sábado, 22 de março de 2014



Fernando Liguori


Uma análise da psicologia do Yoga aplicada sob a perspectiva da Āyurveda baseada nos escritos de David Frawley (Vamadeva Śastri).


Toda vida é Yoga, que significa união. Todos lutamos, de acordo com nosso conhecimento, para nos unir ao Real, à fonte de infinita felicidade e bem-aventurança. Toda alma individual deseja ardentemente sua reintegração com a alma universal, seja sua corporificação física consciente ou não. Todos estamos empenhados em expandir as fronteiras e aumentar nossos vínculos a fim de encontrar a plenitude e a paz espiritual. Contudo, o Yoga não é um novo caminho a seguir, mas um caminho para se tornar consciente do ímpeto original da vida.

Ao examinarmos a vida do ponto de vista do Yoga, percebemos que todos os problemas psicológicos existentes surgem, em última análise, da incorreta utilização da energia da consciência. Em vez de nos unirmos à Realidade Interior Eterna, em que se encontra depositada toda alegria duradoura, apegamo-nos a objetos exteriores efêmeros, cujas flutuações e inconstâncias causam dor. A pratica do Yoga, ou a integração interior, reverte todos os problemas psicológicos, fazendo com que a mente se funda novamente com sua fonte imutável de Consciência Pura em que habita a paz perfeita.

O Yogasūtra, principal texto clássico sobre Yoga, define-a como a supressão da instabilidade da consciência. Em sânscrito, o termo que designa consciência ou a mente é citta, como referência a todos os potenciais do pensamento consciente e inconsciente. Supressão designa a eliminação de todos os condicionamentos negativos abrigados na mente. Conquistar com efeito a calma perpétua requer o controle das diversas funções da consciência por meio da inteligência, da mente e do ego, junto ao desapego da energia vital e do corpo físico. Essa é uma definição mais densa e profunda do que a ideia que se tem do Yoga hoje em dia. Segundo o Yoga, os desequilíbrios psicológicos são tratados seguindo estas etapas:

1.    A consciência (citta) precisa ser acalmada e esvaziada;
2.    A inteligência (buddhi) precisa ser reorientada e aguçada;
3.    A mente (manas) e os sentidos (jñānendriyas) precisam ser controlados e interiorizados;
4.    O ego (ahaṁkāra) precisa ser dissolvido;
5.    A energia vital (prāṇa) precisa ser equilibrada e intensificada;
6.    O corpo precisa ser purificado.

Estes diferentes processos se unem; sem um, os demais não podem ser bem-sucedidos. O que se segue é uma análise sucinta destes fatores:

1. Como abrandar nossa consciência mais profunda

Nossa consciência mais profunda conserva os diversos traumas emocionais e dores que nos perturbam, a maioria permanecendo oculta ou reprimida. Estas perturbações devem ser abrandadas e liberadas. A paz deve ser levada ao âmago da mente. Isso implica em esvaziá-la de seus conteúdos, hábitos, tendências e apegos profundamente arraigados, renunciar ao medo, à raiva e ao desejo em todos os níveis; entretanto, a mente é calma e pura por natureza. Só precisamos deixar que volte a seu estado natural, o que equivale a conservá-la livre das influências exteriores que a perturbam.

2. Nova orientação e aguçamento de nossa inteligência

A inteligência precisa ser direcionada de sua orientação no mundo sensorial exterior para o mundo interior da consciência. Temos de aprender a diferenciar o eterno do transitório, o real do irreal, o Ser da massa de aparência do ego. Isso requer que percebamos os três guṇas, nos apegando as características sattvícas da existência e ponhamos de lado as características tamásicas e rajásicas. Trata-se de uma chave para esvaziar a consciência. Só por meio de uma nova orientação para inteligência é que podemos dirigir nossa percepção para além do conteúdo da consciência, que é limitado pelo tempo.

3. O controle da mente

Precisamos controlar nossa mente e nossos sentidos e não ser mais impelidos por eles para buscar satisfação exterior. Isso requer o cultivo do autocontrole, do caráter e da força de vontade. Enquanto a mente leva impressões exteriores para consciência, esta não pode esvaziar-se. De modo semelhante, enquanto estamos olhando para fora através da mente, não podemos redirecionar nossa inteligência interiormente.

