sábado, 23 de agosto de 2014




Fernando Liguori


O que é a concentração? É o unidirecionamento da mente. É a habilidade de manter a mente focada em um objeto sem nenhuma oscilação no fluxo da consciência. O aperfeiçoamento da concentração (dhāraṇā) culmina na meditação (dhyāna). No estado de concentração pura, a mente não perambula pelo meio ambiente ou objetos periféricos que circundam o objeto de concentração.

Por que a concentração é tão poderosa? Isso pode ser ilustrado comparando a mente de uma pessoa comum a uma lamparina. Os raios de luz que saem da lamparina são projetados em todas as direções. A energia se propaga. Se nós nos afastarmos cinco metros da lamparina ainda veremos a luz que ela emana, mas não sentiremos seu calor, mesmo que haja grande calor no centro da lamparina, no fio da vela. Da mesma maneira, a mente de uma pessoa comum possui grande poder em forma potencial, mas ele é dissipado em várias direções. A mente pensa em diferentes coisas, uma atrás da outra, sem se focar com profundidade em nenhum objeto. A mente comum não utiliza seu potencial máximo, i.e seu poder. O poder da concentração também pode ser ilustrado pelo exemplo do laser. Para que o laser possa ser produzido, todos os raios de uma mesma fonte de luz são alinhados para que viajem na mesma direção. Eles vibram em harmonia e são dirigidos em unissonância. A fonte de luz do laser não precisa ser maior ou mais potente do que a chama da vela da lamparina, e se estivermos a dez metros da fonte de luz do laser seu raio pode abrir um buraco em nosso corpo. Esse é o poder concentrado da luz.

Exatamente da mesma maneira, o pensamento concentrado tem o poder da percepção refinada e da intensa capacidade de ver as verdades além dos fenômenos. Uma mente concentrada faz o impossível, assim dizia Swami Satyananda Saraswati.

Uma mente concentrada é uma mente relaxada. Quando estamos imersos em determinados afazeres, nos concentramos de tal maneira que automaticamente começamos a relaxar e acalmar a mente enquanto completamos a atividade.

Portanto, no que concerne a meditação, é absolutamente necessário que exista um intenso, mas relaxado estado de concentração para que a mente não vagueie a esmo em todas as direções.

Compare a mente de uma pessoa comum a um gatinho. O gatinho corre atrás de uma bola de lã por alguns segundos. Depois, começa a correr atrás de seu próprio rabo por mais alguns segundos. Após se cansar, vai de um quarto ao outro da casa sem nenhuma intenção aparente. Em seguida, faz mais algumas travessuras pela casa. Nossa mente, sob circunstâncias normais, se comporta exatamente desta mesma maneira errática. É apenas pela prática e a compreensão de que necessitamos mudar nosso nível de consciência que nos tornamos mais concentrados.

Nossa mente pula de eventos em eventos sem manter o foco de percepção da consciência. Quando direcionamos o foco mental a um objeto, a mente permanece confinada nos limites de sua concentração e isso interrompe seu envolvimento com outros objetos que nos impedem de ver o foco de nossa concentração em sua forma verdadeira. Simultaneamente a mente se tranqüiliza, o que permite que a consciência iluminada brilhe. Quando isso ocorre, nos tornamos capazes de compreender o significado mais profundo que jaz além dos fenômenos da vida.

Vamos discutir sobre algumas práticas que desenvolvem a concentração.

Visualização pura (dhāraṇā)

Este é o tipo mais comum de prática meditativa e a parte mais importante de todos os sistemas religiosos. Geralmente conhecida como concentração, esta prática pode ser realizada de muitas maneiras diferentes. O objeto a ser visualizado pode ser qualquer um dos centros energéticos (cakras) localizados no corpo como o cidākāśa (o espaço do ājñā-cakra), o hṛdayākāśa (o espaço do anāhata-cakra) ou o daharākāśa (o espaço do mūlādhāra-cakra) ou qualquer forma que esteja externa e na frente do corpo.

