cada vez mais profunda. A ciência moderna explica este processo nos termos de impulsos nervosos, mas os antigos videntes o concebiam como um fluxo de energia e consciência através de canais interconectados no corpo conhecidos como nāḍīs, que formam a estrutura energética do ser humano. A palavra nāḍī significa fluxo. Neste sentido, as nāḍīs são fluxos sutis de energia, assim como a eletricidade, as ondas de rádio e o raio laser também o são. As nāḍīs se relacionam com o corpo de energia (prāṇamaya-kośa) e não devem ser confundidas com os nervos, relacionados com o corpo físico (anamaya-kośa).

As nāḍīs são caminhos de corrente prânica, mental e espiritual que formam a matriz de todo corpo físico. Elas provêem energia a cada célula e órgão através de sua vasta estrutura, distribuindo prāṇa por todo organismo. As nāḍīs não são físicas, mensuráveis ou dissecáveis, mas canais de energia que subjazem e sustentam a vida e a consciência. Em estados elevados de consciência as nāḍīs podem ser vistas como fluxos de energia, como descreveram os yogīs. Elas podem ser percebidas em um nível psíquico como distintos canais de luz, cor e som. Ao mesmo tempo, as nāḍīs formam a base de todas as funções e processos corporais.

Pesquisas científicas têm sustentado a existência das nāḍīs. Dr. Hiroshi Motoyama foi pioneiro neste tipo de pesquisa, monitorando voltagens estáveis de correntes eletromagnéticas fluindo internamente no organismo humano, bem próximas ao sistema nervoso. Através de suas descobertas ele alegou ter comprovado a existência das nāḍīs. A estrutura das nāḍīs é tão sutil e vasta que até mesmo os textos yogīs diferem no cálculo de sua quantidade no corpo energético. A Gorakṣasaṃhitā e a Haṭhapradīpikā enumeram 72.000 nāḍīs; o Prapañcasāra-tantra enumera 300.000 nāḍīs, enquanto que a Gheraṇḍasaṃhitā enumera 350.000 nāḍīs emergindo do centro umbilical.

As maiores nāḍīs

Fora as milhares de nāḍīs que constituem a estrutura prânica, que incluem todos os maiores e menores fluxos, setenta e duas são consideradas importantes. Fora estas setenta e duas, dez são consideradas mais importantes. Entre estes dez maiores fluxos prânicos, três são os principais: iḍā, piṅgalā e suṣumṇā. Estas três nāḍīs principais se situam ao longo da coluna vertebral e perpassam cada um dos cakras. Iḍā-nāḍī é o canal da energia mental, piṅgalā-nāḍī é o canal da energia vital e suṣumṇā-nāḍī é o canal da energia espiritual. Estes são os três principais canais para distribuição da energia por toda estrutura prânica. A carga máxima de prāṇa flui através delas e seu impacto no organismo é imediato. Elas são os fios de alta voltagem que conduzem a energia das subestações (cakras) situadas ao longo da coluna vertebral para todas as outras nāḍīs.

Fora estas três principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, as outras sete nāḍīs importantes são: gāndhārī, hastijihvā, yaśasvinī, pūṣā, alambuṣā, kuhū e śaṃkhinī. Alguns textos mencionam dezenove nāḍīs principais, que incluem: jihvā, kūrma, payaśvinī, saraswatī, saumya, śura, varunī, vilambha e viśvodārī. Para propósitos práticos, contudo, necessitamos nos ater somente a iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, uma vez que estas três governam todo o sistema de nāḍīs e todos os processos corporais. No prāṇāyāma e prāṇa-vidyā o praticante opera principalmente com estes três canais. Eles são conhecidos também como gaṅga (iḍā), yamunā (piṅgalā) e saraswatī (suṣumṇā), os três rios mais importantes da Índia, o último sendo um lençol freático. A junção destes três rios é chamada prayag, localizado na borda exterior do Allahabad, no norte da Índia. No corpo prânico, eles se convergem no ājñā-cakra. Piṅgalā é conhecida também como sūrya, a nāḍī solar e iḍā como candra, a nāḍī lunar. Iḍā e piṅgalā indicam tempo, enquanto que suṣumṇā é a devoradora do tempo, uma vez que ela nos guia a eternidade.