4. A dissolução do ego

A raiz de toda expansão da consciência está em dissolver o ego ou a ideia do eu isolado (egoidade), que é limitadora. O eu separado cria um vazio interior que procuramos preencher com o envolvimento externo. Ele leva a efeito julgamentos errôneos com os quais criamos dor e sofrimento. Enquanto estivermos presos ao ego não conseguiremos controlar nossa mente, nossa inteligência continuará exteriorizada e nossa consciência interior permanecerá em tumulto. Isso requer abnegação, entrega a Deus e o despertar do Ser e do sentido da alma.

5. Equilíbrio e intensificação da energia vital

Nosso prāṇa ou energia vital torna-se limitado pelo apego e pelos envolvimentos que nos perturbam. Para libertar a mente, este prāṇa também deve ser liberado. Nossa energia vital deve ser liberada de sua fixação em objetos exteriores, que o fragmentam e o dispersam. De outro modo, nossa mente sempre será levada para fora, fazendo com que percamos a energia de nossa atenção. Sem a vitalidade apropriada, nada podemos fazer, e decerto não poderemos controlar a mente e os sentidos. Isso requer ligar-se às fontes saudáveis, internas e externas, da vitalidade por meio da mente, dos sentidos, da respiração e do corpo.

6. A purificação do corpo

O corpo precisa ser purificado das toxinas e excessos dos humores biológicos (doṣas) de vāta, pitta e kapha. Um corpo com toxinas ou fraco diminuirá o desenvolvimento da mente e enfraquecerá a energia vital. O corpo é o repositório de nossas ações e conserva seus efeitos de longo prazo. Não podemos ignorar-lhe a função no trabalho com a mente ou a consciência mais profunda.

Aṣṭāṅga-yoga – os oito membros do Yoga

O Yoga clássico de Patañjali fornece uma abordagem óctupla (aṣṭāṅga) para alcançar seu objetivo de autorrealização. Estes oito membros não são passos ou estágios, embora obedeçam a sequencia. Eles são como membros do corpo ou as partes de uma casa, cada qual apresentando sua própria função, ainda que nem todas sejam de igual importância. Examinaremos os oito membros do sistema de Patañjali na forma de tratamentos psicológicos e terapêuticos, mostrando de que modo podemos aplicá-los na cura da consciência a fim de continuarmos na senda da interiorização em busca da bem-aventurança perpétua.

1.    yama
regras de conduta social
2.    niyama
regras de conduta pessoal
3.    āsana
posturas físicas: orientação correta para o corpo físico
4.    prāṇāyāma
controle da respiração: uso correto da energia vital
5.    pratyāhāra
controle da mente e dos sentidos
6.    dhāraṇā
concentração: controle da tensão
7.    dhyāna
meditação: reflexão correta
8.    samādhi
absorção: união correta

Os primeiros dois membros constituem o fundamento ético da vida humana, os princípios de conduta social e pessoal. Sem esses, não teremos a base correta para um desenvolvimento espiritual saudável, sendo assim impossível atingir os estágios mais avançados de meditação. Eles constituem as regras fundamentais do dharma ou a vida correta.

Os primeiros cinco membros são chamados apoios externos ou praticas externas (bhairaṅga-sādhanā) no Yogasūtra. Eles harmonizam os aspectos externos de nossa natureza: comportamento, corpo, respiração, sentidos e mente. Os últimos três membros são chamados de apoios internos ou prática interna (antaraṅga-sādhanā). Constituem o coração do Yoga conforme estabelecido o processo de meditação. Em conjunto, são chamados de saṁyama ou concentração, integração, a capacidade de se tornar uno com os objetos de nossa percepção; todavia, pratyāhāra pode ser incluido nos apoios interiores.