A concentração também pode ser estabelecida nas diferentes partes do corpo, no processo físico e tranqüilidade corporal ou no relaxamento das tensões. O processo respiratório também é utilizado em muitas técnicas meditativas como suporte de concentração, principalmente em práticas como maṇipūra e anāhata-śuddhi contidas na lição Mantra Siddhi Yoga.

Qualquer objeto pode servir de base para concentração. O mais importante é que ele tenha algum significado para o praticante e que ele utilize o objeto dia após dia em suas práticas meditativas. O objeto deveria surgir em sua psique na forma de concentração pura espontaneamente e para muitos aspirantes ele simbolizará a totalidade da existência na forma única e significativa do iṣtā-devatā.

Objetos para concentração

Para muitas pessoas, o objeto utilizado nas práticas meditativas muitas vezes aparece na forma de visões ou sonhos. Estes são os melhores! Outras pessoas, contudo, possuem dificuldade até em criar uma forma apropriada de si mesmas. Para auxiliar estas pessoas encontrarem seus próprios símbolos psíquicos nós incluímos a lista que se segue. São apenas exemplos. Existe um infinito número de objetos, cenas, sons apropriados e símbolos que podem ser usados para visualização.

Portanto, na finalidade de encontrar seu próprio símbolo, nós aconselhamos que o praticante iniciante siga esta lista de forma sagaz e penetrante, mas ligeira. Talvez algum item da lista chame a atenção por ser favorável, talvez não. Mesmo que não encontre um símbolo favorável nesta lista, acreditamos que muitas das idéias que incluímos irão reorganizar sua memória e orientar sua imaginação. Isso irá auxiliar que o símbolo correto se precipite na mente espontaneamente, mais ainda nos períodos de relaxamento completo.

·         Deuses, santos, pessoas e partes do corpo: Viṣṇu, Śiva, Brhamā, a trimurti, Rāma, Rādhā, a bela Sītā, Saraswaī tocando música, Pārvatī, Arjuna na carruagem, o pássaro Garuḍa com as asas abertas, Sarada Devī, Gaṇeśa, Hanumān, Lakṣmī, Durgā sentada no tigre, Kālī com o colar de esqueletos, Jehovah, Zarathustra, Jesus Cristo, Buda no lótus, Abraão o judeu, Lao-tze, Confúcio, Moisés sobre a montanha, Milarepa, Naropa, o Papa, Madre Tereza de Calcutá, Swami Sivananda e outras deidades, santos, gurus. Seu pai, sua mãe, sua esposa, marido, filho, filha, amigo. O olho, a mão em mudrā, os pés de lótus de um mestre, a ponta do nariz, o centro entre as sobrancelhas.
·         Objetos sagrados: Śiva-linga, tridente de Śiva, o jyoti sempre ardente (lamparina), a cruz em suas muitas formas, uma mālā, um altar, uma bela catedral com o sol transpassando seus vitrais, a eucaristia, o cálice, a oração, um candelabro, a estátua de um Buda feliz, o estatuário tântrico, a Vênus, as colunas gregas, o símbolo da lua crescente.
·         Aspectos e fenômenos: Uma igreja, um santuário, uma sublime catedral gótica, as pirâmides do Egito, uma grande mesquita, um monastério, um aśram, um templo vermelho e dourado, uma mansão, uma montanha sagrada, planícies, desertos, um oásis, árvores, as flores de um jardim, a vista do topo de uma montanha, um profundo e negro reservatório de água, uma piscina de água.
·         Coisas vivas: Um elefante, um antílope, um leão protegendo seu reino, um tigre na espreita, um macaco, uma vaca branca pastando, um pequeno pássaro, um flamingo, uma borboleta, um cavalo-marinho, uma estrela do mar, um lótus amarelo, uma rosa vermelha, uma tulipa branca.
·         Cores e formas: o vermelho, o azul celeste, o azul claro do céu de um dia ensolarado, o verde da grama, amarelo, índico, laranja como a vestimenta de um renunciante (saṃnyāsi), o branco, o negro, o púrpura, a luz do sol de um dia quente, a lua cheia, o pôr-do-sol, um triângulo invertido, um pentagrama, um hexagrama, os bījā-mantras em sânscrito, os cakras, as nāḍīs iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, as nāḍīs se interconectando nos cakras, radiantes de prāṇa.

