terça-feira, 26 de agosto de 2014



Swāmi Satyānanda Saraswatī


Conferência proferida no Seminário para Professores do Yoga em Collbato, Espanha.


A ciência do yoga não trouxe qualquer surpresa para o mundo, mas deu ao homem a esperança de despertar o potencial que está latente em seu interior. Quando o homem estava absorto na ignorância, apenas pensava e se identificava com a parte material de sua existência – o corpo, a mente e as emoções. Ele foi aprisionado no reino de dores e prazeres. Mas parece que a consciência universal está tomando seu caminho de volta e o homem está gradualmente se tornando mais preocupado com a descoberta de sua verdadeira natureza e os meios pelos quais ele pode conseguir este objetivo.

O homem está tão habituado a se identificar com o corpo e a mente que é muito difícil transcender este nível de consciência e perceber ou experimentar a sua consciência superior. Como podemos separar a consciência da natureza inferior e enxergar nossa conexão com aquilo que é mais profundo e superior? É somente através do despertar espiritual de nossa energia adormecida, a kuṇḍalinī, que podemos alcançar este fim. E o yoga tem um método gradual e sistemático para o despertar da kuṇḍalinī que tem sido praticado e aperfeiçoado ao longo das eras.

De acordo com as escrituras, o haṭha-yoga desempenha um papel muito importante no despertar da energia espiritual. Assim como em um automóvel deve haver harmonia entre o funcionamento dos freios, acelerador e direção etc., em nosso corpo os diferentes sistemas também devem funcionar em harmonia. Haṭha-yoga significa equilíbrio entre as duas principais formas de energia no corpo físico.

Harmonização das forças energéticas

As duas energias são a energia lunar, representada pela sílaba «ha» e a energia solar, representada pela sílaba «ṭha». Do ponto de vista científico, a energia lunar corresponde às funções mentais e é composta pelo pensamento, raciocínio, memória e análise. A energia solar, por outro lado, engloba a locomoção, o movimento e a vida. Os processos de respiração, digestão, secreção, circulação e concepção estão nos domínios da energia solar.

Quando há harmonia entre as funções mentais e prânicas, o yoga torna-se rápido e suave. No entanto, essa harmonia ocorre raramente. Na maioria das pessoas, a energia solar ou a lunar predomina em maior ou menor proporção. O excesso de energia solar manifesta rajo-guṇa e se a energia lunar predomina, tamo-guna se manifesta. Quando a energia lunar é fraca e a energia solar é poderosa, o homem torna-se agitado, violento e esquizofrênico. As pessoas são sensuais por causa da energia solar em excesso. Inversamente, quando a energia lunar é mais poderosa, o homem cai nos reinos da depressão ou frustração. Portanto, se você deseja a harmonia entre as duas forças, deve manter um equilíbrio entre frustração e depressão, agressividade e ação.

Estas duas energias no corpo devem ser conhecidas como mente e vitalidade. Na terminologia moderna chamamos de sistema simpático e parassimpático e eles controlam o funcionamento de todo o corpo. Um desequilíbrio entre estes sistemas pode levar alguém ao confinamento em um hospital psiquiátrico ou uma estadia na prisão. Por outro lado, o equilíbrio resulta no despertar das energias mais elevadas.

Purificação das nāḍīs

De acordo com as escrituras do haṭha-yoga, existem 72 mil nāḍīs ou circuitos de fluxo no corpo humano. Elas controlam todas as funções corporais. Destas 72 mil, iḍā e piṅgalā são as mais importantes. Piṅgalā-nāḍī carrega a energia solar ou o fluxo de prāṇa-śakti e iḍā a energia lunar ou citta-śakti. Estas duas nāḍīs seguem o fluxo da medula espinhal, iḍā do lado esquerdo e piṅgalā à direita. Em diferentes centros ao longo da medula espinhal, iḍā e piṅgalā se espalham para os vários órgãos do corpo. Vamos usar a estação de energia elétrica como uma ilustração. Os fios de alta tensão deixam a estação principal e a corrente é reduzida na estação transformadora, pontos para distribuição até às tomadas domésticas.