Localização das nāḍīs

O kuṇḍalinī-yoga descreve o mūlādhāra-cakra como o principal plexo do corpo prânico de onde as principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, se originam. Iḍā e piṅgalā fluem alternadamente, se espiralando ao redor da coluna vertebral da esquerda para direita e da direita para esquerda, enquanto que suṣumṇā flui para cima por dentro da coluna. Iḍā flui da esquerda a partir do mūlādhāra, piṅgalā flui da direita e suṣumṇā flui do centro.

Após o mūlādhāra, existem cinco cakras através dos quais as nāḍīs perpassam. O primeiro é o swādhisṭhāna, que está localizado na terminação da coluna vertebral ou plexo coccídeo, onde piṅgalā cruza para esquerda. O segundo é o maṇipūra, que reside atrás do abdômen (umbigo), na parede interior da coluna espinhal. Aqui, no plexo solar, piṅgalā cruza para direita. O terceiro é o anāhata, localizado na parede interior da coluna espinhal, exatamente atrás do coração. Aqui, no plexo cardíaco, piṅgalā cruza para esquerda. O quarto cakra é o viśuddhi, localizado atrás da cavidade da garganta, no plexo cervical, onde piṅgalā cruza para direita. O quinto é o ājñā-cakra, localizado na medula oblonga, no mesencéfalo, onde piṅgalā termina. Iḍā segue um caminho similar, mas do lado oposto. Na medida em que iḍā e piṅgalā se cruzam em cada cakra, a corrente de energia gerada é distribuída por toda estrutura de nāḍīs e demais órgãos e partes do corpo. Neste caminho, as nāḍīs carregam estas duas forças opostas para cada célula, órgão e demais partes do corpo.

Iḍā governa o lado esquerdo do corpo e piṅgalā o direito. Isso pode ser explicado fazendo uma analogia ao ímã. Se um ímã for partido ao meio, ambas as partes assumem polaridades opostas. Similarmente, o corpo é polarizado, na medida em que iḍā governa o lado esquerdo e piṅgalā o lado direito. O eixo central de iḍā e piṅgalā é suṣumṇā. Esta nāḍī é o caminho místico do Yoga que flui entre iḍā e piṅgalā. Suṣumṇā ascende para o alto por dentro da coluna, se encontrando com iḍā e piṅgalā nos pontos onde elas se cruzam nos cakras e finalmente se unindo a elas no ājñā-cakra.

Suṣumṇā é o caminho através do qual a kuṇḍalinī sobe, formando a base do despertar progressivo do conhecimento supremo. Contudo, este caminho permanece inativo na maioria das pessoas até que um alto grau de evolução seja alcançado. A estrutura interna da suṣumṇā compreende três nāḍīs sutis que se tornam ativas quando ela desperta. Dentro de suṣumṇā, portanto, temos vajrā-nāḍī. Por dentro de vajrā-nāḍī perpassa citra ou citrinī-nāḍī e por dentro de citrinī-nāḍī se encontra brahma-nāḍī, o fluxo mais sutil de toda estrutura prânica. Brahma-nāḍī é assim chamada porque os centros superiores de consciência são diretamente ativados por ela. Quando a kuṇḍalinī-śakti sobe através deste canal, experiências transcendentais ocorrem.

A localização das outras nāḍīs mais importantes segue:

