quarta-feira, 14 de maio de 2014



O Sādhanā da Bhagavadgītā

Parte . I I I .

Swāmi Niranjanānanda Saraswatī


Satsanga realizado em Paduka Darśan Saṃnyāsa Pītha, Munger, 17 e 18 de fevereiro de 2012.


A Bhagavadgītā começa com uma pessoa em sofrimento e desespero que tem dificuldade em saber qual é o seu dharma. Essa dificuldade e indecisão surgem devido aos apegos e desejos que deram à luz a tristeza, desânimo e depressão. Do outro lado está Śrī Kṛṣṇa que vê essa pessoa esquecendo o seu dharma sendo afligida pelo sofrimento depressivo da mente e passando por um colapso nervoso que está afetando toda a sua personalidade. Śrī Kṛṣṇa não tem outra escolha a não ser tentar tirar Arjuna daquela condição física e psicológica, para que ele possa se lembrar de seu dharma e encontrar a compreensão adequada que irá levá-lo para o sucesso na vida.

Śrī Kṛṣṇa continuamente inspira o guerreiro Arjuna para se tornar ativo e envolvido no desempenho de suas funções. De novo e de novo Śrī Kṛṣṇa lembra a Arjuna que deve realizar o seu dever com desprendimento, perfeição e criatividade, para se expressar e dar o seu melhor. Nos primeiros dias, quando eu vim para o aśram, esta foi uma das poucas instruções que Śrī Swāmi me deu. Ele disse: «Niranjan, acredito que cada dia é um novo dia e que há sempre algo a aprender nesse novo dia. O dia que passou não volta mais. Esteja sempre alerta para aprender tudo o que puder a cada dia.» Desta forma, Śrī Swāmi me inspirou a tornar-me ativo mentalmente, mantendo os olhos abertos e a consciência expandida para ver as novas lições que eu poderia aprender todos os dias. Esse processo continua até hoje e é uma forma de envolvimento e compreensão do karma.

Como Śrī Kṛṣṇa incita Arjuna a executar a ação, também o instrui a manter as ações e os apegos separados. Ações e o desejo pelas ações ou os resultados das ações têm de ser mantidos separados. Não deixe que nada afete suas habilidades criativas e naturais e sua capacidade de executar as ações. Se em algum momento existir a expectativa pelo resultado da ação, ganho ou perda, então a mente será enredada na ação e colherá as devidas consequências, sejam tristes ou alegres.

Dessa maneira a mente continuará a oscilar entre tristeza e alegria e essa oscilação da mente sempre irá mantê-lo perturbado, distraído e extrovertido. Quanto mais você for extrovertido, mais enredados os sentidos tornam-se com os objetos dos sentidos. Quanto mais os sentidos estiverem conectados aos objetos dos sentidos, mais desejos e apegos irão surgir. A mente voltará a ser fustigada pelos ventos da perda e do ganho e o ciclo de tristeza e alegrias irá começar novamente. Envolver-se física e mentalmente no momento presente, de todo o coração, no karma que você está executando, de acordo com tempo, espaço, local, meio ambiente, é uma necessidade do momento presente.

Se uma pessoa está ciente de seu presente karma e tenta fazer o melhor, então este karma irá libertá-la das expressões condicionadas, negativas, que obscurecem a visão, comportamentos e estados dos sentidos. Os sentidos são tanto físicos quanto internos e os sentidos internos são o vṛttis mentais. Para que o comportamento de ambos os sentidos físicos e internos seja ajustado, o desapego deve ser cultivado. Por uma perspectiva, Śrī Kṛṣṇa está constantemente inspirando Arjuna a se envolver na ação e por outra, está dizendo e lembrando-lhe para não cair na armadilha da tristeza, desilusão, desânimo e depressão, mas para encontrar o equilíbrio na mente. A fim de encontrar o equilíbrio mental, Śrī Kṛṣṇa orienta Arjuna no processo de pratyāhāra.

Acalmando a mente

Arjuna pergunta a Śrī Kṛṣṇa: «Você acha que eu posso estabilizar a natureza de minha mente por esta prática? A natureza da mente é dinâmica, ativa e salta de um objeto de percepção e entendimento a outro. A mente é muito dissipada, distraída e perturbada. Se não é possível parar o constante movimento do vento, como pode ser possível parar a mente?» A resposta de Śrī Kṛṣṇa foi: «Sim, é possível.»

Essa capacidade vem com abhyāsa e vairāgya. Abhyāsa significa prática e vairāgya significa desapego das ações. No Yogasūtra, Ṛśī Patañjali descreve abhyāsa como esforço, prática constante e contínua, sustentada por um longo período, com fé. Através de abhyāsa pode-se alcançar o domínio ou a perfeição da prática. Śrī Kṛṣṇa disse a mesma coisa. É possível gerenciar os transtornos da mente com a prática. Prática significa seguir um sistema, uma sequência para se mudar a percepção e a consciência, observando as dimensões física, psicológica e espiritual da experiência humana.

