O Sādhanā da Bhagavadgītā
Parte . I I I .
Swāmi Niranjanānanda Saraswatī
Satsanga realizado em
Paduka Darśan Saṃnyāsa Pītha, Munger, 17 e 18 de fevereiro de 2012.
A Bhagavadgītā começa com uma pessoa em sofrimento e desespero que
tem dificuldade em saber qual é o seu dharma. Essa dificuldade e
indecisão surgem devido aos apegos e desejos que deram à luz a tristeza,
desânimo e depressão. Do outro lado está Śrī Kṛṣṇa que vê essa pessoa esquecendo
o seu dharma sendo afligida pelo sofrimento depressivo da mente e
passando por um colapso nervoso que está afetando toda a sua personalidade. Śrī
Kṛṣṇa não tem outra escolha a não ser tentar tirar Arjuna daquela condição
física e psicológica, para que ele possa se lembrar de seu dharma e
encontrar a compreensão adequada que irá levá-lo para o sucesso na vida.
Śrī Kṛṣṇa continuamente inspira o guerreiro Arjuna para se tornar ativo e
envolvido no desempenho de suas funções. De novo e de novo Śrī Kṛṣṇa lembra a Arjuna
que deve realizar o seu dever com desprendimento, perfeição e criatividade,
para se expressar e dar o seu melhor. Nos primeiros dias, quando eu vim para o aśram,
esta foi uma das poucas instruções que Śrī Swāmi me deu. Ele disse: «Niranjan,
acredito que cada dia é um novo dia e que há sempre algo a aprender nesse novo
dia. O dia que passou não volta mais. Esteja sempre alerta para aprender tudo o
que puder a cada dia.» Desta forma, Śrī Swāmi me inspirou a tornar-me ativo
mentalmente, mantendo os olhos abertos e a consciência expandida para ver as
novas lições que eu poderia aprender todos os dias. Esse processo continua até
hoje e é uma forma de envolvimento e compreensão do karma.
Como Śrī Kṛṣṇa incita Arjuna a executar a ação, também o instrui a manter
as ações e os apegos separados. Ações e o desejo pelas ações ou os resultados das
ações têm de ser mantidos separados. Não deixe que nada afete suas habilidades criativas
e naturais e sua capacidade de executar as ações. Se em algum momento existir a
expectativa pelo resultado da ação, ganho ou perda, então a mente será enredada
na ação e colherá as devidas consequências, sejam tristes ou alegres.
Dessa maneira a mente continuará a oscilar entre tristeza e alegria e essa
oscilação da mente sempre irá mantê-lo perturbado, distraído e extrovertido.
Quanto mais você for extrovertido, mais enredados os sentidos tornam-se com os
objetos dos sentidos. Quanto mais os sentidos estiverem conectados aos objetos
dos sentidos, mais desejos e apegos irão surgir. A mente voltará a ser
fustigada pelos ventos da perda e do ganho e o ciclo de tristeza e alegrias irá
começar novamente. Envolver-se física e mentalmente no momento presente, de
todo o coração, no karma que você está executando, de acordo com tempo,
espaço, local, meio ambiente, é uma necessidade do momento presente.
Se uma pessoa está ciente de seu presente karma e tenta fazer o
melhor, então este karma irá libertá-la das expressões condicionadas,
negativas, que obscurecem a visão, comportamentos e estados dos sentidos. Os sentidos
são tanto físicos quanto internos e os sentidos internos são o vṛttis
mentais. Para que o comportamento de ambos os sentidos físicos e internos seja
ajustado, o desapego deve ser cultivado. Por uma perspectiva, Śrī Kṛṣṇa está
constantemente inspirando Arjuna a se envolver na ação e por outra, está
dizendo e lembrando-lhe para não cair na armadilha da tristeza, desilusão,
desânimo e depressão, mas para encontrar o equilíbrio na mente. A fim de
encontrar o equilíbrio mental, Śrī Kṛṣṇa orienta Arjuna no processo de pratyāhāra.
