segunda-feira, 24 de março de 2014



O Sādhanā da Bhagavadgītā

Parte . I I .

Swāmi Niranjanānanda Saraswatī


Satsanga realizado em Paduka Darśan Saṃnyāsa Pītha, Munger, 17 e 18 de fevereiro de 2012.


Pratyāhāra

Śrī Kṛṣṇa instrui Arjuna no processo de pratyāhāra. Ele diz: «A fim de estabilizar a mente, recolha seus membros e os sentidos internamente, da mesma forma que uma tartaruga recolhe seus membros para dentro do casco.» O estado de pratyāhāra é definido aqui. A tartaruga tem seis membros saindo do casco: dois braços, duas pernas, uma cauda e uma cabeça. Os seres humanos funcionam com cinco sentidos e a mente – seis sentidos no total. A mente representa a cabeça da tartaruga e ela tem que ser recolhida para o interior. Os cinco sentidos representam os braços, pernas e a cauda da tartaruga, puxe-os para dentro. Retire os sentidos de seus respectivos objetos e retraia-os para dentro de si mesmo. Esta é a prática de pratyāhāra, tal como definida por Patañjali e também como ensinada por Śrī Swāmijī.

Pratyāhāra começa acalmando os sentidos físicos através [da prática de] kāya-sthairyam e regulando a respiração. A respiração é o espelho da mente e as condições mentais e os humores são refletidos na respiração. Quando a mente é hiperativa, a respiração é rápida e superficial, mas se a mente está em repouso, a respiração é longa, profunda e lenta.

Portanto, a fim de acessar a mente, regule a respiração. Se você pode regular a respiração equilibrando inspiração e expiração através da prática do nāḍī-śodhana-prāṇāyāma, então poderá acessar a mente através da respiração. Para estabilizar os sentidos físicos, pratique kāya-sthairyam. Para acalmar a mente use um agente físico, a regulação da expansão da respiração e, em seguida, foque a mente na consciência do Eu superior.

Mas antes que possamos nos focar na consciência do Eu superior, as camadas da mente têm de ser transpassadas. Da mesma maneira que para se chegar ao fundo do oceano temos de nadar através de muitos, muitos e muitos metros d’água, da mesma maneira temos de passar por muitas camadas da mente para, eventualmente, perceber e ver a presença de uma consciência mais elevada dentro de nós. A parte mais profunda do oceano é a que fica a seis quilômetros de profundidade e você tem de nadar até o fim. Da mesma maneira, terá de andar seis quilômetros da mente antes de vir a perceber a presença do Eu superior dentro de você.

Identifique-se com o karma sattvíco

Quando você caminhar através dos seis quilômetros de sua mente, encontrará diferentes experiências que são instigadas por inseguranças, ansiedades e paixões, kāma. Ao cultivar a consciência e conhecimento, você aprenderá a gerenciar o comportamento e as manifestações de insegurança, ansiedade e paixão. Śrī Kṛṣṇa instrui Arjuna a continuar a centrar-se no desempenho de seu karma de forma diligente, eficaz, criativa e perfeita. Se você é capaz de realizar o karma criativamente, perfeitamente, de forma diligente, eficaz, sem qualquer motivo egoísta, logo se libertará das garras dos saṃskāras e os comportamentos da mente.

Se você continuar a executar o karma com razões egoístas, sem cultivar a consciência e a compreensão, então eles irão limitá-lo no estado de consciência bruta. Portanto, continue executando seus karmas, mas se identifique com o karma sattvíco e não com o karma tamásico ou rajásico. Não se identifique com os efeitos limitados, condicionados, prejudiciais e confinados do karma, mas com o aspecto sattvíco, luminoso, criativo e perfeito do karma. Tente manter-se desapegado dos karmas, sem expectativa do resultado. Tente manter o equilíbrio da mente enquanto está engajado no mundo e nos karmas.

Sucesso ou falha não estão sob seu controle. O que você pode controlar é a forma como age, de modo a tentar agir da melhor maneira possível, utilizando o melhor das situações. Não faça caras e bocas. Tente manter equilíbrio na mente tanto para o sucesso quanto para o fracasso. Śrī Kṛṣṇa diz: «Mantenha o equilíbrio mental permanecendo fixo em minha memória. Qualquer um dos sentidos pode perturbar a mente, da mesma maneira que um barco a vela no meio do oceano é movido pelo vendaval, o furacão ou uma brisa suave. Mesmo a brisa suave dos sentidos pode atrair a mente, não apenas o vendaval e furacão. Consciência absoluta tem de ser mantida como uma jornada através das camadas da mente, aperfeiçoando pratyāhāra e executando o karma».