Da mesma forma, iḍā e piṅgalā carregam uma alta quantidade de energia para os cakras, onde é transformada em uma tensão mais baixa. Desta forma, o fluxo de energia mental e prânica é distribuído para diferentes partes do corpo. Se as nāḍīs não fluem livremente, ocorrerá fraqueza mental ou física. Por conta do pensamento excessivo e inútil, as nāḍīs são geralmente fracas, impuras e incapazes de conduzir de forma eficiente a śakti prânica e mental para os vários órgãos do corpo. Assim, uma importante função do haṭha-yoga é a purificação das nāḍīs.

Além de iḍā e piṅgalā-nāḍīs, há outra nāḍī muito importante que atravessa o centro da medula espinhal. Ela é chamada de suṣumnā e conduz uma forma mais refinada de energia. Poderíamos dizer que enquanto iḍā e piṅgalā conduzem energia terrena, o fluxo de energia na suṣumnā é de natureza cósmica. Considerando que as energias prânica e mental são finitas, a energia cósmica da suṣumnā é infinita. Portanto, o objetivo principal do haṭha-yoga é conectar este corpo finito com essa fonte infinita.

Então, agora chegamos ao entendimento de que o haṭha-yoga não é um yoga físico, mas uma prática realizada no corpo físico. As purificações, āsanas, prāṇāyāmas, mudrās e bandhas não devem ser considerados como um yoga físico.

O objetivo dos āsanas e prāṇāyāmas

Embora as pessoas pratiquem āsanas para o tratamento de doenças, este não é o seu propósito real. É apenas um benefício ou efeito colateral. Yogāsanas são uma preparação importante para o kuṇḍalinī-yoga porque provocam um despertar suave nos cakras. Quando eu morava com meu guru, Swāmi Śivānanda, costumava digitar seus textos sobre yoga. Quando ele disse que sarvāṅgāsana desperta o viśuddhi-cakra, bhujaṃgāsana o maṇipūra-cakra e śīrṣāsana o sahasrāra-cakra, eu não acreditei. Pensei que era bobagem até que um dia swāmijī explicou como um despertar suave ocorre em cada cakra quando praticamos as posturas.

Pela prática de prāṇāyāma organizamos adequadamente a energia prânica no corpo. Fornecemos prāṇa para as áreas onde há uma escassez e equilibramos o excesso em outras áreas. Portanto, o prāṇāyāma fornece e equilibra a energia prânica em diferentes dimensões do corpo.

Às vezes estamos relaxados e o prāṇa se encontra no sistema digestivo; às vezes estamos comendo e o prāṇa está no cérebro. Quando precisarmos de prāṇa no mūlādhāra ou no sahasrāra, devemos ser capazes de fornecê-lo para estes centros. Quando nos sentamos para meditar, precisamos de prāṇa nas regiões superiores do cérebro e quando estamos comendo precisamos de energia prânica no sistema digestivo. Da mesma forma, quando estamos praticando yoga-nidrā ou quando dormimos, o prāṇa deve ser distribuído por todo o corpo. Quando dominamos o prāṇāyāma, transferimos prāṇa para qualquer parte do corpo.

O prāṇāyāma aumenta a vitalidade e garante boa saúde, mas é mais do que apenas um respiratório. Destina-se a despertar a kuṇḍalinī adormecida. Nāḍī-śodhana, bhastrikā, kapālabhāti, śītalī e śītkari-prāṇāyāmas são formas de alcançar esse fim.

Prāṇāyāma e mantra fazem uma combinação muito poderosa e que se diz ser a verdadeira definição do yoga. Se você tem um míssil e coloca nele uma ogiva atômica, então ele se transforma em uma arma nuclear. Da mesma forma, o prāṇa é como um míssil e o mantra é como a ogiva atômica.

A compreensão do prāṇa

Prāṇa não é algo que adquirimos ao respiramos, nós nascemos com ele. O prāṇa foi criado em nós quando estávamos no ventre de nossa mãe. Todo o universo funciona por conta do prāṇa. Se não houvesse prāṇa, não haveria existência e se o prāṇa for retirado do universo, haverá a desintegração total. Se você quer saber o que é o prāṇa, deve compreender a existência. Quando não há existência, o prāṇa está latente e quando o cosmos surgiu, foi o resultado de uma explosão prânica.

