sexta-feira, 16 de maio de 2014




Cura, Sabedoria & Paz


Swāmi Niranjanānanda Saraswatī


O texto é um artigo de Swāmi Niranjan publicado na revista Yoga Magazine em maio de 2000. Segundo a tradição Satyananda Yoga, há três mantras que são muito benéficos para todos os aspectos da vida: mahā-mṛtyunjaya-mantra para saúde e bem-estar, o gāyatrī-mantra para tranquilidade mental e sabedoria e o praṇava oṃ para paz e o despertar espiritual.


Mahā-mṛtyunjaya-mantra: cura e bem-estar

oṃ trayambākaṃ yajāmahe
sugandhiṃ puṣṭivardhanam
urvārūkamivābandhanān
mṛtyor mukṣiya māmṛtāt

om tra-yam-BA-kam ya-jaa-MA-he
su-gan-dhim push-ti-var-dha-NAM
ur-vaa-ru-ka-mi-va ban-DHA-naat
mrit-yor-muk-shee-ya maam-RI-taat

Oṃ, nós veneramos Aquele de Três Olhos (Śiva)
cuja fragrância é maravilhosa e nutre todos os seres.
Como um pepino que cai de seu talo, liberte-nos da morte,
mas não da imortalidade.

Durante o evento de Sītā Kalyanam de 1998, Paramahaṃsajī [i.e. Swāmi Satyānanda] recomendou a todos nós o mahā-mṛtyunjaya-mantra e o gāyatrī-mantra. Ele disse que aqueles que desejam saúde e cura devem cantar o mahā-mṛtyunjaya-mantra pelo menos 24 vezes por dia: eu lhes garanto que se fizerem isso com tamanha concentração, vontade, pureza de coração e sentimento verdadeiro, não há dúvida de que a saúde e a cura vão se manifestar, tanto para você quanto para os outros.

Se perguntarem pelo significado do mahā-mṛtyunjaya-mantra, a maioria das pessoas irão dizer que é um mantra dedicado a Śiva e darão uma definição literal de acordo com o significado de cada palavra. Porém, o mais importante é a vibração que se cria ao vocalizá-lo. No mantra, a combinação dos sons cria uma vibração específica no corpo. Nosso corpo também tem uma dimensão vibratória e todas as células e átomos estão vibrando em harmonia uns com os outros. No momento em que essa harmonia se rompe começa a deterioração do corpo e começamos a morrer. Na morte, as pulsações do corpo param, a atividade das células cessa e a energia vital abandona o corpo.

As vibrações são os sinais manifestos da força vital. Estas vibrações se representam simbolicamente nos cakras ou centros psíquicos. Quando usamos uma combinação de mantras ou sons silábicos, estamos ativando e carregando o potencial destas vibrações que existem em forma inerente no corpo. Utilizam-se algumas vibrações como o oṃ, por exemplo, para alcançar um estado de meditação profunda. A prática do mantra oṃ tem como efeito a internalização da consciência. De um ponto de vista científico, oṃ aumenta as ondas alfa e diminui as ondas beta. Além da internalização da consciência, o foco cresce, o que trás paz e tranqüilidade. Quando usamos uma cadeia de vibrações como o mahā-mṛtyunjaya-mantra, ocorre um realinhamento das perturbações do sistema vibratório.

As doenças e enfermidades podem ser tratadas de forma específica com este mantra. Em nossos aśrams praticamos este mantra de cura todo sábado à noite, acompanhado de um saṅkalpa (resolução, propósito), um sentimento de que os poderes curativos do mantra curem nosso corpo e o corpo daqueles que estão sofrendo.1 Se desejarmos incorporar em nossa rotina prática de mantras o mahā-mṛtyunjaya-mantra, tenha certeza de que ele irá proporcionar cura a nós e todos aqueles que direcionarmos nossa intenção de curativa. Cada sábado pratique pelo menos um mālā para seu bem-estar pessoal e para o de cada pessoa que o rodeia.