A prática do dharma

De acordo com os sábios (ṛṣī) vêdicos, a vida deve basear-se no dharma para que possamos alcançar algo real e duradouro. O dharma é a lei natural em atividade que está por trás deste universo consciente. O dharma inclui nosso dharma social ou responsabilidades sociais, assim como nosso dharma pessoal (svadharma), nossas responsabilidades pessoais. Descobrir o nosso dharma significa aprender o que é bom para nós individualmente, de acordo com a nossa função na sociedade, como nosso estágio na vida e com nosso desenvolvimento espiritual. O dharma é o fundamento necessário para que o Yoga possa ser praticado de maneira genuína.

Yama – primeiro membro do Pātañjala Yoga

No ocidente, é muito comum a opinião de que o Yoga é algo pessoal, uma preocupação consigo mesmo. Na verdade, o Yoga, no seu sentido mais profundo e verdadeiro, requer uma noção exata de responsabilidade social e comportamento ético. Esta responsabilidade ético-social no Yoga é definida por cinco regras de conduta. Elas são cinco atitudes necessárias para se estabelecer um correto relacionamento com o mundo exterior.

Yamas
1.    ahiṁsā
não-violência
2.    satya
veracidade
3.    asteya
não roubar
4.    brahmacarya
controle da energia sexual
5.    aparigrāha
não-posessividade

A primeira e mais importante yama é a não-violência: não desejar mal a nenhuma criatura, em pensamentos, palavras ou ações. A não-violência é a atitude mais importante para ter um relacionamento correto com o mundo e para impedir as energias negativas de se apossarem de nós. A violência é o maior fator de desvirtuamento na vida. Desejar mal às outras pessoas é a causa fundamental da intranquilidade mental pois introduz na mente uma energia violenta, gerando o desvirtuamento e a ação torpe.

A veracidade nos mantém em harmonia com as forças da verdade no mundo que nos cerca, nos apartando das influências da falsidade e da ilusão. Confere paz de espírito e equilíbrio, além de nos permitir descobrir o que é real. Veracidade significa fazer o dizemos e dizer o que fazemos. Mentir, enganar, dissimular e ser desonesto desvirtua a mente e nos leva ao juízo enganoso. A não-violência e a veracidade devem caminhar lado a lado. A veracidade não deve ser cruel nem violenta. A não-violência não deve estar separada da verdade, ou é apenas apaziguamento ou conciliação. Devemos falar a verdade, mas de um modo tão agradável quanto possível.

O sexo é a energia mais poderosa que nos liga ao mundo e a principal fonte de atitudes equivocadas na vida. Sem controlar nosso impulso sexual, caímos na tristeza e no conflito. O controle da energia sexual, a mais poderosa das energias vitais, nos liberta das complexas relações emocionais desnecessárias e compõe o poder interno, necessário para levar a mente a um nível superior de consciência. Os desequilíbrios mentais sempre envolvem algum desvirtuamento da energia sexual, que é a energia fundamental dos sentidos e da mente. A energia sexual não controlada ou mal orientada desvirtua nossas funções físicas e mentais. Leva a uma grande perda de energia, assim como traumas psicológicos profundamente arraigados.

O não roubar significa não tomar o que por direito pertence aos outros. Isso inclui não só a propriedade dos outros, mas também o trabalho deles ou qualquer crédito a eles atribuído. Isso estabelece nosa verdadeira relação com outras pessoas e nos mantém livres da inveja e do ciúme. Não roubar não é apenas uma simples questão de evitar o furto; requer honestidade sobre quem somos e sobre o que fazemos, e não tomar algo que não nos pertença por direito. Tudo o que tocamos dos outros gera o desencanto e perverte a mente, além de inibir a compreensão correta das coisas.

Não-possessividade significa não ser possessivo quanto a coisas exteriores, nem mesmo com aquilo que podemos adquirir por direito. Não-possessividade requer não sentir que possuimos as coisas, mas considerar que somos guardiões dos recursos que pertencem a todos. Esse princípio representa a simplicidade material e o ato de não cobiçar bens materiais. A não-possessividade nos dá liberdade quanto ao mundo. Trata-se de um tipo de observância particularmente importante no mundo moderno de riquezas onde temos tantas posses ou somos tão sequiosos de propriedades. O que pensamos possuir, na verdade, nos possui.

