quarta-feira, 4 de junho de 2014



Swami Satyananda Saraswati

Yoga Magazine, maio de 2001
Sivananda Math, Rikhya, Índia


Introdução
Por Fernando Liguori


Este é um método sistemático de induzir uma completa descontração, a nível físico, mental e emocional. Durante a prática de yoga-nidrā, pode parecer que se dorme, no entanto o objetivo é atingir um grau de inércia física que permita à consciência explorar as camadas mais profundas da mente. Nesse estado entre o sono e a vigília o contato entre a dimensão subconsciente e inconsciente ocorre espontâneamente.

Se a consciência puder ser separada das experiências e estímulos exteriores sem adormecer, torna-se muito poderosa e pode ser aplicada de diferentes maneiras, por exemplo, para desenvolver a memória, a capacidade de concentração, aumentar o conhecimento ou transformar a natureza individual. Em outras palavras, você pode reprogramar a sua mente.

A yoga-nidrā é uma prática que pode ser amplamente aplicada no mundo moderno para melhorar a qualidade de vida. É uma técnica simples mas profunda que tem sido usada nos seguintes domínios:

·         Relaxamento
·         Meditação
·         Problemas psicológicos
·         Doenças psicossomáticas
·         Sono
·         Rejuvenescimento físico-psicológico
·         Exploração e despertar da mente
·         Aprendizagem, educação e inteligência

A yoga-nidrā tem um vasto número de outras aplicações. Pode ser praticada por qualquer pessoa, jovens e velhos, homens ou mulheres. É um processo científico exaustivamente testado. Não requer nenhuma crença ou aceitação cega de qualquer dogma. Só é necessário praticar.

A palavra Yoga significa comunhão interior; o processo que leva a este estado. Nidrā siginifica sono. Deste modo, yoga-nidrā pode ser definida como o sono do yoga. É ao mesmo tempo o nome de uma prática específica de Yoga e de um estado de consciência. A mecânica da prática é fácil de perceber e definir, mas o estado de yoga-nidrā será entendido de maneira diferente por pessoas diferentes:

·         Sono: para uma pessoa que esteja cansada, exausta e constantemente preocupada, o estado de yoga-nidrā significa apenas uma coisa, um profundo e refrescante sono. Nada mais, nada menos.
·         Sono psíquico: para outros, possivelmente aqueles que praticam Yoga há alguns anos, yoga-nidrā significa um estado de sonho consciente, onde se pode ter visões do subconsciente.
·         Sono sem sonhos: este é o estado mais avançado da yoga-nidrā onde se balança no fio da navalha entre introversão e extroversão. Este é o caminho de suṣumnā e corresponde ao despertar da kuṇḍalinī. Este é o místico estado de Yoga que corresponde à superconsciência. Tem sido descrito por inúmeros yogīs, santos, bhaktas e sábios através dos tempos.

Definimos três estados específicos de yoga-nidrā. Como prática podemos descrevê-la como um método para induzir tranquilidade física e nervosa, como um método para libertar a mente de tensão crónica, e induzir auto-conhecimento e meditação. Transcende os processos racionais do pensamento e oferece paz interior.

A yoga-nidrā é um método de exploração das diferentes camadas da mente. De acordo com certas escolas de psicologia moderna existem três dimensões da mente: o consciente, o subconsciente e o inconsciente. O objectivo da yoga-nidrā é explorar progressivamente e transcender estas três dimensões.

A yoga-nidrā foi adaptada das práticas tradicionais de nyāsa por Swami Satyananda Saraswati para servir as necessidades do homem moderno. A palavra nyāsa significa colocar. É uma prática em que mantras específicos são colocados e sentidos em partes diferentes do corpo. É a forma tradicional de yoga-nidrā usada por yogīs desde tempos imemoriais.

Mas Swami Satyananda também preparou uma adaptação sem os mantras para que a yoga-nidrā pudesse ser praticada por todas as pessoas independentemente da religião, língua ou tradição. Mesmo destituída de mantras, a yoga-nidrā foi cuidadosamente sistematizada para que mantenha o poder transformador da personalidade e receptividade do praticante. A ênfase foi transferida da vocalização de mantras (nyāsa) para a rotação da consciência pelas diferentes partes do corpo.

A yoga-nidrā pode ser dividida basicamente nas seções seguintes:

1.    Ajustamento preliminar do corpo
2.    Relaxamento preliminar do corpo físico
3.    Relaxamento preliminar da mente
4.    Saṅkalpa (resolução)
5.    Rotação da consciência (atenção pelas diferentes partes do corpo)
6.    Visualização
7.    Reflexão e consciência dos símbolos
8.    Saṅkalpa
9.    Retorno à consciência exteriorizada

Estes nove passos são sequenciais; isto é, devem ser praticados um depois do outro na ordem indicada. Podem ser adaptadas variações que respeitem esta estrutura básica.