1.    Gāndhārī: Literalmente significa nota musical. Flui a partir do canto do olho esquerdo e termina no dedão do pé esquerdo. Situa-se no lado de iḍā para auxiliá-la. Como supre de prāṇa a cavidade ocular esquerda, proporciona a visão criativa e atua no processo onírico. Atua poderosamente nos pequenos cakras situados no meio da mão esquerda e no meio do pé esquerdo, levando energia aos dedos das mãos e dos pés. Gāndhārī é estimulada por baddha-padmāsana.
2.    Hastijihvā: Literalmente, a língua do elefante. Flui a partir do canto do olho direito e termina no dedão do pé direito, atravessando maṇipūra, swādhisṭhāna e mūlādhāra-cakras. Por esse motivo, carrega energia prânica para toda parte inferior do corpo. Atua poderosamente nos pequenos cakras situados no meio da mão Direita e no meio do pé direito, levando energia aos dedos das mãos e dos pés. Hastijihvā e gāndhārī suprem o trabalho de iḍā e juntas formam o canal esquerdo.
3.    Yaśasvinī: Literalmente, glória abundante. Flui do dedão do pé direito ao ouvido esquerdo, auxiliando o trabalho de piṅgalā.
4.    Pūṣā: Literalmente, aquele que nutre. Flui do dedão do pé esquerdo ao ouvido direito. Pūṣā e yaśasvinī suprem o trabalho de piṅgalā e juntas formam o canal direito.
5.    Alambuṣā: Literalmente, o limite. Inicia no ânus e termina na boca. Passa pelo centro do mūlādhāra-cakra, levando prāṇa aos órgãos de eliminação. Esta nāḍī está conectada ao cakra mūlādhāra e ao apāna-vāyu.
6.    Kuhū: Literalmente, a lua oculta. Inicia na garganta e termina nas genitais. A essência seminal é transformada em soma pelo trabalho desta nāḍī. Passa pelo centro do swādhisṭhāna-cakra e vai até o fim do pênis ou da vagina, suprindo prāṇa aos órgãos reprodutivos e os sistema urogenital. Esta nāḍī está conectada ao cakra swādhisṭhāna e ao apāna-vāyu. Kuhū é desperta pela prática de vajrolī ou sahajolī-mudrā.
7.    Śaṃkhinī: Literalmente, camada do oceano. Começa na garganta e termina no ânus. Flui do lado esquerdo da suṣumṇā entre iḍā e piṅgalā. Esta nāḍī é ativada pela prática de basti (enema yogī).
8.    Saraswatī: Literalmente, a Deusa da Fala. É a nāḍī localizada na língua, cuja raiz é o centro do viśuddhi-cakra. Supre prāṇa a língua, boca e garganta. Relaciona-se diretamente ao viśuddhi e ao udāna-vāyu. Esta nāḍī, como o nome indica, promove o poder da fala, sabedoria e proficiência mântrica.
9.    Payaśvinī: Literalmente, repleto de sumo. Esta nāḍī flui do centro do ājñā-cakra e vai até o ouvido direito, lhe suprindo de prāṇa. Ela complementa e suporta o trabalho de piṅgalā no lado direito do corpo. Ela também sustenta a trompa de Eustáquio. É através de seu trabalho que o yogī escuta o som interior ou nāda, através do ouvido direito. A ordem ascética dos Kānphaṭa Yogīs promove o despertar desta nāḍī fazendo com que seus adeptos utilizem brincos largos para manter a perfuração da cartilagem da orelha.
10. Varunī: Literalmente, o permeador. Varunī é o deus védico do Oceano Cósmico ou Oceano do Espaço. Inicia-se no centro do mūlādhāra-cakra, atravessa o centro do anāhata-cakra e retorna, terminando no ânus. Portanto, ao mesmo tempo em que supre todo o corpo com prāṇa, geralmente através do sistema respiratório, circulatório e cebácio, também purifica o corpo expulsando as toxinas da região pélvica inferior. Essa nāḍī promove um aprofundamento nas emoções superiores do coração e uma compreensão de suas manifestações. Ela é ativada por basti e outros kriyās.
11. Viśvodārī: Literalmente, aquele que tudo carrega. Situa-se na área do umbigo, entre kuhū e hastijihvā. Esta associada às glândulas adrenais e ao pâncreas. Promove o fluxo de prāṇa por todo sistema, principalmente o digestivo. Auxilia na ascensão do prāṇa ao longo da suṣumṇā-nāḍī. Relaciona-se ao cakra maṇipūra e ao samāna-vāyu. É ativada por nauli-kriyā e uḍḍīyāna-bandha.

