quarta-feira, 18 de junho de 2014




Fernando Liguori


Texto retirado da apostila do curso «Oficina de Meditação», edição 2011, ministrado pelo Instituto Kaula.


Na medida em que a mente subconsciente é progressivamente purificada e o praticante avança nas práticas meditativas, gradativamente ele se confronta com a enormidade de sua psique e uma quantidade esmagadora de visões, premonições sobre o futuro e muitas outras experiências. Uma vez que é essencial observar as inúmeras manifestações que ocorrem na psique como uma testemunha, o praticante não deve se envolver, não deve se encantar ou se deixar oprimir por elas. Observe-as de todas as maneiras, mas não se distraia na medida em que se aprofunda nas camadas mais inacessíveis de sua mente. É possível ir mais fundo, muito mais fundo do que a imaginação pode conceber.

Não se apegue ao exterior. Observe, experiencie, permaneça sempre como uma testemunha. Seja desapegado... seja consciente. Essa é a maneira de não se deixar seduzir ou se distrair na medida em que mergulha nas profundezas de si mesmo. Pode ser que neste momento você não esteja explorando os níveis mais profundos de sua psique, mas com força de vontade e continuidade de propósito, logo estará. Fazemos essa advertência para que você tenha isso em mente quando iniciar suas investigações nos incríveis reinos da psique que se encontram além do subconsciente. Não se prenda ao cenário agradável – ele é muito bonito mesmo – na medida em que caminha em direção ao centro de seu Ser. Sempre se lembre que o objetivo é explorar e experienciar a essência de seu Ser. Portanto, não se perca.

Na lição anterior (apostila IV, p. 19) nós lhe introduzimos a prática de japa. Finalizamos este tópico com mais algumas técnicas.

Reflexão

A prática de japa pode trazer benefícios maravilhosos se você reflete sobre o significado do mantra. Isso pode ser feito durante a prática ou através do dia. Mas a necessidade de se conhecer o verdadeiro significado do mantra precisa vir do coração. A prática não trará resultados se a necessidade não vir do interior. Cada mantra possui inúmeras camadas de vibração que precisam ser exploradas. Você precisa se fundir com o mantra e experienciar tudo o que ele evoca. Cada mantra representa algo que não pode ser explicado em simples palavras. É preciso vivenciar o mantra. É por isso que no início nós não aconselhamos as pessoas a se apegarem ao significado do mantra. Quando explicamos o significado do mantra para os iniciantes sua prática pode se tornar superficial, pois o intelecto irá atuar em demasia na prática. Na verdade, você precisa descobrir o significado do mantra por si mesmo, pois nenhuma pessoa jamais poderá explicar o significado de um mantra para outra pessoa sem ferir sua grandeza e profundidade. A explicação jamais transcenderá o abismo que existe entre o significado verbal e a experiência direta.

O processo de reflexão no significado do mantra intensifica japa-sādhanā. Mas isso é para os praticantes mais experientes que desenvolveram o poder de penetração e inquirição da mente. Essas qualidades se apresentam nos praticantes que possuem uma mente calma e unidirecionada. Portanto, não se sinta obrigado a refletir sobre o significado do mantra durante a prática de japa. Japa lhe proverá resultados maravilhosos sem essa reflexão, mas ela leva aos frutos mais elevados de japa-sādhanā.

Devoção

A devoção é outro método poderoso para se intensificar a prática de japa. Ela deve ser praticada pelas pessoas naturalmente inclinadas a adoração, pessoas que possuem um notável caráter emocional.

Cada mantra é uma śakti, uma conexão direta com o divino. Portanto, quando entoar seu mantra, sinta que está comungando com a essência divina. Sinta amor em seu coração e ao mesmo tempo esteja consciente de todas as associações que envolvem o mantra. Deixe que esse sentimento interior de completude (bhava) preencha todo seu Ser. Eventualmente seu coração entoará o mantra espontaneamente. Isso intensificará todo processo de japa.

Japa-sahita-dhyāna

A palavra sânscrita sahita significa junto com ou combinado com. A palavra dhyāna significa meditação. Portanto, essa prática é a combinação de japa com consciência do símbolo interno (antar-trāṭaka).

Se você entoa o mantra auṃ pode utilizar seu símbolo correspondente como foco para sua atenção. Se você possui um mantra pessoal e conhece seu símbolo, use-o, caso contrário, escolha qualquer outro símbolo que possua conexão com seu mantra. Se possui um iṣtā-devatā (deidade particular escolhida para adoração), pode usar sua imagem (trāṭaka). Mas se não chegou neste nível de desenvolvimento, procure as instruções de um professor qualificado.