As instruções para a yoga-nidrā podem ser dadas de três maneiras: através de um professor, através de uma gravação ou pelo comando mental do próprio praticante. É melhor aprender a yoga-nidrā directamente de um professor competente para que as instruções possam ser adaptadas às necessidades individuais do praticante e para que o método correto possa ser firmemente impresso na mente.

A voz é algo muito importante para o praticante. É a ligação que lhe permite manter a consciência enquanto explora as camadas mais profundas da mente. Sem uma voz condutora é muito fácil cair no sono (o que é perfeitamente aceitável nos casos em que o praticante esteja bastante cansado ou provavelmente sofre de insónia). As palavras do professor não devem ser intelectualizadas. Não é necessário que sejam lembradas. É preciso apenas que sejam seguidas espontâneamente sem esforço. Deixando a consciência fluir com o som da voz.



Segue o texto de Swami Satyananda Saraswati

A yoga-nidrā, que é derivada dos Tantras, é uma técnica poderosa na qual você aprende a relaxar conscientemente. Na yoga-nidrā, dormir não é considerado relaxamento. As pessoas sentem que estão relaxando quando se sentam em uma cadeira com uma xícara de café, uma bebida ou um cigarro, lendo um jornal ou ligando a televisão. Mas isto nunca será suficiente para uma definição científica de relaxamento. Estes são apenas desvios sensoriais. O relaxamento verdadeiro é, na verdade, uma experiência muito além desta. Para um relaxamento absoluto, você deve permanecer consciente. Isto é yoga-nidrā, o estado do sono dinâmico.

A yoga-nidrā é um método sistemático para induzir o completo relaxamento físico, mental e emocional. O termo yoga-nidrā é derivado de duas palavras sânscritas: yoga significa união ou consciência intencional e nidrā significa sono. Durante a prática de yoga-nidrā, nós parecemos estar dormindo, mas a consciência está funcionando em um nível profundo de conhecimento. Por este motivo, a yoga-nidrā é normalmente mencionada como o sono médium ou relaxamento profundo com consciência interior. Neste estado de limiar entre o sono e despertar, o contato com as dimensões do subconsciente e do inconsciente ocorre espontaneamente.

Na yoga-nidrā, o estado de relaxamento é alcançado voltando-se para o interior, longe de experiências de fora. Se a consciência pode ser separada da consciência externa e do sono, torna-se muito poderosa e pode ser aplicada de várias maneiras, por exemplo, para desenvolver a memória, aumentar o conhecimento e criatividade, ou transformar nossa natureza.

No rāja-yoga de Patañjali, há um estado chamado pratyāhāra onde a consciência mental e espiritual são desassociadas dos canais sensoriais. A yoga-nidrā é um aspecto do pratyāhāra que leva ao mais elevado estado de concentração e samādhi.

O nascimento da yoga-nidrā

Há 35 anos, quando eu estava vivendo com meu guru, Swami Sivananda, em Rishikesh, tive uma experiência muito importante que engatilhou meu interesse no desenvolvimento da ciência da yoga-nidrā. Fui designado para instruir a escola de sânscrito onde meninos estavam aprendendo a entoar os hinos védicos. Era meu dever permanecer acordado a noite toda, para vigiar a escola enquanto o ācārya estivesse fora. Às três da manhã, eu costumava dormir profundamente e, às seis, eu levantava e voltava ao aśram. Nesse meio tempo, os meninos acordavam às quatro e entoavam os mantras e hinos sânscritos, mas eu nunca os ouvia.

Algum tempo depois, meu aśram teve uma grande função, e os meninos da escola foram chamados para entoar os mantras védicos. Durante a função eles recitaram certos ślokas que eu não conhecia, embora eu sentisse de alguma forma que eu os tinha escutado antes. Enquanto eu ouvia esse sentimento cresceu e tentava em vão lembrar onde e quando eu os havia ouvido. Estava certo de que nunca os havia lido ou escrito, embora soassem tão familiares para mim.

Finalmente, decidi perguntar ao guru dos meninos, que estava sentado próximo, se ele poderia explicar o significado do que eu estava sentindo. O que ele me disse mudou completamente minha perspectiva sobre a vida. Ele disse que este sentimento de familiaridade não era uma surpresa, já que meu corpo ouvia os meninos entoando os mesmos mantras muitas vezes enquanto eu dormia na escola. Isto foi uma grande revelação para mim. Eu sabia que o conhecimento podia ser transmitido diretamente através dos sentidos, mas a partir desta experiência eu percebi que você também pode ganhar conhecimento diretamente, sem qualquer meio sensorial. Este foi o nascimento da yoga-nidrā.