Gāyatrī-mantra: sabedoria

oṃ bhūr bhuvaḥ svaḥ
tat savitur vareṇyaṃ
bhargo devasya dhīmahi
dhiyo yo naḥ prachodayāt

om bhoor-bhu-vah SVA-ha
tat-as-vi-tur-va-ren-YAM
bhar-go de-va-sya dhee-MA-hi
dhi-yo yo nah pra-cho-DA-yaat

Oṃ, nos planos físico, da mente e da consciência,
meditemos na divina refulgência
desse vivificador [o sol] formidável.
Que ele ilumine [inspire] nossa inteligência.

Outro mantra que Paramahamsajī recomendou praticar diariamente é o gāyatrī-mantra. Tradicionalmente ele é utilizado para desenvolver a inteligência, conhecimento e sabedoria, assim como expandir a consciência. O gāyatrī-mantra é ensinado para crianças na idade de oito anos, no início de sua educação acadêmica. Com isso se aprofundam a atenção e a percepção, aumentando a capacidade de retenção, memória e inteligência.2

Para o desenvolvimento da consciência, a sabedoria e a compreensão, Paramahaṃsajī recomenda praticar o gāyatrī-mantra 24 vezes todos os dias. Ele nos disse também que não podemos subestimar o poder dos mantras. Não é necessário entender seu significado, mas conectar-se com a vibração que se cria ao recitá-lo. Se vocês forem capazes de se conectar a essa vibração, então, com o tempo também poderão aprender quais são os pontos em que necessitam concentrar-se durante o canto de diferentes mantras. Desta forma, essa prática se converterá em uma valiosa ferramenta para o seu crescimento e desenvolvimento espiritual.

Praṇava oṃ: espiritualidade e o despertar da consciência

O terceiro mantra mais importante é o praṇava oṃ. Ele é a síntese de todos os mantras e conduz a um estado iluminado de consciência. A tradição descreve três formas diferentes de repetição de mantras: em voz alta, sussurrando e mental. A repetição mental é a mais potente, desde que sejamos capazes de manter nossa mente estável, livre de distrações que tirem a atenção da repetição do mantra e livre da sonolência que sobrevém ao se internalizar a consciência. Tudo isso é muito comum que ocorra durante a prática de mantra.

Há uma ênfase na repetição mental. Contudo, caso a mente encontre-se inquieta e instável, nos fazendo perder a consciência do mantra e trazendo sonolência, a tradição nos recomenda começar a sussurrar o mantra de forma a manter a atenção. O sussurro é um simples movimento dos lábios e deve ser ouvido somente por nós mesmos e ninguém mais. Se ainda assim houver adormecimento e não pudermos controlar a introversão da mente, então é melhor vocalizar o mantra em voz alta. Mesmo com a repetição em voz alta, há pessoas que não conseguem manter sua mente tranqüila e concentrada em um ponto. Nestes casos, usa-se um símbolo psíquico como um auxiliar para manter a atenção focada.

Símbolo psíquico

Paramahaṃsajī costumava nos dar o exemplo de um pássaro voando sobre o oceano em busca de algum lugar onde poderia pousar e descansar. O pássaro encontrava então um pedaço de árvore flutuando na água e pousava sobre ele. Depois do descanso o pássaro alçava vôo novamente, mas recordava exatamente a localização daquele pedaço de madeira para próxima vez que dele necessitasse. Este exemplo tem a ver com o uso do mantra na forma de um símbolo psíquico.

O símbolo psíquico pode ser qualquer coisa. Pode ser um ponto, uma figura ou uma imagem na qual nos concentramos e mantemos a atenção (porque o mantra se pratica geralmente na forma mental).