Incidentemente, cada mantra está inseparavelmente associado a um símbolo ou forma definida. Portanto, se sua mente atinge um profundo estado de relaxamento, unidirecionamento e receptividade, e se ela estiver completamente preenchida e energizada pela vibração sonora do mantra, o símbolo psíquico que possui conexão direta com o mantra irá surgir espontaneamente na percepção consciente. Indo neste caminho, você encontrará a forma exata ou o símbolo de seu mantra.

O método é basicamente o mesmo que descrevemos na lição anterior, mas você deve visualizar o símbolo escolhido na frente de seus olhos fechados. Se for inclinado a adoração, pode praticar a devoção, conectando o mantra a deidade particular ou pode refletir sobre o significado do símbolo e do mantra.

Se a sua mente não está direcionada será muito difícil visualizar uma imagem clara. Portanto, nós primeiro recomendamos que você acalme a sua mente e remova os construtos de pensamento que a distraem praticando os métodos 1 e 2 descritos na lição anterior (apostila IV, p. 23-4). Quando a mente se tornar concentrada, então pratique japa-sahita-dhyāna. Esta é uma prática mais difícil, mas é também mais poderosa. Sua consciência deve fluir junto com o mantra, o símbolo e a rotação da mālā. Se você encontra dificuldade em manter uma imagem interior fixa, pratique os métodos apresentados no módulo anterior.

Likhit-japa

A palavra likhit significa escrever. Portanto essa prática pode ser chamada de japa ou repetição escrita. Ela envolve a escrita da forma do mantra inúmeras vezes em um diário. Por exemplo, você pode escrever o símbolo do auṃ: \\\\\\\. Mas pode também escolher o símbolo que achar necessário.

As letras devem ser pequenas e bem claras. Isso aumentará a concentração. Escreva cada símbolo com o máximo de cuidado, proporção e senso de beleza. Faça com que cada símbolo seja uma obra de arte, pelo menos para você.

Na medida em que escrever cada mantra, o entoe mentalmente. Isso pode não parecer uma prática meditativa, todavia ela é. Se você escreve páginas e páginas de símbolos e simultaneamente entoa seus respectivos mantras, estará induzindo o equilíbrio e o unidirecionamento da mente. Se você associar a escrita com a devoção e | ou a reflexão no seu significado, a prática será potencializada. Essa é uma técnica muito difundida na Índia. Durante o mês de śravana, os hindus tradicionalmente colhem inúmeras folhas de uma árvore chamada bilva. O mantra Auṃ Namaḥ Śivāya é escrito nas folhas com pó vermelho e elas são oferecidas ao Senhor Śiva. Essa prática é executada durante todo o mês e gera grande devoção.

Este é o tipo de técnica que pode ser executada aos domingos à tarde, ao invés de se ler um jornal ou dormir.

Sumirani-japa

Este é um tipo de japa para ser executada durante todo o dia. É geralmente feita com uma mālā de 27 contas, levada pelo praticante a todos os lugares, em todas as ocasiões. No Ocidente isso não é nada prático, mas este é o método tradicional. Para pessoas que empreendem um sādhanā durante todo o tempo, essa é uma pratica efetuada continuamente. Quer dizer, seja qual for à circunstância, a mālā é circulada e o mantra é mentalmente entoado. Com proficiência, essa prática continua até durante o sono. O objetivo é fazer com que o mantra eventualmente surja dos rincões mais profundos de seu Ser. Neste ponto, você não precisará entoar o mantra, ele estará sendo entoado o tempo todo espontaneamente. Todo seu Ser irá ressoar com o mantra. A mālā irá girar por si mesma. Isso transformará a mente em um veículo incrivelmente unidirecionado e poderoso, o que trará frutos bem-sucedidos a prática espiritual na medida em que induz o estado meditativo profundo. É um método poderoso, mas não é nada prático a pessoa de mente comum. É difícil fazer rotações na mālā enquanto se conversa com o patrão, enquanto dirige um carro etc., mas é uma prática que você pode tentar em um feriado, quando estiver caminhando ou nas horas vagas. Se você entoa seu mantra regularmente durante as horas de folga, eventualmente o mantra se manifestará automaticamente quando estiver executando suas tarefas. Ele continuará sendo entoado no plano de fundo de todas as suas ações. Esta é uma técnica poderosa que pode levá-lo a experiências elevadas.

Ajapa-japa

Essa é a repetição (japa) que ocorre espontaneamente (ajapa) em harmonia com os ritmos naturais do complexo corpo-mente. Nós lhe introduziremos ao tema na próxima lição deste módulo.

Nota geral


Japa só se tornará poderosa na medida em que for praticada com regularidade e sem falha.

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