A partir dessa experiência, mais idéias e estalos vieram-me à cabeça. Eu percebi que dormir não era um estado total de inconsciência. Quando você está sonolento, há ainda um estado de potencialidade, uma forma de consciência que está desperta e totalmente alerta a situações de fora. Descobri, com o treinamento da mente, que é possível utilizar este estado.

A origem tântrica

Após esta descoberta, comecei a estudar as escrituras tântricas de forma diferente. Encontrei muitas práticas importantes, mas pouco conhecidas, que me interessaram muito. Após praticá-las, decidi construir um novo sistema chamado yoga-nidrā, que incorporaria a essência destas práticas sem ter as desvantagens de rituais complicados.

A principal característica da yoga-nidrā é a rotação sistemática da consciência no corpo, originada de uma prática tântrica denominada nyāsa, que significa colocar ou elevar a mente àquele ponto. Nyāsa, originalmente, é praticado em uma postura sentada e envolve a utilização de mantras específicos, que são colocados ou experimentados em diferentes partes do corpo. Primeiro, o nome da parte do corpo é mencionado, então é visualizado ou tocado, e o mantra é colocado nesta parte do corpo. Nyāsa é uma maneira de consagrar o corpo físico estimulando o conhecimento avançado ou a consciência divina nas várias partes durante as práticas do ritual tântrico. Por exemplo, o anguṣtadi-śadanga-nyāsa foi utilizado para colocar mantras na mão, conforme segue:

·         Polegar: hraṃ anguṣtabhyaṃ namaḥ
·         Indicador: hrīṃ tarjanibhyaṃ swāhā
·         Médio: hrūṃ madhyamabhyaṃ vaśat
·         Anular: hraiṃ anamikabhyaṃ vaśat
·         Mindinho: hrauṃ kaniṣthabhyaṃ vaśat
·         Palma e costas da mão: hrak karatalapriṣtabhyaṃ phaṭ

De forma semelhante, no hṛdayi-śadanga-nyāsa, certos mantras são colocados em várias partes do corpo.

A atual forma de yoga-nidrā, que eu idealizei, permite que as pessoas que não estejam familiarizadas com os mantras sânscritos tenham todos os benefícios do nyāsa tradicional. Pode ser praticado por pessoas de qualquer religião ou cultura. No começo eu costumava chamar esta prática de sono-yogī, mas agora eu tenho mais consciência das potencialidades da yoga-nidrā e acredito que a yoga-nidrā nada mais é do que a yoga-nidrā. Se você pedir que eu traduza o yoga-nidrā para o francês ou o espanhol, eu diria yoga-nidrā. É uma prática internacional.

Experiências com a yoga-nidrā

Desde a idealização da prática, tenho feito vários experimentos para validar estas idéias. Primeiro eu tentei em mim, e depois em diferentes pessoas. Eu até tive sucesso ao treinar um cachorro Alsatian. Depois, experimentei com alguns de meus discípulos e com muitas crianças, dando a elas conhecimento, experiência e instruções enquanto elas estavam dormindo profundamente.

Uma das experiências mais interessantes foi com um menino que se apresentou em meu aśram para saṃnyāsa. Eu queria mandá-lo para a escola, mas ele recusava-se. Ele era um menino muito travesso, um macaquinho absoluto. Todo dia ele quebrava coisas, constrangia visitantes e causava acidentes. Finalmente, ele tornou-se tão responsável no aśram que eu decidi tentar a yoga-nidrā nele.

Comecei entoando o Capítulo XV da Bhagavadgītā para ele por treze minutos depois que dormia. Então, quando ele acordava de manhã, eu o fazia ler o capítulo, o que ele fazia, claro, sem pensar. Depois de uma semana, ele recitava o capítulo de cor. Após este sucesso, fui adiante com outros textos, e, desta forma, consegui ensiná-lo sobre a Śrīmad Bhāgavatam, as Upaniṣads, a Bíblia, o Corão, inglês, híndi, sânscrito, tudo o que eu sabia, enquanto ele dormia.

Agora que o garoto tem vinte e um anos eu o enviei aos Estados Unidos. Ele fala sete línguas, escreve e lê em inglês melhor que eu, mesmo ele nunca tendo ido à escola. Todo seu estudo e aprendizado foi feito no período de dois anos, quando eu fiz experiências com a yoga-nidrā e ele sequer lembra disso.

Logo depois disso, eu fiz outra experiência. Trinta pessoas estavam praticando a yoga-nidrā e aproximadamente dez delas estavam roncando. Naquela hora eu as instrui: quando eu disser Hari Oṃ Tat Sat você deve levantar-se. Repeti duas vezes. Quando a yoga-nidrā terminou, eu disse Hari Oṃ Tat Sat e todos levantaram, mesmo aqueles que estavam roncando. Eu perguntei a eles como eles haviam acordado. Eles disseram: de repente. Eles não ouviram o último Hari Oṃ Tat Sat, nem mesmo aquele no meio da prática, mas de alguma forma eles seguiram minhas instruções. Agora, este é um fator muito significativo. Isto significa que, mesmo que você esteja dormindo, você está consciente e alerta.