Não-possessividade não significa desfazer de todas as nossas posses, mas sim que não devemos acumular coisas desnecessárias. Ter coisas demais gera muitos aborrecimentos para os quais a única solução seja nos desfazer dessas coisas. Há muitas consequências psicológicas negativas provenientes da posse de muitos bens. Essas incluem dúvidas e apegos, os quais conferem gravidade e uma atitude defensiva à mente.

Não roubar e não-possessividade caminham lado a lado. As posses inadequadas, quer materiais, quer mentais, como a gravidade, nos mantêm para baixo ou nos ligam aos objetos envolvidos. A não ser que mudemos nosso ambiente material e nossa atitude mental com relação a isso, é possível que não sejamos capazes de mudar a mente. Posses em demasia ou inadequadas criam uma força psíquica negativa que impede que a nossa consciência se expanda. Por meio desta observância yogī, não criaremos mais um ambiente material limitador à volta de nossa consciência.

Quando não mantemos uma relação honesta, sincera e de desapego com o mundo e com as outras pessoas, não podemos ter a tão desejada harmonia do corpo e da mente. A conduta social indevida é a base da maioria das doenças psicológicas e muitas enfermidades físicas. A conduta social correta é um instrumento importante para tratar qualquer doença, seja no corpo ou na mente. Antes que nos concentremos para tratar a mente ou desenvolver a consciência, precisamos primeiro criar os fundamentos de um relacionamento correto com o mundo que nos cerca, não apenas em nossos pensamentos, mas em nossas ações.

Niyama – segundo membro do Pātañjala Yoga

As regras do Yoga quanto a conduta do praticante concerne às práticas diárias e ao estilo de vida. Essas regras constituem os principais exercícios ou disciplinas que devemos seguir para que a consciência possa evoluir em projeção.

Niyamas
1.    saṃtoṣa
contentamento
2.    śauca
pureza
3.    svādhyāya
auto-estudo, estudo das doutrinas espirituais
4.    tapas
autodisciplina, ascese, energia concentrada
5.    īśvarapraṇidhāna
entrega ao Senhor (Deus | Deusa)

O contentamento vem primeiro. Isso significa encontrar a felicidade em nós mesmos, em vez de no mundo exterior. Enquanto estivermos infelizes e formos presas da distração, não teremos a paz e a coerência suficiente para olhar dentro de nós mesmos. O Yoga não é o movimento da mente perturbada que busca o entretenimento, mas o movimento da mente serena que busca a verdade interior. Temos de cultivar o contentamento cultivando as fontes interiores da criatividade e da percepção. Isso é mais uma chave para paz de espírito.

A pureza e a limpeza são as práticas mais auspiciosas que devemos seguir na vida. Devemos purificar o corpo por meio de um regime alimentar apropriado, à base de vegetais, paralelamente com exercícios corretos, assim como temos de purificar a mente por meio das impressões, emoções e pensamentos adequados. A impureza no nível psicológico acarreta problemas mentais, a impureza no nível físico gera problemas físicos. Essas impurezas da mente incluem as contrariedades, a maledicência, a imaginação perturbada e o ciúme.

O estudo das doutrinas espirituais implica o exame das doutrinas que nos ajudam a compreender quem nós somos e a natureza do universo em que vivemos. Para isso, precisamos de uma doutrina genuinamente espiritual e iluminadora, baseada nas obras dos sábios que compreenderam a si mesmos. As doutrinas espirituais transmitem à mente pensamentos superiores, e nos ensinam uma linguagem por meio da qual podemos compreender nossa própria consciência superior. O estudo de si mesmo inclui a repetição de mantras que nos ajudam a penetrar nas camadas mais profundas da mente. Não se trata de um estudo de ordem intelectual, pois requer a contemplação do que examinamos. Temos de estudar as grandes verdades espirituais em nossa vida e em nosso caráter, e ver de que modo criamos nosso destino.

A autodisciplina é necessária para levar a cabo o que quer que seja significativo, nas artes, nos esportes, no mundo dos negócios ou na prática espiritual. Temos de aprender a coordenar e a dirigir nossas ações de um modo significativo rumo a um objetivo superior ou ideal. Isso significa que devemos estar dispostos a sacrificar o que não é útil a nossa meta, como o envolvimento superficial e as distrações. A autodisciplina é necessária para controlar a mente. O Yoga, como toda grande realização, requer esforço e dedicação; caso contrário, não se pode avançar.