Arjuna pergunta a Śrī Kṛṣṇa: «Com o que eu me identifico para que eu possa executar o karma corretamente?» Śrī Kṛṣṇa responde que o karma que está de acordo com o dharma e com a justiça natural do ser humano deve ser executado. O karma que está em concordância com o dharma deve ser realizado, pois ele sempre vai elevar o indivíduo e tudo a sua volta. Aprenda a se identificar com essas ações, percepções e atitudes que ajudarão a trazer a criatividade na vida. Arjuna pergunta: «Como posso melhorar os karmas?» Śrī Kṛṣṇa responde: «Não existe dúvidas acerca de melhorar nada. Apenas dedique seus karmas a mim.»

O mesmo ensinamento foi dado a Śrī Swāmijī quando ele perguntou ao seu guru, Swāmi Śivānanda: «O que faço depois que eu tomar [os votos de] saṃnyāsa?» Swāmi Śivānanda respondeu: «Você tem que continuar fazendo as mesmas coisas que tem feito até hoje. Você tem feito a limpeza diária do aśram? Você tem cuidado do escritório, da renda, das despesas, da cozinha, da imprensa e da correspondência?» Śrī Swāmijī respondeu: «Sim». Swāmi Śivānanda disse: «Continue fazendo o mesmo. Não há nenhuma mudança em seus deveres ou karma.» Então Śrī Swāmijī disse: «Bem, então eu posso voltar para casa e continuar a fazer o meu karma

Swāmi Śivānanda respondeu: «Não, a diferença é que quando você executa o karma pensando ser a causa da ação e espera por seu resultado, então este karma está lhe escravizando. No aśram você está executando o karma, mas não é responsável pelo resultado. Seu dever é agir da melhor maneira possível, mas o resultado seja positivo ou negativo pertence ao Guru. Faça o seu melhor e não tenha nenhuma expectativa pelo resultado de suas ações.»

Portanto, de acordo com a tradição de um aśram, um saṃnyāsin tem de viver por doze anos no aśram do Guru, executando guru-seva. Não é sādhanā, mas guru-seva, que é obrigatório, pois o Guru é capaz de nos conectar com a maneira certa de agir. No karma, quando a criatividade e perfeição são expressas, então torna-se karma-yoga. Você tem de se manter consciente e tem de gerenciar as respostas e reações que o karma gera.

Se você fizer bem a sua parte, outras pessoas irão ficar com inveja e tentarão puxá-lo para baixo, tentarão diminuí-lo. Se você fizer mal a sua parte, as pessoas ainda vão reclamar e tentarão puxá-lo para baixo. Essa é a lei da vida. Ninguém fala mais uma sequer palavra boa acerca de qualquer pessoa, são sempre queixas. A melhor maneira é não reagir aos elogios ou as injúrias. Se alguém lhe diz: «Você é um cachorro», ao invés de ficar com raiva e latir para a pessoa, dizendo: «Como você pode me chamar disso?» ou «você me chamou de que?», diga: «Maravilha, apenas um cão reconhece outro cão», [então] o momento passa de forma clara, sem raiva. Desta forma as reações têm de ser gerenciadas e, em vez de tornarem-se a causa da dor, elas se tornam a causa do riso.

Faça-se a tua vontade

Se você adquirir essa capacidade, então todas as suas ações estarão oferecidas a Brahman, o Ser supremo, pois se torna como um instrumento que é tocado. O harmônio pode tocar belas músicas, mas não por si mesmo. O músico tem de tocá-lo. Da mesma forma, a compreensão de que não sou eu quem faz a ação no mundo e nem desfruto dela eventualmente ocorre. Enquanto a atenção for desviada por razões, motivos e propósitos egoístas, sempre serei eu quem faz a ação, bem como sempre serei eu o desfrutador de seus resultados – eu faço e desfruto. Mas uma vez que a atitude, identificação e percepção muda o foco do ego para a compreensão que não sou eu o autor, renunciando o ego limitado, então [a realização] do Absoluto começa.