O prāṇa é compreendido em dois aspectos: microcósmico e macrocósmico. Eu não vou falar sobre o prāṇa macrocósmico porque vocês não podem concebê-lo; não posso falar sobre isso e vocês não seriam capazes de entender. Mas o aspecto microcósmico do prāṇa universal está em mim, em vocês e todos os objetos do universo, embora esteja na forma bruta. Não somos capazes de pensar sobre o prāṇa na sua forma sutil, mas ele é conversível. Assim como a matéria se converte em energia, a energia também se converte em matéria; o prāṇa pode ser convertido em ação e ação em prāṇa. Portanto, no haṭha-yoga, a ciência do prāṇāyāma é considerada em alta medida.

Conectando iḍā, piṅgalā e suṣumnā

No corpo humano existem dois centros de vital importância. Um deles é o mūlādhāra-cakra e o outro é o ājñā-cakra. Iḍā, piṅgalā e suṣumnā saem do mūlādhāra e terminam no ājñā. A kuṇḍalinī adormecida reside no mūlādhāra e seu caminho de ascensão é através da suṣumnā-nāḍī. Se a prática de yoga não for regular, iḍā e piṅgalā não estabelecem conexão com a suṣumnā. Técnicas como a trāṭaka e kapālabhāti conecta estes canais de energia. Quando esta conexão é estabelecida, maior quantidade de energia flui através deles.

Eu darei um exemplo. No medidor de energia que fica nas casas há três conexões: uma positiva, uma negativa e outra neutra. Se vocês removerem a conexão neutra, as luzes da casa imediatamente diminuem, como se houvesse uma diminuição na quantidade de energia que chega na casa. Embora a energia seja conduzida através das conexões positiva e negativa, a neutra é necessária para manter a alta tensão.

A conexão negativa é chamada de «conexão fria» e a positiva é chamada de «conexão quente». Da mesma forma, iḍā transporta energia fria, piṅgalā carrega energia quente e suṣumnā é o dínamo que mantém a corrente.

Para despertar o ājñā-cakra e criar a união entre os três condutores de energia no corpo, vocês devem praticar śāmbhavi-mudrā. Basta fechar os olhos e concentrar-se no centro entre as sobrancelhas. Quando vocês abrirem os olhos, tentem olhar para o centro entre as sobrancelhas.

A fim de dominar śāmbhavi-mudrā, vocês devem praticar trāṭaka. Trāṭaka não é apenas a fixação do olhar em um ponto, embora no começo seja necessário manter os olhos fixos em alguma coisa. Depois, gradualmente, os olhos se concentram no centro entre as sobrancelhas e śāmbhavi-mudrā se desenvolve, trazendo iḍā, piṅgalā e suṣumnā em união, provocando o fluxo da energia kuṇḍalinī.

Quando essa energia começa a fluir, a pessoa experimenta sintomas definidos. A consciência se manifesta na forma de iluminação. É uma experiência psíquica em que se vê o fulgurante de luz. Vocês podem chamar essa experiência de iluminação.

Muitas pessoas vêem essa experiência como uma explosão de luz, enquanto outras como um crepúsculo que aumenta lentamente. Esta iluminação indica que a união de iḍā, piṅgalā e suṣumnā ocorreu e este é o propósito final do haṭha-yoga.

Prāṇa e kuṇḍalinī

Quando examinamos o significado absoluto do haṭha-yoga, vemos que ele é a união de suṣumnā, iḍā e piṅgalā. Em outras palavras, é a força prânica macrocósmico unida a força prânica microcósmica. Portanto, a prática do haṭha-yoga pode nos levar a um o destino final. Qual é o destino final? O despertar do prāṇa. E o que é o prāṇa? Prāṇa e kuṇḍalinī são termos sinônimos. O despertar do prāṇa é o despertar da kuṇḍalinī e no despertar da kuṇḍalinī nos unimos ao prāṇa cósmico.

A kuṇḍalinī é o prāṇa-śakti microcósmico. Simbolicamente, dizem que é uma serpente, mas a kuṇḍalinī pode ser concebida de qualquer maneira. Prāṇa não tem forma ou dimensão, é infinito. Prāṇa é a existência e somos todos espécies de prāṇa. Mas o nosso prāṇa está em uma vibração muito inferior e, portanto, toda a humanidade tem de aprender como aumentar a vibração do prāṇa.

Tradução livre de Fernando Liguori.


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