Por fim, não devemos nos esquecer de ter um sentimento de reverência para com as forças do universo. Temos de reconhecer a inteligência que orienta este vasto cosmos e nos entregar a ela, sem a qual não poderíamos sequer respirar. Isso implica amar a Deus, a vida universal, os amigos e mestres que nos guiam e ajudam. Enquanto estivermos abertos a essa ajuda e orientação, não poderemos padecer de solidão e de alienação, que causam tantos problemas.

Se nosso estilo de vida não reflete estes princípios da verdade, é provável também que nos inclinemos à intranquilidade; todavia, essas formas de disciplina devem ser cultivadas dia a dia durante algum tempo. Suas consequências não ocorrem de uma hora para outra. Temos de estabelecer as bases da conduta correta a fim de obter a estabilidade em nossa vida e em nossa mente. A correta conduta social e pessoal favorece o correto funcionamento de todos os aspectos de nossa consciência. Ajuda particularmente na orientação apropriada da inteligência, mas também ajuda a controlar a mente e os sentidos, além de purificar o corpo. Sem esses fundamentos dhármicos, o que construirmos na vida provavelmente não durará.

Com estes fundamentos dhármicos, podemos passar as práticas externas do Yoga. Estas consistem em reorientar o corpo e a energia vital de acordo com os princípios do Yoga. O processo envolve duas partes: āsana e prāṇāyāma.

Āsana – terceiro membro do Pātañjala Yoga

Āsana consiste na realização de posturas físicas que liberam a tensão e o estresse. As posturas corretas aumentam a energia vital, que é bloqueada em função de uma postura incorreta e por inúmeros outros fatores. Além de acalmar a mente – que sofre pelo hábito da tensão na postura incorreta – também ajudam a equilibrar os humores biológicos que se acumulam nas diversas partes do corpo. Estas posturas podem ser focadas em determinadas regiões do corpo ou órgãos que apresentam debilidade e, por meio de uma melhor circulação, favorecer a cura nestas áreas.

Em um sentido mais holístico, āsana pode ser considerado como exercício correto, desde posturas calmas até as mais vigorosas, além de longas caminhadas pelo campo, com ou sem ritmo. O corpo necessita de certa quantidade de exercícios para seu funcionamento adequado. A falta de atividade, bem como a atividade excessiva ou inadequada, pode agravar ou causar problemas psicológicos. Quaisquer adaptações psicológicas amiúde requerem que mudemos nosso modo de nos exercitar ou de movimentar o corpo.

Āsana literalmente significa assento ou postura sentada. Neste curso nós daremos ênfase ao āsana como posturas sentadas para prática da meditação (dhyānāsana). Para qualquer exame real de nós mesmos, temos de ser capazes de nos sentar tranquilos e à vontade, com a espinha ereta. Isso permite o fluxo ascendente da energia por meio da qual a mente pode esvaziar-se e abrir-se às camadas mais profundas da consciência.

Āsanas específicos, incluindo as posturas culturais, podem ajudar trazendo a tona pensamentos reprimidos e facilitando-lhes a liberação, quando a mente está preparada para lidar com eles. A prática de āsana pode ajudar a liberar a tensão psicológica por meio da liberação dos bloqueios físicos e prânicos que a conservam. Existem inúmeras informações sobre āsana nos livros de Yoga. Neste curso não trataremos deste aspecto.

Prāṇāyāma – quarto membro do Pātañjala Yoga

Comumente, prāṇāyāma é chamado de controle da respiração – acalmar a agitação da respiração, que perturba a mente e os sentidos. Isso inclui todas as formas de energizar a força vital por meio do corpo, dos sentidos e da mente. Prāṇāyāma é o desenvolvimento da expansão da energia da força vital além dos seus limites comuns. É um método Āyurveda importante para promover cura em todos os níveis.