O princípio de polaridade entre iḍā e piṅgalā

Todo o universo é constituído por duas forças, consciências ou energias, interdependentes e opostas, ao mesmo tempo em que são complementares. O universo projeta-se como uma rede de energias que se interagem, operando dentro de uma estrutura de tensões desenvolvidas por esta polaridade fundamental. Seja o que quer que observemos, na natureza, no corpo ou na mente, essa polaridade pode ser vista como luz e escuridão, positivo e negativo, macho e fêmea etc. Em cada nível de densidade, estes dois grandes princípios ou forças estão operando, criando e movimentando o universo.
Quando essa polaridade cósmica do prāṇa e consciência se manifesta na unidade microcosmica do corpo humano, ela toma a forma de citta-śakti e prāṇa-śakti, que correspondem a iḍā e piṅgalā-nāḍīs. Estes dois canais mental e físico no corpo se aplicam a todos os níveis do ser, do mais grosseiro ao mais sutil, formando a base para cada percepção, atividade e experiência. São duas forças distintas dentro do ambiente humano interior – o fluxo e refluxo da existência humana.

Piṅgalā representa a polaridade positiva. É a força solar. Vitalidade física, atividade dinâmica e tensão são qualidades da energia de piṅgalā. Ela é quente por natureza e corresponde ao sistema nervoso simpático. Iḍā representa a polaridade negativa. É a força lunar. Ela é fria por natureza e corresponde ao sistema nervoso parasimpático. Relaxamento, passividade e sedentarismo são qualidades de iḍā. Os dois mantras relativos a palavra haṭha correspondem a iḍā e piṅgalā-nāḍīs. Ha corresponde a piṅgalā-nāḍī e ṭha ou kṣa coresponde a iḍā-nāḍī. Essa simbologia pode ser vista nas duas pétalas do ājñā-cakra.

Piṅgalā, a força extrovertida, geralmente é predominante durante as horas do dia, principalmente nos períodos de esforço físico, mental e atividades que requerem interação e atenção externa. Iḍā também flui às vezes, mas está subordinada ao fluxo de piṅgalā. A fim de se manter o equilíbrio, iḍā é mais predominante no período da noite, contrabalanceando o fluxo predominante de piṅgalā durante o dia. Iḍā, a força introvertida, é ativada no relaxamento, nas leituras, contemplações e no sono.

Conexão com o fluxo de ar entre as narinas

Iḍā e piṅgalā estão conectadas com o fluxo de ar que passa através das narinas. Se você checar o fluxo de ar pelas narinas, notará que uma está mais aberta do que a outra. Quando o fluxo de ar é mais forte pela narina esquerda, isso indica que iḍā está predominante; quando o fluxo é mais forte pela narina direita, isso indica que piṅgalā está predominante. Quando se está dormindo ou em um estado de sonolência, a narina esquerda está fluindo com mais intensidade. Quando se está fisicamente ativo, a narina direita flui com mais intensidade. Observando este fenômeno, os yogīs projetaram técnicas respiratórias para regular o fluxo de iḍā e piṅgalā (e conseqüentemente suṣumṇā) a fim de intensificarem a experiência do corpo prânico.

Conexão com os lados direito e esquerdo do cérebro

Específicas funções do cérebro também estão conectadas as atividades de iḍā e piṅgalā. O cérebro é simétrico e consiste dos hemisférios direito e esquerdo. O hemisfério direito governa o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo governa o lado direito do corpo. Iḍā está conectada ao hemisfério direito e piṅgalā ao esquerdo. O hemisfério direito processa informação de maneira difusa e holística. Controla a orientação espacial e é particularmente sensível aos reinos de existência vibracional e as experiências intangíveis aos sentidos externos. Portanto, ele estimula a criatividade, as habilidades artísticas, musicais e é responsável pela percepção mental, psíquica e extrasensorial. Já o hemisfério esquerdo, associado a piṅgalā, processa informação de maneira seqüencial, linear e lógica, sendo responsável pelas habilidades racionais, analíticas e matemáticas. Desta maneira as nāḍīs e os hemisférios cerebrais determinam e motivam as atividades do dia-a-dia.