Com abhyāsa e vairāgya torna-se possível acalmar as agitações da mente, assim como em uma sala fechada sem corrente de ar uma chama de vela queima constante sem se mexer. Da mesma forma, com a retração sensorial, abhyāsa, vairāgya e através do conhecimento dos efeitos do apego na forma de atrações, inseguranças e ansiedades, pode-se reduzir gradualmente o movimento da mente. Aqui Śrī Kṛṣṇa também identifica um comportamento específico da mente, o comportamento obsessivo apaixonado.

Paixão denota um estado ou condição mental que paira sobre a uma coisa, uma ideia, pensamento ou objeto e gira apenas ao redor disso. Se a mente começa a pensar em prazeres sensoriais, a necessidade do prazer aparecerá. Se a mente pensa em prazeres emocionais, a mesma coisa, a necessidade do prazer aparecerá. Nesse estado mental apaixonado, uma obsessão pode tomar conta do substrato total da mente, modificando o padrão do comportamento humano. Isso é conhecido como kāma, paixão.

Prāṇāyāma

Paixão não é apenas sensorial, sensual ou sexual; é também emocional, intelectual e espiritual. É uma intensidade do desejo, intenção ou pensamento que se projeta na expressão e ação. A paixão reside nos sentidos, na mente e na inteligência, perturbando os prāṇas no corpo. Não podemos controlar as paixões, mas podemos gerenciar os prāṇas e através dos prāṇas controlar as paixões. Portanto Śrī Kṛṣṇa instrui Arjuna na prática de prāṇāyāma. Para reduzir o apego, as atrações mentais e sensoriais, para superar inseguranças, medos, ansiedades e para gerenciar o caráter agressivo, Śrī Kṛṣṇa ensina o método de pratyāhāra. Para superar a paixão que perturba as energias e forças do corpo e da mente, ele ensina prāṇāyāma. O prāṇāyāma básico é nāḍī-śodhana – que é o mais simples e o mais potente também. À medida que a duração da respiração aumenta, tornando-se lenta, profunda e contínua, os fluxos de iḍā e piṅgalā-nāḍīs são equilibrados.

Por muitos e muitos meses em Rikhia, Śrī Swāmi praticava apenas prāṇāyāma cerca de oito horas por dia, na ocasião em que estava executando suas austeridades. Durante esse tempo, toda a sua personalidade mudou. Com o aumento e a regulação da respiração, as energias de iḍā e piṅgalā, prāṇa-śakti ou energia vital e citta-śakti ou energia mental foram equilibradas. Esse é o momento em que o praticante pode tornar-se livre de todas as influências do karmas e esta foi a última prática ou tapasya de Śrī Swāmi. Este é um exemplo que confirma as instruções de Śrī Kṛṣṇa acerca da prática do prāṇāyāma.

Recordando o nome de Deus

Em seguida Śrī Kṛṣṇa provê uma série de instruções sobre outro tipo de meditação, a constante recordação do nome de Deus. Ele explica que o local para a prática deve ser um lugar limpo, onde há um sentimento de pureza. O praticante deve se colocar sobre um assento, seja feito de grama, pele ou tecido, sentando-se em um āsana, com o corpo firme e completamente estável, concentrando-se no centro entre as sobrancelhas, deixando de lado todo o resto. Fixando a mente no ser interior, ele deve recordar-se Deus.

Como se lembrar de Deus? Existem duas maneiras de se reconhecer qualquer coisa, pelo nome ou pela forma. Se você pensar em alguém, sua forma aparecerá na frente de seus olhos; se você precisa falar com alguém, seu nome virá a mente e logo estará na ponta da língua. Qualquer coisa manifesta é sempre identificada por seu nome ou forma. O nome de Deus é o mantra. Ao recordar e repetir o mantra ou focar a mente na imagem do iṣta-devatā que aparece na frente dos olhos da mente, cultiva-se a consciência do eu superior.

Estas são duas práticas comuns: meditação com mantra e meditação com símbolo. Na medida em que entoar o mantra, foque o símbolo ou a imagem, assim a mente se fixará em duas dimensões – no nível visual, enquanto se vê a imagem e no nível da mente enquanto se repete o mantra. No nível sensorial a mente vê a imagem e no nível mental ela repete o mantra. Assim, Śrī Kṛṣṇa ensina a Arjuna o mantra-sādhanā.

Agora Arjuna pergunta: «Com todas as coisas que você me disse, muitas das minhas dúvidas foram esclarecidas. Mas você continua dizendo que devo manter o foco em você, o que significa isso? Devo lhe focar como Deus ou como indivíduo? Como Deus você é impessoal e como indivíduo você é meu amigo. Quem é você?» Śrī Kṛṣṇa, em seguida, descreve a sua natureza divina. Aqui as instruções e orientações sobre Yoga são interrompidas e a descrição da natureza divina se inicia e o devoto ou jñani começa.

Śrī Kṛṣṇa descreve os atributos divinos e diz: «Eu sou dotado com eles e você também é. A única diferença é que eu estou ciente deles e eles estão despertos em mim; você não está ciente deles e eles estão latentes em você. Eu permeio todo o universo e, ao mesmo tempo, estou confinado neste corpo como seu amigo.» Então Arjuna diz: «Tudo bem, eu acredito que em você todo o universo está contido, assim, pode você me mostrar a sua forma universal?»