Falando em termos simples, prāṇa é a nossa energia, particularmente a energia que deriva da respiração. Se não temos energia o suficiente, nada podemos fazer na vida, mesmo que saibamos o que devemos fazer. Se o cérebro não recebe a quantidade certa de oxigênio, não temos a quantidade de energia suficiente para nos desenvolver e mudar. Perdemos o controle de nossa vida e passamos a ser vítimas de nosso condicionamento. Hábitos antigos dominam a mente e nos mantêm agrilhoados a lembranças e formas de apego. Somos incapazes de reagir criativamente com relação ao presente. Em última análise, o cérebro envelhece e atrofia, e a derradeira consequência disso é a senilidade.

O prāṇāyāma fornece essa energia necessária para o corpo e para mente. Ele dá força aos nossos pensamentos e intenções para que possamos realizar o que de fato procuramos. Em um nível psicológico, transmite energia necessária para sondar o inconsciente e liberar a energia emocional e vital (prânica) ali aprisionada. Quando as células de nosso cérebro se enchem de prāṇa adicional, temos com facilidade ideias agudas para enfrentar nossos problemas psicológicos e encontrar modos criativos para superá-los. Em um nível mais profundo, prāṇāyāma nos fornece a energia necessária para meditação. Sem prāṇa suficiente, a meditação só consiste em dar voltas em nossos pensamentos e habitar um espaço vazio da mente, em que nossa consciência não está, de fato, modificando-se.

Existem diversos tipos de prāṇāyāma, com inúmeras finalidades. A maioria deles consiste no aprofundamento e na dilatação da respiração, até que ela leve a um estado de relaxamento energizado. Quando a respiração é tranquila, a energia vital se acalma, e os sentidos, as emoções e a mente, descansam. Nossos impulsos vitais deixam de nos perturbar com seus desejos e temores.

A mente e a respiração estão conectadas como um pássaro e suas asas. O pensamento se move com a respiração e esta, em seu movimento, gera o pensamento. Não podemos respirar sem pensar, nem pensar sem respirar. Por esta razão, a respiração pode ser usada como uma corda para tolher a liberdade da mente. Se nos concentrarmos na respiração, a mente se torna internalizada. É afastada dos sentidos e da orientação para o mundo exterior que ela se volta para dentro. Desta maneira, o prāṇāyāma é um dos melhores meios para o pratyāhāra, ou afastamento das distrações dos sentidos.

A percepção da respiração, contudo, não é um fim em si mesma. É uma via de acesso aos níveis mais profundos da mente. À proporção que a mente se concentra na respiração, as camadas mais profundas da consciência aos poucos se abrem, liberando o subconsciente e tudo o que nele está oculto. À proporção que a mente absorve mais energia por meio do prāṇāyāma, os pensamentos mais profundos afloram, incluindo os problemas emocionais que teremos de lidar através da meditação, caso contrário, sua energia nos perturbará e nos impedirá de nos aprofundarmos.

Pratyāhāra – quinto membro do Pātañjala Yoga

Pratyāhāra talvez seja o aspecto menos compreendido do Yoga, embora represente o aspecto mais importante para qualquer tratamento psicológico. Pratyāhāra é frequentemente traduzido como abstração dos sentidos, o que significa fazer com que a mente se desapegue dos impulsos que derivam dos sentidos. A distração é nossa vulnerabilidade ao estímulo exterior, a nossa capacidade de sermos condicionados pelas forças ambientais. Enquanto somos dominados pelos sentidos, não temos estabilidade interior e nem força de caráter. Ficamos à mercê das circunstâncias e reagimos ao que quer que nos aconteça à volta.

Em um sentido mais específico, pratyāhāra é o controle dos sentidos, o que inclui o uso correto das impressões. Isso implica conservar a mente apartada dos sentidos e no controle de sua absorção. Não se trata da supressão dos sentidos, mas de seu uso correto, ou seja, na forma de instrumentos de percepção ao invés dos árbitros que percebemos. De acordo com a Āyurveda, todas as doenças afloram do uso impróprio dos sentidos, que pode ser excessivo, deficiente ou insatisfatório. O modo como utilizamos nossos sentidos determina o tipo de energia que assimilamos do mundo exterior, desde o alimento até as emoções. Pratyāhāra inclui todas as técnicas sensoriais da Āyurveda, particularmente àquelas concernentes ao uso correto das impressões, das cores e da terapia com mantra.