Conexão com os kośas

A força de iḍā é a energia sutil que controla o manomaya e o vijñānamaya-kośa, enquanto que piṅgalā controla o annamaya e o ānandamaya-kośa. No prāṇamaya-kośa a força de iḍā e piṅgalā se estende em ambas as direções. Os pensamentos e experiências mentais que permanecem confinadas no manomaya-kośa, a dimensão mental, são atividades de iḍā até que se tornem físicas. Desejos, pensamentos, emoções e sentimentos tomam forma e direção pela força de iḍā. O vijñānamaya-kośa, o corpo do conhecimento psíquico e intuitivo que o praticante desenvolve através do sādhanā, também é um aspecto de iḍā, a força mental. Poderes extrasensoriais como a clarividência, clariaudiência e telepatia, são desenvolvidos no círculo de ação de iḍā. A experiência de piṅgalā, a força vital, ocorre como vitalidade física no annamaya-kośa. No ānandamaya-kośa, a consciência que permanece mesmo nos estados mais profundos de meditação, após a dissolução de todos os saṃskāras e karmas, é o resultado do despertar de piṅgalā. A consciência em samādhi é a energia de piṅgalā. Este é o aspecto sutil do prāṇa.

Suṣumṇā: o canal neutro

Quando as duas forças de iḍā e piṅgalā estão equilibradas, o terceiro canal, suṣumṇā, é ativado. É um fato que quando duas forças opostas são equilibradas, uma terceira é gerada. Quando riscamos um palito de fósforo contra uma superfície corrosiva, fogo é criado. Quando unimos a corrente positiva com a corrente negativa, geramos a luz. Similarmente, quando o corpo e a mente estão unidos, uma terceira força surge. Essa força nós chamamos de suṣumṇā, a energia espiritual. O trabalho destas três forças também pode ser compreendido através da analogia de um circuito eletromagnético em que uma extremidade (norte) é o ājñā e a outra (sul) é o mūlādhāra. Iḍā é a carga negativa, piṅgalā é a positiva e a suṣumṇā é a neutra.

Em cada nodo de iḍā e piṅgalā existe uma concentração de energia que forma padões vibratórios que pulsam em um plano horizontal. Estes nodos são os cakras, campos de força que se expandem e contraem, dependendo da atividade física e mental. Quando existe uma intensidade energética entre iḍā e piṅgalā, os cakras se manifestam na forma de luz e som. Esta manifestação ocorre em menor proporção na respiração normal, mas em grandes proporções durante as práticas de prāṇāyāma tais como nāḍī-śodhana e durante a meditação. Enquanto iḍā e piṅgalā conduzem energia mental e física, suṣumṇā conduz uma forma superior de energia cósmica. As energias prânica e mental são finitas, a energia proporcionada por suṣumṇā é infinita.

Quando suṣumṇā está ativa, a respiração flui por ambas as narinas simultaneamente. Normalmente isso acontece somente por alguns minutos quando ocorre a mudança na predominância de uma narina para outra, a cada noventa minutos. Suṣumṇā flui após a prática de prāṇāyāma, oração, meditação e quando alguém está prestes a cometer um crime. Quando suṣumṇā está ativa, todo o cérebro está ativo, ao contrário de seu funcionamento parcial, quando iḍā ou piṅgalā estão mais ativas. Quando suṣumṇā está ativa, tanto os karmendiyas quanto os jñānendriyas, órgãos físicos e mentais, funcionam simultaneamente e o praticante se torna muito poderoso. A sensação de equanimidade e estabilidade surge, pois a suṣumṇā é a condutora de mahā-prāṇa, a energia kuṇḍalinī. Estados meditativos ocorrem espontaneamente, em qualquer lugar. O fluxo de suṣumṇā é considerado o melhor para qualquer tipo de sādhanā.

A suṣumṇā representa a integração e a harmonia dos opostos em todos os níveis. Ela indica o equilíbrio e a fusão dos princípios opostos de iḍā e piṅgalā. O quadro abaixo demonstra a experiência destas três forças em vários níveis.