Por exemplo, o símbolo pode ser nosso iṣṭā-devatā (divindade pessoal), que representa uma qualidade da divindade. Pode ser uma imagem que traga um sentimento de segurança ou afinidade, ou ainda um símbolo que não denote nem um estado positivo e nem um estado negativo da mente, ou seja, um símbolo neutro. Ao mesmo tempo, o símbolo pode inconscientemente inspirar a psique, a mente, a realizar o potencial da consciência. Símbolos poderosos são o sol, a figura do oṃ ou um yantra (seja um triângulo, um círculo, triângulos entrelaçados ou uma figura geométrica complexa). Também pode ser a imagem do guru que representa uma fonte de inspiração. Pode ser a imagem de Jesus, um santo, Buda, Rāmā, Kṛṣṇa, Śiva, Devī em suas inúmeras manifestações etc. Pode ser qualquer coisa, porém, não deve estar relacionado a questões pessoais.
Se uma pessoa imagina algum membro de sua família, haverá uma associação emocional que não deveria estar presente. Por isso, é recomendável usar imagens de santos, gurus e avatares, um yantra ou ainda imagens simples como o sol, a lua e as estrelas. Cada pessoa tem um símbolo específico no qual pode se concentrar junto com o mantra.

O mantra se torna a mente e ela se apresenta como um pássaro que voa sobre o oceano. O oceano é a consciência e neste vasto espaço do oceano da consciência é necessário um ponto de apoio, uma base que esteja além das interações sensoriais. O yantra é o pedaço de árvore flutuando no oceano. Quando a mente está cansada de vagar em direções desconhecidas, ela pode voltar e descansar sobre este ponto por alguns instantes até recomeçar seu vôo. Este é o conceito de mantra e yantra.

Não é suficiente a simples repetição do mantra, seja na forma verbal ou mental. O mantra deve ter um fim, um propósito. O poder do mantra deve ser canalizado para um objetivo para que sua energia não se dissipe. Quando a luz está concentrada se transforma em um raio laser. O mesmo acontece com o mantra, deve haver um objetivo ao se executar o mantra-sādhanā. Tradicionalmente se tem associado distintos propósitos para cada mantra, como estamos indicando.

Paz: a base do crescimento espiritual

O canto do mantra oṃ é o mais fácil e simples porque tem um só som: OṂ! O propósito do praṇava-sādhanā [prática espiritual com o mantra oṃ] é transcender a consciência corporal, conectar-se com a consciência cósmica e realizar nosso potencial espiritual. Ao vocalizar o mantra oṃ deveríamos ter o sentimento e a consciência do desenvolvimento espiritual.

Para poder compreender o processo de crescimento espiritual começamos com a paz: ṣāntiḥ. O estado de paz é a base da experiência espiritual. Na ausência de paz interna não pode haver crescimento ou desenvolvimento interior. Essa é a realidade. O propósito do oṃ é despertar o estado de paz interior nos vários níveis da natureza, personalidade e mente.

Talvez seja impossível identificar os diferentes aspectos da mente, mas é possível identificar símbolos que representam distintos estados dela. Estes símbolos são os cakras ou os centros psíquicos. Sempre que entoamos o oṃ, necessitamos focar nossa atenção em diferentes centros psíquicos. Quando entoamos o oṃ três vezes ao começo de qualquer atividade, geralmente a indicação é de se concentrar entre as sobrancelhas. Para aqueles aspirantes que desejam aprofundar seu sādhanā, há três locais onde devem se concentrar durante a visualização de cada oṃ. Estes locais são os três granthis [nós psíquicos] que existem em nosso corpo.

Praṇava-sādhanā

Os estudantes perguntam com frequência por que entoamos o oṃ três vezes no começo e no final da prática, e tenho escutado os instrutores darem diferentes respostas. Alguns dizem que é para paz na dimensão física, mental e espiritual. Outros dão outras explicações, mas a verdadeira razão é a concentração nos granthis.

O Yoga reconhece três granthis ou nós psíquicos em nosso corpo. O primeiro é brahma-granthi, o nó de Brahma (energia da criação) localizado no mūlādhāra-cakra. Quando fizer a primeira vocalização do oṃ sempre leve sua atenção ao mūlādhāra-cakra. O mūlādhāra é o responsável pela criação. O segundo nó é o viṣṇu-granthi no anāhata-cakra. Quando vocalizar pela segunda vez, leve sua consciência para o anāhata. O terceiro é rudra-granthi ou o nó de Rudra, aquele que transforma, destrói e representa o renascimento da consciência. Quando entoar o oṃ pela terceira vez, direcione sua atenção ao ājñā-cakra, o ponto entre as sobrancelhas.