As técnicas de pratyāhāra são fundamentalmente de dois tipos: isolar os sentidos, como fechar os olhos ou tapar os ouvidos, ou usar os sentidos com atenção ao invés de distrair-se.Tapar os olhos e os ouvidos é uma prática, o jejum para o corpo. O jejum das impressões faculta à capacidade digestiva da mente de renovar-se, assim como o jejum dos alimentos possibilita ao corpo purificar-se das toxinas. Também faz com que as impressões sejam conhecidas, como o som e a luz interior. Pode-se fazer isso fechando simplesmente os olhos ou ficando em um lugar escuro e tranquilo.

Pratyāhāra também pode ser praticado durante a percepção sensorial. Isso ocorre quando testemunhamos as impressões sensoriais, quando habitamos a percepção pura ao invés de reagir com preferências ou aversões. Isso requer que deixemos de projetar nomes e definições para nossas impressões e consideremos os objetos sensoriais pelo que são. Uma maneira de se fazer isso é não se concentrar nos próprios objetos, mas nas impressões sensoriais – os sons e as cores que as constituem. Uma outra maneira é olhar o espaço entre os objetos ao invés de pôr os olhos nos próprios objetos. Talvez o mais importante seja meditar com os olhos da mente abertos enquanto a atenção se volta para dentro. Isso se chama śāmbhavī-mudrā no Yoga.

Uma maneira de se praticar pratyāhāra é utilizando objetos internos para afastar nossa atenção dos objetos externos. Isso é feito através da terapia com mantras e visualizações, que dirigem para dentro as energias dos sentidos. Desta maneira, utilizamos criativamente a energia dos sentidos em um nível interior.

Pratyāhāra é favorecido quando se cria um ambiente especial que proporciona diversas impressões boas. Isso pode envolver um retiro em um lugar afastado, como uma cabana nas montanhas, onde a pessoa se vê ao abrigo de impressões saudáveis e naturais. A prática de pratyāhāra também pode ser feita construíndo um altar ou um espaço para cura dentro de sua própria casa, o que desenvolve uma natureza superior. Um espaço sagrado ajuda-nos contra a vulnerabilidade a influências do mundo exterior. Os métodos de pratyāhāra são particularmente importantes para pessoas hipersensíveis, impressionáveis e facilmente influenciadas.

Pratyāhāra é o método principal para fortalecer o sistema imunológico mental e sua capacidade de evitar as impressões, as emoções e os pensamentos negativos. Pratyāhāra, portanto, talvez seja o aspecto mais importante do Yoga para problemas psicológicos porque resgata o relacionamento correto entre a mente e o mundo exterior. Impede a recepção de influências negativas do mundo exterior e possibilita a recepção das influências positivas que vêm de dentro. Isso protege o campo mental das influências negativas para que a cura possa ocorrer. A maioria das terapias sensoriais da Āyurveda enquadra-se nessa categoria, tal como a análise do processo correto de assimilação das impressões, o uso dos mantra-s, do som e das cores.

Dhāraṇā – sexto membro do Pātañjala Yoga

Dhāraṇā é a concentração ou a atenção adequada, e isso equivale à capacidade de voltar toda nossa energia mental para o objeto que está sendo examinado. A qualidade de nossa atenção determina as condições de nossa mente. A atenção é a coluna que sustenta nossa mente e nosso caráter, além de conferir energia a tudo o que fazemos.

As técnicas de dhāraṇā consistem em métodos diferentes para tornar a mente determinada, incluindo a concentração em objetos específicos. Alguns desses métodos são os mesmos de pratyāhāra. Neste, a meta é negativa: o recuo da distração dos sentidos, caso em que a natureza do objeto em si não é importante. Em dhāraṇā, a meta é positiva: concentrar-sem em um objetivo particular, no qual sua natureza é fundamental. Portanto, pratyāhāra leva a dhāraṇā. O primeiro reune a energia da mente; o segundo concentra.