Iḍā
Piṅgalā
Suṣumṇā
citta
prāṇa
kuṇḍalinī
mental
vital
supramental
negativo
positivo
neutro
feminino
masculino
andrógeno
yin
yang
tao
lua
sol
luz
frio
quente
temperado
imaginação
lógica
sabedoria
desejo
ação
conhecimento
interno
externo
centro
noite
dia
anoitecer | amanhecer
passivo
dinâmico
equilibrado
subjetividade
objetividade
consciência
sistema parasimpático
sistema simpático
sistema cérebro-espinhal
azul
vermelho
amarelo
Gaṅga
Yamunā
Saraswatī
Brahma
Viṣṇu
Rudra
subconsciente
consciente
inconsciente
sattva
rajas
tamas
A
U

O propósito do yoga

Existem planos de existência e áreas da consciência que permanecem em absoluta escuridão na pessoa comum. Estes planos são muito mais bonitos e criativos do que o plano no qual a maioria das pessoas vivem. Penetrando-os e iluminando-os, o praticante é capaz de experienciar diferentes estados de consciência, da mesma maneira que uma pessoa experimenta o estado de sonho ou sono. Quando a energia prânica é desperta, ela circula por estas áreas confinadas na escuridão. Então, a cidade interior é iluminada e a alma renasce em uma nova dimensão existencial, uma nova área de experiência.

Este processo, contudo, ocorre gradualmente. Primeiro, o corpo é sutilizado através das práticas do Yoga, transformando-se em um corpo yogī. As moléculas do corpo são alteradas e as forças prânica e mental passam por uma metamorfose. Isso é conquistado através da purificação das nāḍīs, o que capacita os prāṇas despertarem. Então, gradualmente os prāṇas despertos iluminam toda consciência.

Purificando o corpo prânico

Todas as práticas do Yoga purificam os prāṇas, mas o prāṇāyāma é considerado o principal entre elas. No Yogasūtra (II: 52), Mahaṛṣi Patañjali declara: Como conseqüência, o véu que encobre a luz é destruído, referindo-se aos efeitos do prāṇāyāma. Esse véu tem a natureza da ilusão, que impede a percepção da verdadeira natureza expressa pela palavra prakāśa (utilizada por Patañjali no sūtra), que significa mostrar a luminosidade ou a aparência natural de si mesmo. Quando cessa o movimento respiratório, após a expiração, e o ar está fora dos pulmões, se diz que o organismo está preenchido por um sopro sutil. Esse é o momento em que, para o praticante avançado, cria-se uma forte presença do magnetismo pessoal orientado pelo sopro espiritual mais elevado (ātman). É essa presença da força de ātman que destrói o véu que encobre a luz, mencionado no sūtra. Swami Niranjanananda Saraswati, em seu livro Prana and Pranayama, diz: Este véu é o resíduo de tamas e rajas e através do prāṇāyāma a natureza sattvica de citta brilha. O que Swami Niranjan quer dizer com seu comentário a esta passagem do Yogasūtra é que tamas e rajas existem na forma de bloqueios nas nāḍīs. Estes bloqueios podem ser causados por doença, tensão, acúmulo de impurezas, pensamentos negativos ou saṃskāras e formas pensamento alojados no subconsciente e inconsciente. Da mesma maneira que as nāḍīs não são físicas, mas canais prânicos, os bloqueios também são prânicos e somente podem ser experienciados, mas não quantificados.

Os pensamentos e vṛttis, formações e modificações mentais, existem na mente e na consciência como ondas de energia. Portanto, eles influenciam os padrões energéticos nas nāḍīs diretamente e inerentemente. Dependendo da natureza do pensamento ou do vṛtti, as nāḍīs, os cakras, elementos e doṣas são afetados, criando um efeito espiral através de toda estrutura energética do corpo prânico. Se os pensamentos forem deixados incontrolados, o sistema energético será exaurido o tempo todo. Dessa maneira, os padrões de pensamentos negativos e os vṛttis serão reforçados e a mente enfraquecida. Por isso é tão difício se livrar das obsessões e saṃskāras.

