quinta-feira, 5 de junho de 2014



Fernando Liguori


Estudos sobre as técnicas de Yoga ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā. Grupo de Estudos Kaula, 2014.


Mahāṛṣi Gheraṇḍa ensina que devemos moldar o corpo no fogo do Yoga. No oitavo śloka da Gheraṇḍa-saṃhitā ele diz: āmakumbha ivāmbhasṭho jīryamānaḥ sadā ghaṭaḥ, yogānalena sandahya ghaṭhaśddhim samācaret,[1] i.e. «O corpo invariavelmente se desfaz como uma vasilha de barro sem cozimento quando submersa em água. Por isso se deve moldar o corpo no fogo do Yoga

Se uma vasilha de barro sem cozimento é preenchida com água, em pouco tempo irá se desfazer. Mas se a vasilha cozida e endurecida pelo fogo é preenchida com água, não irá se dissolver. O corpo humano deve ser entendido da mesma maneira: ele somente amadurecerá através do fogo do Yoga. As práticas de Yoga são essenciais para o desenvolvimento total do corpo. Através desse exemplo, o sábio Gheraṇḍa explica que se o corpo for temperado no fogo do Yoga, a energia produzida primeiro irá purificá-lo e depois desenvolverá suas capacidades. O que o corpo precisa para ser proficiente? Qual é a função deste corpo? Para começarmos a entender os ensinamentos de Gheraṇḍa, primeiro precisamos compreender isso. Como é que o corpo pode contribuir para o desenvolvimento espiritual?

A pureza do corpo referida aqui não apenas significa um corpo físico puro e limpo. Significa alcance a pureza interior purificando o corpo. Gheraṇḍa diz: yogānalena sandahya ghaṭhaśddhim samācaret, isso significa que a energia produzida pela prática do Yoga é chamada de calor ou fogo do Yoga. Através desse fogo, as desordens são removidas do corpo, purificando-o e fortalecendo-o. Atingindo um estado físico puro, a mente também se torna pura. O Yoga não acredita que a mente e o corpo sejam entidades separadas, ao invés disso ensina que a mente e o corpo são entidades muito próximas, intimamente relacionadas. Desordens no corpo criam desordens na mente e vice versa. Qualquer tipo de mazela no corpo cria uma perturbação na mente e qualquer tipo de perturbação na mente gera doença no corpo. Portanto, quando o corpo está purificado através das práticas do Yoga, um estado puro de mente ocorre espontaneamente. Quando o corpo e a mente estão sob controle e já não existem desordens físicas ou mentais, então o adepto torna-se proficiente para sustentar-se diante das pelejas da vida.

Equilíbrio interno

Tornar-se proficiente para sustentar-se diante das pelejas da vida ou sobre as próprias penas para muitas pessoas pode ser sinônimo de contenda contra a vida, a capacidade de lutar e manter-se de pé. Tornar-se proficiente aqui significa habilidade de ser positivo, de se manter calmo nas situações mais adversas. Não se trata de banir ou lutar contra a tristeza, dor ou sofrimento, pois esse tipo de atitude equivocada gera mais tensão. A conquista dessa capacidade ocorre quando o corpo e a mente estão puros, sem nenhum tipo de desordem. Na ausência de mazelas, a mente torna-se refinada e afiada.

Geralmente, as pessoas perseguem prazeres físicos ou vão atrás daquilo que lhes possa promover. Por conta do esforço que colocam nessa direção, são bem sucedidos. Mas quando algo dá errado e eles não conseguem o que querem, o que se segue é o desapontamento. Gheraṇḍa explica porque, no curso da vida, as pessoas se sentem fatigadas, seja fisicamente, mentalmente ou emocionalmente. Ele diz que o yogī, em contra partida, não é assolado por tal fadiga. Gheraṇḍa sustenta que essa fadiga não se trata do cansaço após um dia de labor. Trata-se de virakti, quer dizer, desinteresse.

É normal escutarmos as pessoas reclamando que estão cansadas de lutar contra a vida. Pessoas com esse tipo de programação mental não demonstram interesse por mais nada. A mente não gosta de mais nada, como se já não restasse nenhum desejo. Às vezes essa fadiga é tão profunda que não existe mais interesse pela família, pela sociedade e principalmente, por si mesmo. A pessoa não quer mais se alimentar, estudar etc. A falta de interesse é vista em todos os aspectos da vida. Contudo, no dicionário dos yogīs essa palavra, desinteresse, não está escrita.

Esse profundo sentimento de exaustão e desinteresse é criado quando o passado persiste na mente, lado a lado com as preocupações acerca do futuro. Quando o passado é associado ao futuro e não ao presente, nasce o estado de viraki, indiferença, desinteresse. O yogī permanece não afetado por essas atividades físicas ou mentais. Quando a pureza física e mental é conquistada, o antahkarana é afetado. Ahaṃkāra, buddhi e citta são o três componentes principais do antahkarana.[2]

Portanto, quando esse estado de pureza afeta o antahkarana, buddhi, o intelecto, também é afetado e por conta disso se modifica. O intelecto que normalmente está acostumado a correr atrás de prazeres sensuais espontaneamente experimenta o autocontrole. A pessoa apenas busca por prazeres terrenos quando existe um defeito em seu interior, como a luxúria por exemplo. Mas quando qualidades positivas são criadas em seu interior, um intelecto positivo também é criado. Nesse estado puro, elementos negativos não existem.

Em ātma-śuddhi, pureza interior, os elementos limitantes cessam sua existência e o ego naturalmente se desintegra na medida em que é colocado sob controle. Gheraṇḍa fala sobre a mesma pureza interior como a pureza de ghaṭa, a vasilha de barro ou o corpo físico e seu conteúdo sutil. Até aqui, a importância e o significado do Yoga foram discutidos. A partir deste ponto começam as práticas.




[1] आमकुम्भ इवाम्भस्ठो जीर्यमानः सदा घटः।
योगानलेन सन्दह्य घठश्द्धिम् समाचरेत्॥, G.S., I:8.
[2] Veja os artigos A Mente & o Gerenciamento de suas Funções #1 e #2. As partes #3 e #4 estão em preparo.

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