sábado, 26 de julho de 2014



Fernando Liguori


O Tantra nos oferece um caminho de autoconhecimento e evolução, em direção à nossa natureza espiritual, sem dogmas e preconceitos contra as coisas naturais da vida.

Este caminho denominado sādhanā somente nos pede como ingresso uma visão crítica e madura da vida e de suas relações com as coisas da alma e do corpo. Ele nos ensina que o Universo é um grande holograma fractal, onde o Todo é idêntico às suas partes. O macrocosmos é igual ao microcosmos e o que está em cima é o reflexo maior do que está embaixo.

A perda desta identidade foi devido à sobreposição da mente sobre a consciência do Ser Real, que passa a se confundir com o corpo e com o ego, passando a ver o mundo pelo véu da ilusão. Entretanto, este ato ilusório não foi um acidente de percurso, mas a forma pela qual podemos viver a experiência da manifestação no mundo das formas, que cria a multiplicidade e a individualidade. Tal como o ser humano precisa sonhar para jogar fora um pouco das experiências do estado de vigília, assim o Absoluto vivencia seu grande sonho cósmico.

A recuperação da identidade e da unicidade é o caminho da volta de um acordar conquistado pelo livre-arbítrio que conduz a consciência para além dos limites da mente e dos sentidos cognitivos. Neste caminho, o Tantra e seus rituais ensinam o como sem impor nenhuma restrição dogmática, o que lhe confere o rótulo de via áurea, a via em que prevalecem o discernimento «viveka» e a coragem, o saber e o sentir, o amor e a doação. Nesta via não há espaço para o certo e errado, bom e ruim, bem e mal. Os pares de opostos se dissolvem na visão do dharma, que nos mostra a perfeição que rege a manifestação.

O sacramento do maithuna que soa para muitos como um sacrilégio profano, é em verdade a real forma de união «yoga». É impossível a união com o Divino se o que Dele temos é uma imagem equivocada. Īśvara, Īśvarī, Deus, seja lá qual a designação dada ao Absoluto Pai-Mãe, este ser é perfeito e se desejarmos atribuir a Ele um atributo, este será o amor.

Este Ser perfeito manipula o Todo (Universo, Cosmos) com maestria, gerenciando o micro e o macro com a mesma lei, a lei do dharma, cujo reflexo mais importante é a dinâmica do karma, que constrói, dissolve e reconstrói.

Esta lei, do ponto de vista do Absoluto, é Perfeição. Mas quando observada do ponto de vista do relativo, que está individualizado e revestido pela ilusão «māyā-vidyā», que oculta a Verdade gerando a ignorância, parece ser brutal. Assim, as espécies conflitam, as galáxias se chocam e o buraco negro absorve o Cosmos para purificá-lo com o alento de Śiva, e começar uma nova criação.

Essa visão ampla da realidade é o Tantra, e seus rituais a descortinam elevando o praticante ao nível do divino pela dissolução de suas amarras, a maioria das quais gerada pela visão pequena do Divino e da lei do dharma. Os rituais tântricos podem parecer heréticos, entretanto, isso não se deve ao ritual em si, mas à forma com que as pessoas decodificam as coisas da vida. Quando a maldade faz parte da mente uma minissaia fere o pudor.

Assim, não existe cópula profana. São as pessoas que devem reaprender a amar sem o sentimento profano. Portanto, a verdadeira cópula é sempre um sacramento, e como tal deveria ser realizada em todas as ocasiões independentemente das circunstâncias.

Muitos dos elementos que compõem os rituais tântricos soam estranhos ou exóticos para a maioria dos homens civilizados, tal como a ingestão de sangue menstrual misturado com secreções vaginais, e ritos sexuais em campos de cremação, além de outras práticas consideradas bizarras. Entretanto, existe certa psicologia por detrás destas manipulações ritualísticas, que ensina ao postulante tântrico algo que ele necessita descobrir. Aquele que queira descobrir o que é, aconselhamos uma séria ponderação a este respeito, pedindo sempre que se lembre que qualquer juízo baseado em ideias preconcebidas pode estar errado na grande maioria das vezes.

Na medida em que o Tantra é compreendido, o estudante vai gradativamente conhecendo as amarras de sua estrutura mental, até o ponto em que despido dos velhos paradigmas chega descobrir a Verdade.

O conceito de homem civilizado possui inúmeros pressupostos equivocados, pois é este ser, dito civilizado, quem tem a maior responsabilidade pelas mazelas sociais, e pela destruição das espécies mais frágeis do planeta. Portanto, sua sapiência é discutível frente à gigantesca espiritualidade e simplicidade dos verdadeiros sábios. Enquanto muitos ditos sábios de várias tradições querelam e disputam entre si esdrúxulos conceitos e técnicas sobre como fazer isto ou aquilo, o tântrico sorri e segue seu caminho de prazer e comunhão sem restrição disto ou aquilo.

Mas o assunto é muito vasto e ainda existem muitas questões a serem analisadas e refletidas acerca do tantrismo, que somente a experiência individual pode responder. Por isso, a proposta do Tantra é a vivência humilde, mas gloriosa do ritual e de sua magia, como uma forma de sentir a vida e a relação entre cada um de nós e a hierarquia presente no Cosmos.


A mensageira dessa relação é a Deusa, a figura feminina que não é uma metáfora, mas a presença real da consciência dinâmica da manifestação em nós. Embora a Deusa seja uma imagem antropomorfizada na figura da mulher, ela não é uma mulher, mas a vibração oposta àquela denominada masculina, que também não representa o homem. Essa vibração dita feminina «kula» está presente no coração da manifestação do Cosmos «akula» e em particular é responsável pela vida em todos os aspectos, formas e aparências. Ela está no homem e na mulher, nos animais e vegetais, nos cristais e nas estrelas que formam as galáxias, que formam o Cosmos, que forma a grande hierarquia divina. Como o Todo e a unidade, ela é a kuṇḍalinī-devī.

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