Ceder à arrogância, por exemplo, irá criar um bloqueio na região do maṇipūra e do anāhata-cakra, bem como na rede de nāḍīs ali presentes. E toda nova onda de arrogância irá fortificar este bloqueio. A tendência de guardar mágoa irá criar um bloqueio na região do anāhata e do viśuddhi-cakra. Estes bloqueios nas nāḍīs muitas vezes se manifestam como doenças no annamaya-kośa. Por outro lado, mesmo que a doença seja causada por circunstâncias puramente físicas, ela será transmitida aos reinos prânicos e psíquicos também. As nāḍīs nessa região se tornarão fracas e todos os fluxos de energia tomarão vias secundárias, da mesma maneira que um rio desvia de uma rocha. Essa região sofrerá um esgotamento de energia e se tornará cada vez mais fraca.

Durante o prāṇāyāma, especialmente o nāḍī-śodhana, na medida em que se respira vagarosa e profundamente, o prāṇa força as áreas bloqueadas, e isso, em todo sistema de nāḍīs. Por este processo, os circuitos de energia são restaurados e as áreas enfraquecidas gradualmente ganham força e vigor. Assim como uma emoção arrogante cria bloqueios na região do maṇipūra e do anāhata-cakra, o aumento o fluxo de prāṇa através das nāḍīs desta região desfaz os bloqueios. A Śivasaṃhitā (III: 49) declara: O praticante sábio destrói seguramente todo seu karma, adquirido nesta vida ou na vida passada, pela regulação da respiração. Manu Smṛti também declara: Deixe que os defeitos sejam queimados pelo prāṇāyāma.

Mesmo que uma pessoa esteja inconsciente de bloqueios específicos, é a natureza do prāṇāyāma, quando praticado corretamente, limpar e purificar todo circuito energético em um curto período de tempo. Essa purificação é conquistada não somente em um nível prânico, mas em um nível físico e mental também. Isso traz muitas mudanças positivas em todo o sistema. Como a Haṭhapradīpikā (II: 20) diz: Tão logo as nāḍīs estejam purificadas, torna-se possível concentrar o vāyu por mais tempo, o fogo gástrico é ativado, o nāda se torna audível e se goza de perfeita saúde. Neste ponto, o praticante torna-se preparado para começar o sādhanā mais avançado.

O despertar do prāṇa

A evolução humana depende do despertar do prāṇa-śakti, da mesma maneira que ela depende de um ótimo estado de saúde corporal. O despertar do prāṇa ocorre quando as nāḍīs fluem com regularidade, ritmo e continuidade, bem como nenhum bloqueio ou desconforto fisiológico é encontrado no processo respiratório. Este estágio é conhecido como prāṇotthana, o despertar dos prāṇas, mais especificamente de iḍā e piṅgalā. Quando o despertar de iḍā e piṅgalā ocorre, suṣumṇā também desperta. O despertar desta terceira força é considerado o evento mais importante na prática do prāṇāyāma, kriyā-yoga e kuṇḍalinī-yoga. Na verdade, o prāṇāyāma somente começa verdadeiramente com o despertar de suṣumṇā, pois somente após o seu despertar é que o campo prânico se expande completamente. Até que este despertar ocorra, a purificação de iḍā e piṅgalā continua através das práticas.

Após os prāṇas terem sido despertos, o praticante está preparado para executar as práticas de prāṇa-vidyā. Ele deve ser capaz de dirigir o prāṇa quando necessário, não apenas dentro do seu próprio corpo, mas também o poder onipresente manifesto a partir do qual todas as energias se originam. O adepto yogī pode retrair o prāṇa de qualquer área do corpo para que ela suporte o calor, frio ou qualquer outra sensação. Da mesma maneira, ele pode enviar o prāṇa para qualquer área do corpo e torná-la supersensível. Ele pode enviar prāṇa aos olhos e ver distantes objetos, ao nariz e experienciar aromas divinos, ou a língua e saborear paladares imaculados. O yogī utiliza a energia cósmica, disponível a todos, para criar mudanças nos padrões do corpo, mente e consciência. O despertar desta energia prânica indica a evolução do prāṇamaya-kośa, por meio do qual ele é capaz de ir profundamente e se estabelecer nos estados meditativos superiores.


0 comentários:

Postar um comentário