Trāṭaka

Essa técnica é discutida no capítulo 7 (veja abaixo, p. 46). É a prática mais poderosa para se desenvolver a concentração na medida em que a mente é dirigida a um objeto externo ou interno. É um método excelente para o desenvolvimento da visualização interior, i.e. a habilidade de ver e sustentar a imagem clara do objeto que se encontra na frente dos olhos fechados.

Recomendações gerais

Não se desaponte se está encontrando dificuldades nestas técnicas. Isso acontece com muitas pessoas. A maioria de nós está usualmente pensando nos termos das palavras que esquecemos nossa habilidade de visualizar. É para quebrar essa limitação em nossas vidas que estas técnicas meditativas foram designadas. Muitas pessoas caminham pelos acontecimentos da vida como se estivessem em um sonho. Elas vêem os objetos ao seu redor, embora verdadeiramente não consigam enxergar. Por exemplo, nós olhamos para uma árvore, observamos todos os seus detalhes, mas não os registramos no cérebro. É somente quando o objeto é observado com profundidade de significado que podemos registrar sua forma, características etc.

A concentração não envolve nenhum tipo de tensão. Isso parece contraditório para muitas pessoas, pois elas automaticamente associam a concentração com algum tipo de esforço. Como estudamos no módulo II (capítulo 1), a tensão existe por algum tipo de conflito mental. Quando assumimos uma postura meditativa e empregamos esforço para nos concentrar, estamos criando um conflito interior, pois a concentração somente ocorre após um estado de relaxamento.

A real experiência meditativa somente ocorre espontaneamente através da concentração profunda e da mente completamente relaxada. Não lute contra a mente. Meditação, que é liberdade e êxtase, não pode criar raízes em uma mente tensa e manipulada. Assim, treine a mente, influencie sua mente e evite contendas com ela.

Quando você praticar estas técnicas, não espere adquirir maestria sobre elas da noite para o dia. Se você consegue, tenha certeza de que é uma pessoa afortunada. Para muitas pessoas é necessário estimular as atividades inconscientes e adestrá-las para que formulem imagens (símbolos psíquicos). Isso leva tempo, mas eventualmente, quem sabe depois de alguns dias ou semanas, dependendo da intensidade com a qual você praticou estes exercícios, o inconsciente produza automaticamente a imagem que necessita. Com paciência você alcançará o sucesso.

Visualizações simples
Técnica 1: Associação de idéias
Escolha um objeto agradável como um cachorro ou uma bela imagem.
Se concentre no objeto (vamos dizer que seja o cachorro).
Não tente manter a sua mente completamente absorvida no cachorro, mas nos objetos relevantes e idéias que se relacionam com o cachorro. Contudo, sempre mantenha o cachorro como foco central de sua concentração. Não deixe que sua mente vagueie para uma linha de pensamento completamente irrelevante.
Pense na forma do cachorro. Pense em diferentes tipos de cachorro. Deixe que sua mente esteja focada no tema central da prática, o cachorro. Pense na comida que alimenta o cachorro. Pense no relacionamento íntimo que existe entre o cachorro e o homem. Retorne ao tema central, o cachorro. Associe as mais variadas idéias sobre cachorro. Não deixe que sua mente pense em mais nada que não seja o tema cachorro.
Duração: Tente executar esta prática por dez minutos todos os dias.
Benefícios: Este é um método excelente para desenvolver o poder de controlar o fluxo de idéias e pensamentos. É uma técnica inestimável para treinar a mente a seguir e fixar a associação de idéias ao invés de pular de um pensamento ao outro de forma incoerente e sem conexão. Portanto, é útil no treinamento da mente para meditação, bem como para cada atividade diária.
Nota prática: Outros objetos podem ser escolhidos na medida em que você esgotar completamente a exploração do atual símbolo psíquico.