A partir destas experiências, eu tirei minhas próprias conclusões. O sono profundo não pode ser sono total. Talvez quando você estiver em sono profundo à noite você tenha mais consciência, mais potencial do que quando você está em estado de vigília. Isto significa que você aprende mais quando você está dormindo do que quando você está acordado, e é assim que estamos utilizando a yoga-nidrā para a evolução da mente.

Impressionando a mente

Como isto acontece? A resposta é simples. Quando o relaxamento é completo, a receptividade é maior. Quando a consciência está conectada com todos os sentidos, a receptividade é menor. Este é o segredo da yoga-nidrā. Devido à intelectualização do processo, o conhecimento que vai ao cérebro não o impressiona lá. Mas quando você volta sua mente um pouco e entra em um estado onde não está nem em sono profundo e nem completamente acordado, quaisquer impressões que entram na mente nesta hora tornam-se poderosas e permanecem ali.

Há diferentes níveis na mente. Alguns são solos áridos; alguns são solos macios. A mente consciente é como solo árido porque tem intelecto e lógica em operação. O intelecto é o processo de análise das coisas. Não aceita tudo; rejeita também. Mas a consciência profunda não é assim. Quaisquer impressões que você plantar na mente subconsciente não podem ser rejeitadas. Crescerá e os frutos enriquecerão cada aspecto de sua vida.

Portanto, você não deve preocupar-se se dormir na yoga-nidrā. Por outro lado, talvez seja mais poderoso. Mas, você deve ter algo em mente: eu não vou dormir. Você deve tentar não dormir. Você deve tentar permanecer acordado, porque se você dormir, não será yoga-nidrā.

Supondo que você coloque uma fita para tocar, mas dorme e não ouve nada. Então, o que você deve fazer é reproduzir a fita de manhã, quando você acordar. Ouça com muita atenção. Isto criará a comunicação ou a ponte entre a consciência e a inconsciência. Isto é como as línguas são aprendidas. Você pode aprender qualquer coisa assim. Se você tiver certos hábitos que você quiser superar, a semente ou saṅkalpa correto seria primeiro colocado no inconsciente e depois você deve ouvi-lo durante a consciência. Esta é uma ciência importante da autotransformação yogī para o futuro.

Estado hipna-yogī

Na yoga-nidrā, a consciência é um estado entre o acordar e o dormir, mas não está relacionado a nenhum deles. Na psicologia moderna refere-se como o estado hipnagógico, mas eu prefiro chamá-lo de estado hipna-yogī. Mas o melhor nome é yoga-nidrā. Neste estado, a mente é excepcionalmente receptiva. Línguas e outros assuntos podem ser aprendidos rapidamente. As sugestões dadas nesta hora são um sucesso para a remoção de hábitos e tendências indesejáveis. De fato, a yoga-nidrā pode ser utilizada para direcionar a mente a alcançar qualquer coisa. Este é o segredo da realização de grandes yogīs e swamis.

A prática da yoga-nidrā permite que você receba intuições da mente inconsciente. Este estado é a fonte de inspiração poética e artística. É também fonte das maiores descobertas científicas criativas. Wolfgang Von Goethe utilizava as inspirações e intuições deste estado para resolver problemas que surgiam em seu trabalho. Nos sonhos que ocorrem neste estado, Kekule percebeu a estrutura molecular do benzeno, o poeta Nobel Niels Bohr viu a estrutura planetária do átomo, e Einstein acelerou seu conhecimento na velocidade da luz no famoso experimento do pensamento, que o levou à teoria da relatividade.

As intuições recebidas na yoga-nidrā permitem que você encontre em si mesmo as respostas para todos os problemas. Sua verdadeira natureza e integridade se manifestam, permitindo que eles vivam uma vida significativa e de paz em qualquer ambiente. Esta é a abertura do terceiro olho, que leva a consciência além da personalidade condicionada, com suas tensões e complexidades. Não mais identificado com a mente e o corpo, seu ser é impregnado com a consciência divina.

No Tripura-Rahasya afirma-se: Portanto, perceba com sua própria mente sua natureza verdadeira, que é pura, consciência não dividida do resto da mente, que é composta de todo o universo em sua total diversidade. Perceba, com sua mente, o estado entre dormir e estar acordado... Este é o verdadeiro Eu, inerente, no qual você não será mais enganado.


Tradução livre de FernandoLiguori.

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