Acalmando a mente
Arjuna pergunta a Śrī Kṛṣṇa: «Você acha que eu posso estabilizar a
natureza de minha mente por esta prática? A natureza da mente é dinâmica, ativa
e salta de um objeto de percepção e entendimento a outro. A mente é muito
dissipada, distraída e perturbada. Se não é possível parar o constante
movimento do vento, como pode ser possível parar a mente?» A resposta de Śrī Kṛṣṇa
foi: «Sim, é possível.»
Essa capacidade vem com abhyāsa e vairāgya. Abhyāsa
significa prática e vairāgya significa desapego das ações. No Yogasūtra,
Ṛśī Patañjali descreve abhyāsa como esforço, prática constante e
contínua, sustentada por um longo período, com fé. Através de abhyāsa
pode-se alcançar o domínio ou a perfeição da prática. Śrī Kṛṣṇa disse a mesma
coisa. É possível gerenciar os transtornos da mente com a prática.
Prática significa seguir um sistema, uma sequência para se mudar a percepção e a
consciência, observando as dimensões física, psicológica e espiritual da
experiência humana.
Com abhyāsa e vairāgya torna-se possível acalmar as
agitações da mente, assim como em uma sala fechada sem corrente de ar uma chama
de vela queima constante sem se mexer. Da mesma forma, com a retração sensorial,
abhyāsa, vairāgya e através do conhecimento dos efeitos do apego
na forma de atrações, inseguranças e ansiedades, pode-se reduzir gradualmente o
movimento da mente. Aqui Śrī Kṛṣṇa também identifica um comportamento
específico da mente, o comportamento obsessivo apaixonado.
Paixão denota um estado ou condição mental que paira sobre a uma coisa,
uma ideia, pensamento ou objeto e gira apenas ao redor disso. Se a mente começa
a pensar em prazeres sensoriais, a necessidade do prazer aparecerá. Se a mente
pensa em prazeres emocionais, a mesma coisa, a necessidade do prazer aparecerá.
Nesse estado mental apaixonado, uma obsessão pode tomar conta do substrato
total da mente, modificando o padrão do comportamento humano. Isso é conhecido
como kāma, paixão.
Prāṇāyāma
Paixão não é apenas sensorial, sensual ou sexual; é também emocional,
intelectual e espiritual. É uma intensidade do desejo, intenção ou pensamento
que se projeta na expressão e ação. A paixão reside nos sentidos, na mente e
na inteligência, perturbando os prāṇas no corpo. Não podemos controlar as
paixões, mas podemos gerenciar os prāṇas e através dos prāṇas controlar as
paixões. Portanto Śrī Kṛṣṇa instrui Arjuna na prática de prāṇāyāma.
Para reduzir o apego, as atrações mentais e sensoriais, para superar
inseguranças, medos, ansiedades e para gerenciar o caráter agressivo, Śrī Kṛṣṇa
ensina o método de pratyāhāra. Para superar a paixão que perturba as
energias e forças do corpo e da mente, ele ensina prāṇāyāma. O prāṇāyāma
básico é nāḍī-śodhana – que é o mais simples e o mais potente também. À
medida que a duração da respiração aumenta, tornando-se lenta, profunda e contínua,
os fluxos de iḍā e piṅgalā-nāḍīs são equilibrados.
Por muitos e muitos meses em Rikhia, Śrī Swāmi praticava apenas prāṇāyāma
cerca de oito horas por dia, na ocasião em que estava executando suas austeridades.
Durante esse tempo, toda a sua personalidade mudou. Com o aumento e a regulação
da respiração, as energias de iḍā e piṅgalā, prāṇa-śakti
ou energia vital e citta-śakti ou energia mental foram equilibradas. Esse
é o momento em que o praticante pode tornar-se livre de todas as influências do
karmas e esta foi a última prática ou tapasya de Śrī Swāmi. Este é
um exemplo que confirma as instruções de Śrī Kṛṣṇa acerca da prática do prāṇāyāma.