Técnica 2: Recordação por visualização
Relembre de quando andava em direção a casa de um amigo. Visualize, com os olhos fechados, os muitos detalhes da jornada que empreendeu até a casa de seu amigo.
Como eram as casas no caminho? Tente se lembrar de cada casa, de cada carro estacionado, das pessoas que passaram por você e daquelas que lhe cumprimentaram.
Visualize e reviva cada detalhe (pausa).
Agora, abra os olhos.
Observe com atenção cada detalhe do ambiente em que se encontra.
Feche os olhos. Visualize cada objeto percebido com os mínimos detalhes.
Repita o processo (pausa).
Agora, mentalmente conte de 1 a 20 e veja cada número como uma imagem na frente de seus olhos fechados, na medida em que processa a contagem.
Duração: Tente executar esta prática por dez minutos todos os dias.
Benefícios: Essa técnica é útil para desenvolver a consciência profunda do ambiente que nos cerca e para aumentar a memória. Desenvolve o poder da concentração, recolhimento e visualização interna.
Nota prática: Essa técnica pode ser executada em qualquer ambiente: no trem, no ônibus ou qualquer situação em que a mente esteja desocupada dos afazeres da vida. Em conjunto com a técnica da escrita psíquica (apostila II, p. 32), essa prática garante um aprofundamento no trabalho de visualização interior.

Técnica 3: Contração e expansão do panorama visual
Observe uma figura com uma magnífica paisagem e um objeto no centro. A cena verdadeira pode ser usada também. Para isso, estude a cena por algum tempo até que esteja completamente familiarizado com seus detalhes.
Feche os olhos e visualize a mesma imagem internamente.
Tente ver claramente a imagem interior.
Progressivamente, retire o pano de fundo da imagem. Por exemplo, remova o céu, as árvores, os pássaros e qualquer outro objeto que circunde o tema central da cena.
Mantenha consciência apenas no objeto central da imagem sem o pano de fundo. Mantenha sua consciência total no objeto (pausa).
Agora, reconstrua a cena completamente na ordem inversa. Recoloque os pássaros, as árvores, o céu etc.
Eventualmente você deverá ver a cena como anteriormente.
Benefícios: Essa técnica é útil para desenvolver a concentração e a memória.

Técnica 4: Propósito consciente da visualização
Feche seus olhos. Observe o espaço vazio na frente de seus olhos fechados.
Pense em qualquer objeto e tente formar uma imagem dele. Após algum tempo, pense em outro objeto e novamente construa uma imagem dele.
Continue dessa maneira por algum tempo.
Você pode escolher qualquer objeto: uma caneta, um cisne, um candelabro, uma árvore etc.
Duração: Essa técnica pode ser executada em qualquer hora do dia.
Benefícios: Essa técnica desenvolve o poder da visualização interior.

Técnica 5: Contração e expansão do ponto de vista
Escolha um objeto que contenha uma cavidade. Pode ser um armário, caixa de fósforos, caixa de lápis etc.
Primeiro, imagine que você se encontra dentro do objeto. Você reduziu seu tamanho na medida em que se encontra no ponto central do espaço fechado.
Veja o interior do objeto de seu ponto de vista. O que você vê?
Continue por alguns minutos observando tudo desde este ponto de vista.
Agora, expanda seu ponto de vista além dos limites do objeto escolhido.
Veja o objeto de diferentes ângulos (pausa).
Novamente, reduza seu tamanho até se encontrar no centro do espaço fechado.
Repita essa expansão e contração por alguns minutos.
Quando atingir proficiência na prática com um objeto, escolha outro.
Benefícios: Essa técnica desenvolve o poder da imaginação e concentração.


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