quinta-feira, 19 de junho de 2014




Fernando Liguori


Estudos sobre as técnicas de Yoga ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā. Grupo de Estudos Kaula, 2014. Texto editado para internet a partir da apostila do Workshop Pañca Dhārana: As Cinco Concentrações de Gheraṇḍa, Instituto Kaula, 2014.


No texto anterior, estabelecemos a conexão existente entre o pañca-dhāraṇā exposto na Gheraṇḍa-saṃhitā, as instruções deixadas por Patañjali e Gorakṣanātha em seus respectivos sistemas e a influência dos ensinamentos contidos nas Upaniṣads do Yoga. Ao formular suas práticas de dhāraṇā, Gheraṇḍa se baseou amplamente neste conjunto, com uma profunda inclinação as técnicas de ākāśa-dhāraṇā contidas nas upaniṣads. Resumindo, as técnicas de ākāśa-dhāraṇā incluem o cidākāśa, que lida com as práticas de concentração em relação aos eventos, memórias e experiências que ocorrem na dimensão do nome, forma e ideia. As experiências sensoriais externas são testemunhadas no cidākāśa. O aspecto sutil, emocional e sentimental é testemunhado e desenvolvido no hṛdayākāśa. A experiência prânica e psíquica emana e é testemunhada no daharākāśa. Contudo, a fim de reconhecer a experiência prânica e psíquica, a mente externa, a mente que está ativa em nosso interior agora, tem de ser apropriadamente guiada e treinada.

Daharākāśa-dhāraṇā

No processo de treinamento da mente que envolve as técnicas de ākāśa-dhāraṇā, existe um conjunto de práticas denominado pañcatattva-dhāraṇā ou «concentração nos cinco elementos». Esse conjunto de práticas é dividido em dois arranjos diferentes. No primeiro, os cinco tattvas físicos são visusalizados e através disso uma profunda consciência sobre eles é adquirida. Por exemplo, no corpo, que é feito do elemento terra, ocorre uma «dissecação» profunda desse elemento, sua solidez material é explorada até que sua estrutura atômica seja vista. No mesmo caminho, os outros elementos são visualizados. O segundo arranjo envolve os kośas. Observar, analisar e compreender o pañca-kośa desde o annamaya até o ānandamaya-kośa.

A fim de treinar a mente para que seja capaz de experimentar esses níveis sutis e aspectos profundos dos tattvas e kośas, a fim de treinar a mente para observar e compreender o processo que os envolve, é necessário seguir um sistema de educação mental direcionado a experiência e conhecimento sutil da personalidade.

No Yoga o conceito de personalidade é vasto.[1] O conceito psicológico da personalidade se limita ao caráter, qualidades, fraquezas etc. Contudo, de acordo com o Yoga, a personalidade é uma combinação dos cinco kośas e suas experiências, pertencentes tanto à mente inferior manifesta quanto a mente superior não manifesta.

Assim, os princípios básicos dessas duas técnicas distintas de pañcatattva é o que praticamos na meditação. As outras técnicas são estruturadas em cima dessas, como blocos de madeira que as crianças utilizam para construir suas casas de brinquedo. Da mesma maneira, o que estamos tentando aqui é criar uma estrutura dentro da mente onde as faculdades da consciência estão livres para ver e experimentar coisas diferentes.

Estamos todos conscientes do processo respiratório que geralmente é visto como algo meramente físico. Quando inspiramos os pulmões se expandem com o ar que entra. Quando expiramos os pulmões se contraem com a saída do ar. Portanto, o processo respiratório é bem físico mesmo, mas dentro desta experiência física, experiências mais sutis se desenvolvem, o que nos leva a obter diferentes visões a partir do processo físico.