Os métodos simples de dhāraṇā envolvem voltar o olhar a vários objetos, como uma lamparina de manteiga derretida, uma vela, uma estátua ou um quadro; pode ser também algum aspecto da natureza como o céu, o oceano, uma árvore, uma montanha ou um córrego. Os métodos interiores de dhāraṇā envolvem a concentração em luzes e sons internos, a visualização de divindades, mantra-s e yantra-s. Pode se realizar dhāraṇā nos elementos, nos cakras e nos guṇas. Dhāraṇā sem forma pode ser feita através das verdades cósmicas, como p.e. concentrar a mente no caráter efêmero de todas as coisas ou na unidade de toda existência.

Dhāraṇā é a maneira pela qual a mente (manas) é controlada, e a inteligência interior (buddhi) é despertada. A mente concentrada tem a capacidade de estabelecer metas, valores e princípios. Ela nos leva à verdade. Resgatar o controle da mente e ser capaz de orientá-la é a chave para o êxito.

Dhyāna – sétimo membro do Pātañjala Yoga

Dhyāna é a meditação no sentido estrito, ou seja, é a capacidade de conservar a atenção em um objeto por um longo período de tempo. Dhāraṇā projeta nossa atenção a um determinado objeto; dhyāna conserva-a nele. Um estado de dhāraṇā conservado leva a dhyāna. Em geral, dhāraṇā deve prosseguir por pelo menos uma hora até que dhyāna de fato ocorra.

Já que a mente é capaz de se concentrar em um objeto, ela recebe automaticamente conhecimento desse objeto. Tudo a que voltamos nossa atenção, com o tempo, desenvolverá um significado mais profundo para nós. Permanecer neste conhecimento é meditar. Ao contrário do que dizem muitos manuais ocidentais de auto-ajuda, meditar não é apenas controlar os pensamentos – o que é, no melhor dos casos, uma tentativa de se meditar. A meditação se dá por meio da atenção continuada.

A meditação pode ser praticada com ou sem forma. A primeira nos prepara para a segunda. A meditação com utilização de formas vale-se dos mesmos métodos utilizados para pratyāhāra e dhāraṇā, conservando a mente em um objeto determinado, durante longo período de tempo. Qualquer elemento pode ser usado: uma forma natural, uma divindade, um guru, um yantra ou mantra. A meditação sem forma envolve princípios universais de verdade, como tudo é manifestação da Consciência Cósmica ou a meditação no Vazio que transcende toda objetividade.

Grande parte do que é chamado de meditação hoje em dia é, precisamente, pratyāhāra (como visualização) ou dhāraṇā (como técnica de concentração). Elas incluem mantra e outras práticas de fácil assimilação e são não raramente difundidas no tratamento anti-stress como propaganda para o bem-estar e crescimento pessoal. Mas a meditação, no verdadeiro significado do termo, foi disseminada pelos mestres do passado como mecanismo de transcendência do ego e espiritualização profunda.

Samādhi – oitavo membro do Pātañjala Yoga

Samādhi é o último membro do sistema de Yoga conforme estabelecido por Patañjali, e o mais importante. É o aspecto central da prática yogī. De fato, o Yoga é definido no Yogasūtra como samādhi. Este é a capacidade que a consciência tem de passar a ser a mesma coisa que o objeto de percepção, por meio da qual é conhecida a natureza da Realidade máxima. Samādhi talvez possa ser traduzido como absorção. Trata-se da capacidade de fundir a consciência com todas as Realidades em todos os níveis de existência. Um estado de implosão das percepções, bem-aventurança, hiperlucidez e sabedoria transcendente. Samādhi não compreende apenas um estado de consciência; mas sim uma área de sabedoria que abarca inúmeros níveis de megalucidez. Sua aquisição não é instantânea, mas o resultado de uma extensa série de experiências que se realizam em função deste único objetivo.

É o estágio mais elevado de meditação, o qual nos leva à natureza divina que perpassa todas as coisas. É a consequência natural da verdadeira meditação. Em outras palavras, meditação ininterrupta resulta em samādhi.


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