Em seguida, através do śaktipāta, Śrī Kṛṣṇa capacita Arjuna a ver sua forma universal e ele fica sem palavras. Ele vê todas as galáxias, os multiversos, todas as estrelas, sóis, luas, planetas etc., tudo contido no corpo de Śrī Kṛṣṇa. Ele vê as formas de diferentes tipos de vida – formas elementais e físicas, pessoas, animais e insetos – toda a criação no corpo de Śrī Kṛṣṇa. Ele vê todas as pessoas que nasceram no passado, todos aqueles que estão vivendo no presente e todos os que vão nascer no futuro. Nesta experiência transcendental, Arjuna entra em um estado de completo estupor e diz a Śrī Kṛṣṇa: «Eu estou com medo, estou com medo de sua forma universal, por favor, volte a sua forma humana, a forma com a qual me identifico o tempo todo como meu amigo.»

Quando Śrī Kṛṣṇa retornou à sua forma humana, Arjuna disse: «Você me mostrou, finalmente, que todos nós viemos de ti e vamos nos fundir a ti. Eu vi também que existem diferentes tipos de pessoas no mundo que o adoram e tentam chegar até a ti. Neste grupo há dois tipos: aqueles que acreditam que você é nirakara, sem forma e o adoram dessa maneira e aqueles que o adoram como tendo forma, em diferentes formas. Qual é melhor, me identificar e lhe adorar sem forma ou com forma? Que tipo de bhakta ou devoto é melhor?»

Śrī Kṛṣṇa responde: «Nenhum dos dois é melhor ou pior, são caminhos diferentes e de acordo com a inclinação pessoal, as pessoas adotam um caminho. No entanto, expressar devoção ou fé não é bhakti; adorar e me adorar o tempo todo não é bhakti. Um verdadeiro bhakta ou devoto é uma pessoa que atingiu um estado mais elevado de mente e de percepção. A pessoa que atingiu este estado de mente é estimada por mim, porque ele é dotado de qualidades especiais que não permitem que ele veja qualquer distinção entre mim e minha criação. Ele me vê em tudo e tudo em mim. Ele é amigável e compassivo para com todos, porque ele me vê em tudo. Ele é sem ego e arrogância porque me vê em todo mundo.» Desta forma Śrī Kṛṣṇa define as características de um devoto que foi além do culto externo, físico e que começou a perceber a existência do ser divino e o seu poder em cada partícula e átomo da criação.

Śrī Swāmi disse a mesma coisa. Cultive ātma-bhava, veja a si mesmo nos outros. Se você olhar profundamente dentro de si, além da pele e osso, sangue e músculos, irá ver que Deus está assentado dentro de você, ele é um inquilino em seu coração. Deus vive dentro de você. Śrī Swāmi disse, se você vê uma pessoa que está com fome, saiba que Deus dentro dessa pessoa também está com fome; se você vê uma pessoa que está doente, saiba que Deus dentro dessa pessoa também está doente; se você vê uma pessoa que é feliz, saiba que Deus dentro dessa pessoa também está feliz. Através do cultivo de ātma-bhava você se torna capaz de ver a centelha divina em si mesmo e também nos outros. Quando você vê a centelha divina nos outros, então está conectado com todos, sem separação ou dualidade. Há uma experiência de unidade, um sentimento que todos nós pertencemos uns aos outros e temos que apoiar uns aos outros e ser uma fonte de força e inspiração. Śrī Swāmi viveu esta experiência e estado de ātma-bhava em Rikhia.

Quando Arjuna ouve a descrição das características de um devoto, ele pede a Śrī Kṛṣṇa: «Você pode definir em qual dimensão os seres humanos ou as formas de vida interagem? Em quantos níveis, quantas dimensões?» Śrī Kṛṣṇa responde: «As pessoas falam de prakṛti, mas saiba que prakṛti é de dois tipos. Um é jadha, não-senciente e o outro é caitanya, senciente. Nascemos na dimensão da natureza insenciente que é óctupla. Jadha-prakṛti não está ciente de que existe em oito partes: os cinco elementos (terra, água, fogo, ar e éter), mais manas, buddhi e ahaṃkāra. Estas são as oito manifestações cósmicas que deram à luz a todo o tipo de forma de vida na criação.

A prakṛti senciente permanece com Deus e é a prakṛti, a natureza, śakti ou o poder do Yoga. Portanto, esta Ādi-Śakti ou Śakti Primordial é conhecida como yoga-māyā. Yoga nos traz mais próximos da natureza superior e māyā nos separa dela. Yoga-māyā tem ambas as habilidades: nos aproximar da dimensão da felicidade ou nos envolver na dimensão da dor. Com māyā no reino dos oito aspectos da prakṛti, esta śakti nos conecta a dimensão da dor e sofrimento. Com Yoga, este poder nos eleva para a dimensão do Ser superior. A dimensão onde toda a vida constitui experiência de vida e submete-se ao processo de evolução acontece na dimensão da prakṛti óctupla.

Tradução livre de Fernando Liguori.

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