O processo de intensificação

Quando começamos a sentir esse processo sutil nossa percepção muda. É como ver o mundo com nossos olhos e com os mesmos olhos e visão percebê-lo de maneira diferente, como se submerso. O órgão da visão, o olho, não muda. A faculdade da visão não muda. É a percepção do olho que muda de um elemento para o outro. Se abrirmos os olhos debaixo d’água notaremos que a visão está turva. Até a percepção das cores será alterada. A percepção clara pode ou não estar presente.

Na medida em que nadamos mais profundamente, o alcance da visão diminui, mas ao mesmo tempo ela torna-se mais intensa, pois está confinada em uma área restrita. Nesse processo nos tornamos mais conscientes. Quanto mais amplo for o alcance da experiência sensorial, maiores serão as chances de se perder nela ou em alguma parte dela. Quando o alcance da percepção está limitado, a intensidade da consciência aumenta. Portanto mesmo em dhāraṇā, quando tentamos unidirecionar as faculdades da mente dentro de um alcance particular, estamos reduzindo a área de atenção e intensificando a consciência mais e mais.

Isso está em pleno acordo com a filosofia exposta por Gheraṇḍa, pois nesse processo de intensificação o corpo é a base. É a ferramenta de trabalho que está sempre a sua disposição para ser experimentada a qualquer hora. Assim existe um reconhecimento do estado físico: «consigo sentir meu corpo, ele está aqui», mas ao mesmo tempo existe a consciência de seus estados sutis. Esse é um ponto importante. Às vezes, na hora da prática, fazemos a afirmação: «torne-se consciente de seu corpo», mas o que geralmente acontece é a percepção corporal naquele momento. Quando dizemos «esteja consciente de algo além do corpo», algo mais profundo e sutil do que a experiência física, queremos dizer que devemos estar mais conscientes dentro daquele alcance limitado da visão. Esse é o treinamento que fazemos nessas praticas de dhāraṇā. Reduzir o alcance da percepção para que haja grande quantidade de consciência e concentração. Por isso o corpo é à base de onde as experiências mais sutis se desenvolvem, como ensina Gheraṇḍa desde o início na Gheraṇḍa-saṃhitā.

O primeiro corpo a se desenvolver depois do físico é o mental. Em pañcatattva-dhāraṇā, a consciência do corpo mental inclui os quatro componentes da mente: buddhi, citta, manas e ahaṃkāra, assim como sua vitalização e gerenciamento. Acima de tudo, existe uma força que vitaliza o processo cognitivo, provendo-lhe dinamismo. Existe um processo que faz nossas ambições e desejos tornarem-se dinâmicos. Que processo ou força é essa?

Em termos gerais, é o prāṇa. Contudo, dissecando o conceito de prāṇa em relação ao processo respiratório, o corpo sutil é energizado por seu aspecto vitalizante. Essa é a primeira manifestação ou aspecto do prāṇa em relação a dimensão grosseira. Geralmente é dito que prāṇa significa vitalidade, mas esse é apenas um aspecto, visto como a força que vitaliza o corpo mental.

Corpo sutil aqui é um termo que descreve o processo mental profundo. O processo mental superficial são os pensamentos, as ambições, os desejos etc. Podemos resumir esse processo mental sutil em uma palavra: saṃskāra, as sementes que dão nascimento aos nossos hábitos e comportamentos no dia-a-dia. Os saṃskāras influenciam o caráter, as ações e os desejos. São sementes que figuram em uma lista sem fim. No corpo sutil eles são energizados pelo prāṇa, visualizado na forma de uma corrente de partículas de energia. O corpo de energia ou psíquico é a dimensão onde essa energia está mais condensada e em atividade, na forma vibrante ou pulsante «spanda», cheia de vida, cheia de cor, cheia de calor, cheia de luz – multidimensional. Essa é a estrutura por trás do pañcatattva-dhāraṇā.






[1] Veja o artigo Yoga, os Cakras &a Mente de Swāmi Ṛṣi Vivekānanda Saraswatī para um conceito abrangente sobre a personalidade segundo a psicologia do Yoga.

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