Todo o ensinamento a Arjuna dado por Śrī Kṛṣṇa usa a meditação como uma ferramenta para retrair os sentidos, desenvolver a consciência e o conhecimento. A meditação não trata de afastar-se do mundo, mas estar envolvido cada vez mais nele. É desenvolver o conhecimento da situação, o seu dever, compromisso, obrigação e intenção. É gerenciar a paixão, o medo, a raiva, a atração e o apego. É torne-se ativo de forma criativa. É desenvolver e expandir a consciência para que possa aumentar o seu conhecimento. A meditação é usada para aumentar jñāna, consciência de si mesmo, de como se comportar em diferentes momentos e situações da vida.

Contenha o movimento selvagem dos sentidos, fixando a consciência e a atenção, e tente atingir a experiência do Absoluto passando pelas camadas da mente. Permaneça fiel ao seu objetivo – a perfeição em pratyāhāra. Não deixe que as diferentes expressões e experiências da mente desviem sua atenção e consciência. Assim como um pouco de vento é suficiente para mover um barco a velas pelo oceano, da mesma maneira, uma diversão simples, em qualquer nível, irá balançar seu barco no oceano da paz interior.

Então Arjuna coloca uma questão: «Como faço para controlar a paixão? Você falou de antar mouna como o processo para gerenciar as condições e estados de medo, ansiedade e apegos, mas como gerenciar as paixões?» Śrī Kṛṣṇa dá a Arjuna um sādhanā: fixar a mente no centro entre as sobrancelhas e regular a respiração, fazer com que a inspiração e expiração durem o maior tempo possível e no espaço entre elas, manter o foco da consciência no o Ser interior.

Esta é a prática do nāḍī-śodhana-prāṇāyāma. Ao colocar os dois dedos no centro da sobrancelha, um ponto de pressão é criado onde a mente é fixada entre elas. Regular a respiração para o mínimo de 24 matras para cada inspiração e expiração. Cada matra equivale a um segundo.

O gāyatrī-mantra de 24 matras é usado na prática do nāḍī-śodhana-prāṇāyāma: «oṃ bhūr bhuvaḥ svaḥ tat savitur vareṇyaṃ bhargo devasya dhīmahi dhiyo yo naḥ prachodayāt», 24 matras em uma inspiração. Este é o treinamento que Śrī Kṛṣṇa dá para manter a mente focada.

Quando você regula a respiração as ondas cerebrais são afetadas. Elevadas ondas alfa e teta predominam e com essas duas ondas predominante, o sistema nervoso e a dimensão mental experimentam um estado de relaxamento e equilíbrio das energias – física, sensorial, mental, emocional, psíquica e espiritual. Na medida em que você pratica lentamente o prāṇāyāma o corpo vai se sentindo diferente. Com o prāṇāyāma e respiração rápidos, a condição corporal será diferente também.

A palavra utilizada na Gītā indica respiração profunda e prolonganda a devida proporção de ar. A respiração lenta e profunda irá relaxar a estrutura física, o sistema nervoso e o cérebro. Esta condição relaxada influencia o comportamento mental e psicológico. Muitos terapeutas usam o prāṇāyāma para proporcionar uma mudança no comportamento da mente das pessoas com problemas mentais e no início eu também usava o prāṇāyāma com os detentos de uma prisão e em um centro de cuidados catatônicos, portanto, posso dizer sobre a eficácia do prāṇāyāma. Ao equilibrar as energias de īḍā e piṇgalā, as alterações na personalidade melhoram.

Śrī Kṛṣṇa fala acerca do prāṇāyāma como um método de gerenciamento do comportamento mental apaixonado e hiperativo. Paixão não é sempre sensorial, sensual ou sexual. A paixão é qualquer desejo ou pensamento que domina a mente. Ela representa uma condição de comportamento mental em que um item torna-se predominante e destaque sobre todas as reações, respostas, ações, pensamentos e interações que giram em torno de um pensamento ou ideia particular. Esta função mental sustentada e conhecida como paixão pode ser dirigida e utilizada em qualquer aspecto da vida! Um artista pode se tornar um artista apaixonado, um escultor pode se tornar um escultor apaixonado, um yogī pode se tornar um yogī apaixonado. Essa energia, consciência e mentalidade pode assumir qualquer forma e padrão, negativo ou positivo, tamásico ou sattwíco. Regulando prāṇ-śakti, o prāṇāyāma equilibra o comportamento extremo das paixões e as funções e níveis da mente.

Assim, Śrī Kṛṣṇa ensina maneiras de gerenciar os diferentes tipos de situações que todos nós encontramos no dia-a-dia, usando práticas muito simples de Yoga e ideias para cultivar a compreensão e a consciência.

Tradução livre de FernandoLiguori.


0 comentários:

Postar um comentário