Recordando o nome de Deus
Em seguida Śrī Kṛṣṇa provê uma série de instruções sobre outro tipo de meditação,
a constante recordação do nome de Deus. Ele explica que o local para a prática
deve ser um lugar limpo, onde há um sentimento de pureza. O praticante deve se
colocar sobre um assento, seja feito de grama, pele ou tecido, sentando-se em um
āsana, com o corpo firme e completamente estável, concentrando-se no
centro entre as sobrancelhas, deixando de lado todo o resto. Fixando a mente no
ser interior, ele deve recordar-se Deus.
Como se lembrar de Deus? Existem duas maneiras de se reconhecer qualquer
coisa, pelo nome ou pela forma. Se você pensar em alguém, sua forma aparecerá
na frente de seus olhos; se você precisa falar com alguém, seu nome virá a
mente e logo estará na ponta da língua. Qualquer coisa manifesta é sempre
identificada por seu nome ou forma. O nome de Deus é o mantra. Ao recordar
e repetir o mantra ou focar a mente na imagem do iṣta-devatā que
aparece na frente dos olhos da mente, cultiva-se a consciência do eu superior.
Estas são duas práticas comuns: meditação com mantra e meditação com
símbolo. Na medida em que entoar o mantra, foque o símbolo ou a imagem, assim
a mente se fixará em duas dimensões – no nível visual, enquanto se vê a imagem
e no nível da mente enquanto se repete o mantra. No nível sensorial a
mente vê a imagem e no nível mental ela repete o mantra. Assim, Śrī Kṛṣṇa
ensina a Arjuna o mantra-sādhanā.
Agora Arjuna pergunta: «Com todas as coisas que você me disse, muitas das
minhas dúvidas foram esclarecidas. Mas você continua dizendo que devo manter o
foco em você, o que significa isso? Devo lhe focar como Deus ou como indivíduo?
Como Deus você é impessoal e como indivíduo você é meu amigo. Quem é você?» Śrī
Kṛṣṇa, em seguida, descreve a sua natureza divina. Aqui as instruções e
orientações sobre Yoga são interrompidas e a descrição da natureza
divina se inicia e o devoto ou jñani começa.
Śrī Kṛṣṇa descreve os atributos divinos e diz: «Eu sou dotado com eles e
você também é. A única diferença é que eu estou ciente deles e eles estão despertos
em mim; você não está ciente deles e eles estão latentes em você. Eu permeio
todo o universo e, ao mesmo tempo, estou confinado neste corpo como seu amigo.»
Então Arjuna diz: «Tudo bem, eu acredito que em você todo o universo está
contido, assim, pode você me mostrar a sua forma universal?»
Em seguida, através do śaktipāta, Śrī Kṛṣṇa capacita Arjuna a ver
sua forma universal e ele fica sem palavras. Ele vê todas as galáxias, os
multiversos, todas as estrelas, sóis, luas, planetas etc., tudo contido no
corpo de Śrī Kṛṣṇa. Ele vê as formas de diferentes tipos de vida – formas
elementais e físicas, pessoas, animais e insetos – toda a criação no corpo de Śrī
Kṛṣṇa. Ele vê todas as pessoas que nasceram no passado, todos aqueles que estão
vivendo no presente e todos os que vão nascer no futuro. Nesta experiência
transcendental, Arjuna entra em um estado de completo estupor e diz a Śrī Kṛṣṇa:
«Eu estou com medo, estou com medo de sua forma universal, por favor, volte a
sua forma humana, a forma com a qual me identifico o tempo todo como meu amigo.»
Quando Śrī Kṛṣṇa retornou à sua forma humana, Arjuna disse: «Você me
mostrou, finalmente, que todos nós viemos de ti e vamos nos fundir a ti. Eu vi
também que existem diferentes tipos de pessoas no mundo que o adoram e tentam chegar
até a ti. Neste grupo há dois tipos: aqueles que acreditam que você é nirakara,
sem forma e o adoram dessa maneira e aqueles que o adoram como tendo forma, em
diferentes formas. Qual é melhor, me identificar e lhe adorar sem forma ou com
forma? Que tipo de bhakta ou devoto é melhor?»