Essa é uma maneira de potencializar a prática do oṃ quando três vezes entoado e os instrutores de Yoga deveriam ter isso em mente. Faça uma pausa de pelo menos cinco segundos em cada um dos três cakras e esteja consciente da luz ali. Com o tempo, a qualidade de sua experiência vai mudar. Pode levar uma semana ou um mês, mas você notará a diferença.

Quando entoamos o oṃ sete vezes, a instrução geral para os novatos é concentrar-se no ājñā-cakra. Mas para os mantra-sādhakas [iniciados que executam anuṣṭhana-mantra-yoga], cada vocalização do oṃ pode ser realizada nos sete cakras, com uma pausa de cinco segundos em cada cakra. Existem diferentes formas de entoar o oṃ. Normalmente as pessoas só usam os sons O e Ṃ, mas isto só induzirá a um efeito.

Algumas pessoas praticam-no como A-U-Ṃ. Quanto se vocaliza três vezes nos cakras mūlādhāraanāhata e ājñā, usa-se somente o oṃ. Quando se vocaliza por sete fôlegos usa-se o auṃ. No kriyā-yoga ainda utiliza-se o oṃ de outra maneira: faz-se um O explosivo seguido de um Ṃ longo (mmmmm). Essas variações produzem uma grande diferença em nossa prática e na qualidade de nossa experiência.

Tradução livre de Fernando Liguori.


Notas do tradutor:

1. O mahā-mṛtyunjaya-mantra é o canto devocional dedicado a Rudra (Śiva) mais antigo do Ṛg-Veda (VIII: 61.12), atribuído ao ṛṣi Vasiṣta, o mais notório de todos os sábios védicos. Ele significa o grande (mahā) meio de conquistar (jaya) a morte (mṛtyu). É o mantra védico mais importante para curar o corpo e a mente, bem como para lidar com toda negatividade e sofrimento possíveis na vida, seja proveniente de outras pessoas, animais selvagens, as forças da natureza ou as forças espirituais. Embora seja um hino mântrico dedicado a Rudra-Śiva, ele é a personificação do yajña, o sacrifício védico, o qual externamente é o movimento kármico do universo e, internamente, é o movimento yogī da transformação da mente e coração da escuridão para luz. Recitar este mantra ajuda a remover karmas negativos, principalmente àqueles que se devem às influências planetárias de Saturno. Também promove o despertar da kuṇḍalinī ou fogo prânico mais elevado. Como yajña, este mantra é associado ao ritual de fogo (homa ou agni-hotra).

2. O gāyatrī é o mantra mais conhecido e praticado de todos os mantras védicos. Como diz a Bhagavadgītā (X: 35): das métricas, eu sou o gāyatrī. Ele aparece pela primeira vez no Ṛg-Veda (III: 62.10) e seu nome é formado pelas raízes verbais gai, que significa louvar e trai, que significa salvar, indicando aquilo que, ao ser cantado, leva à salvação. Seu cantar tem sido a pedra angular da evolução espiritual na cultura védica desde tempos imemoriais. Por milhares de anos, todos os que renasceram (dvijas) na verdade da unidade da consciência cantam e meditam nele três vezes ao dia (tri-sandhya): na alvorada, ao meio-dia e ao crepúsculo. Isso é feito, indistintamente, por todos os brâmanes e iniciados no hinduísmo, sejam eles vaiṣṇavas, śaivas, śāktas ou smartas (advaitas). O nome gāyatrī indica um tipo específico de métrica védica, constituído de 24 sílabas organizadas em um terceto de oito sílabas cada. Todas as deidades de adoração (iṣṭā-devatā) possuem seus respectivos mantras gāyatrīs (Rudra-gāyatrī, Viṣṇu-gāyatrī, Devī-gāyatrī etc.), e sua adoração seria incompleta sem cantar ou meditar no gāyatrī.



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