segunda-feira, 4 de agosto de 2014



. quarta parte .


Fernando Liguori


[Satsanga realizado durante os nove meses do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto Kaula em 2011.]


A função de manas

A função de manas, que todos chamam de mente, é saṅkalpa e vikalpa, quer dizer: vontade e dúvida. A manifestação de manas é percebida através dos pensamentos. Os pensamentos que nos ocorrem são criados por manas. Seja lá o que pensemos, é manas que está agindo, assim como quando escrevemos, utilizando as mãos, a caneta e o papel. Quando estas três coisas se unem a escrita nasce. Da mesma maneira, os pensamentos são criados continuamente em manas.

Manas está diretamente conectada aos sentidos. Ahaṃkāra, citta e buddhi não estão diretamente conectados aos sentidos, mas manas sim. Tudo o que vemos cria automaticamente um pensamento. Tudo o que tocarmos será imediatamente reconhecido por manas. Todas as sensações: calor, frio, peso, leveza etc. são percebidas por manas.

Como manas está diretamente conectada aos sentidos, cada um deles é responsável pela criação de um pensamento, que pode ser claro ou confuso. Quando o pensamento é claro ele é conhecido como saṅkalpa. Neste estado, manas possui direcionamento e clareza, agindo de maneira correta e apropriada. O mesmo pensamento, se não for claro, irá criar dúvidas e questionamentos. Isso é uma clara indicação que não existe direcionamento ou foco. Essa é uma expressão vikalpa da mente. Portanto, saṅkalpa e vikalpa são as duas funções de manas: vontade e dúvida, clareza e dispersão, criticidade e comparação.

Vocês já devem ter ouvido falar da história sobre a competição dos arqueiros no épico Mahābhārata. O guru Droṇācārya estava ensinando a arte do arco e flecha aos seus discípulos, membros das famílias Kaurava e Pāṇḍava. Um dia ele decidiu testá-los. Colocou um pássaro de argila no galho mais alto de uma árvore e disse a seus estudantes que eles deveriam acertar seu olho. Chamando um a um, ele pedia que empunhassem o arco e esticassem a corda. Quando estavam preparados ele perguntava: «o que você vê?» Uns diziam «eu vejo a árvore», outros diziam «eu vejo as árvores, o céu, as folhas, a floresta». Para cada uma dessas respostas Droṇācārya dizia: «abaixe o arco e a flecha, o teste acabou». Quando foi a vez de Arjuna a resposta foi: «eu vejo somente o olho do pássaro». Ouvindo isso o guru disse «atire a flecha» e ela acertou o olho do pássaro.

Essa história demonstra a ação de saṅkalpa e vikalpa na mente. Droṇācārya pediu que seus alunos atirassem no olho do pássaro, o que indica que eles deveriam estar alerta, deveriam unidirecionar à energia da mente focando-a no olho do pássaro. Apenas os alunos mais brilhantes poderiam compreender as instruções do mestre. Arjuna era brilhante e pensou: «o guru me instruiu a atirar no olho do pássaro, nada mais existe». Os outros pensaram: «essa é mais uma daquelas competições, só o que devemos fazer é atirar». Isso é vikalpa, confusão, dúvida. A mente de Arjuna era clara, focada e concentrada. Isso é saṅkalpa. Ele viu o alvo e conectou sua mente a ele. Nessa percepção unidirecionada, ele não via a árvore, suas folhas ou a floresta; sua mente estava firmemente conectada ao alvo.

Nossa mente é estável e focada? Nós conseguimos controlar nossos pensamentos? Uma breve análise provará que não. Nos sentamos para meditar e a mente viaja até a praia. Tentamos trazê-la de volta, mas depois de algum tempo ela foge novamente até a praia, em busca de comida, nos familiares, acontecimentos da vida etc. Então tentamos trazê-la de volta. Isso significa que os estados de saṅkalpa e vikalpa são constantes em nossas vidas.

O gerenciamento de manas através de pratyāhāra e dhāraṇā

Os métodos para gerenciar saṅkalpa e vikalpa são pratyāhāra e dhāraṇā. Estas são as duas técnicas do pātañjala-yoga para organizar as funções de manas. Na Bhagavadgītā, quando Arjuna pergunta a Śrī Kṛṣṇa como é possível controlar a mente, ele responde: «recolhendo a mente da mesma maneira que uma tartaruga recolhe seus membros para dentro do casco». O exemplo da tartaruga é muito oportuno, pois ela recolhe seis membros: as quatro patas, a calda e a cabeça. Da mesma maneira, nós devemos recolher os cinco sentidos mais a mente. É necessário recolher os sentidos pois eles estão diretamente conectados aos objetos, o que cria a identificação com o mundo. Assim, no intuito de recolher os sentidos praticamos pratyāhāra.

Os ensinamentos sobre pratyāhāra aparecem tanto na Bhagavadgītā quanto no Yogasūtra. Essas escrituras trazem o mesmo ensinamento sobre o tema: a necessidade de se recolher os sentidos para que a mente deixe de ser inquieta. Não é necessário negar os objetos dos sentidos, mas ao contrario, nos tornamos livres deles para que a mente se torne estável e quieta. Não devemos negar os objetos dos sentidos, os desejos ou as paixões. Devemos apenas observar e identificar com a finalidade de redirecionar sua energia. O método para esse redirecionamento é pratyāhāra.


Ahaṃkāra, buddhi, citta e manas foram definidos separadamente como quatro funções distintas da mente, mas de alguma maneira, todas essas funções estão conectadas entre si. Portanto, não devemos pensar que manas está completamente a parte de ahaṃkāra, buddhi ou citta. Não devemos nos enganar pensando que essas funções não operam juntas, integradas. Essa compartimentação foi criada para facilitar o entendimento dos estados de existência, sua relação com a vida e as experiências do dia-a-dia. Mas em verdade não existe uma divisão clara. Assim, essa divisão só pode ser identificada apenas por conta da função de alguma qualidade particular da grande mente.

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