Śrī Kṛṣṇa responde: «Nenhum dos dois é melhor ou pior, são caminhos
diferentes e de acordo com a inclinação pessoal, as pessoas adotam um caminho.
No entanto, expressar devoção ou fé não é bhakti; adorar e me adorar o
tempo todo não é bhakti. Um verdadeiro bhakta ou devoto é uma pessoa
que atingiu um estado mais elevado de mente e de percepção. A pessoa que
atingiu este estado de mente é estimada por mim, porque ele é dotado de qualidades
especiais que não permitem que ele veja qualquer distinção entre mim e minha
criação. Ele me vê em tudo e tudo em mim. Ele é amigável e compassivo
para com todos, porque ele me vê em tudo. Ele é sem ego e arrogância porque me
vê em todo mundo.» Desta forma Śrī Kṛṣṇa define as características de um
devoto que foi além do culto externo, físico e que começou a perceber a
existência do ser divino e o seu poder em cada partícula e átomo da criação.
Śrī Swāmi disse a mesma coisa. Cultive ātma-bhava, veja a si mesmo
nos outros. Se você olhar profundamente dentro de si, além da pele e osso,
sangue e músculos, irá ver que Deus está assentado dentro de você, ele é um
inquilino em seu coração. Deus vive dentro de você. Śrī Swāmi disse, se você vê
uma pessoa que está com fome, saiba que Deus dentro dessa pessoa também está
com fome; se você vê uma pessoa que está doente, saiba que Deus dentro dessa
pessoa também está doente; se você vê uma pessoa que é feliz, saiba que Deus
dentro dessa pessoa também está feliz. Através do cultivo de ātma-bhava
você se torna capaz de ver a centelha divina em si mesmo e também nos outros.
Quando você vê a centelha divina nos outros, então está conectado com todos,
sem separação ou dualidade. Há uma experiência de unidade, um sentimento que
todos nós pertencemos uns aos outros e temos que apoiar uns aos outros e ser
uma fonte de força e inspiração. Śrī Swāmi viveu esta experiência e estado de ātma-bhava
em Rikhia.
Quando Arjuna ouve a descrição das características de um devoto, ele pede a
Śrī Kṛṣṇa: «Você pode definir em qual dimensão os seres humanos ou as formas de
vida interagem? Em quantos níveis, quantas dimensões?» Śrī Kṛṣṇa responde: «As
pessoas falam de prakṛti, mas saiba que prakṛti é de dois tipos.
Um é jadha, não-senciente e o outro é caitanya, senciente.
Nascemos na dimensão da natureza insenciente que é óctupla. Jadha-prakṛti
não está ciente de que existe em oito partes: os cinco elementos (terra, água,
fogo, ar e éter), mais manas, buddhi e ahaṃkāra. Estas são
as oito manifestações cósmicas que deram à luz a todo o tipo de forma de vida
na criação.
A prakṛti senciente permanece com Deus e é a prakṛti, a natureza,
śakti ou o poder do Yoga. Portanto, esta Ādi-Śakti ou Śakti Primordial
é conhecida como yoga-māyā. Yoga nos traz mais próximos da
natureza superior e māyā nos separa dela. Yoga-māyā tem ambas as
habilidades: nos aproximar da dimensão da felicidade ou nos envolver na
dimensão da dor. Com māyā no reino dos oito aspectos da prakṛti,
esta śakti nos conecta a dimensão da dor e sofrimento. Com Yoga,
este poder nos eleva para a dimensão do Ser superior. A dimensão onde toda a vida
constitui experiência de vida e submete-se ao processo de evolução acontece na
dimensão da prakṛti óctupla.
Tradução livre de Fernando Liguori.
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