domingo, 8 de junho de 2014





Fernando Liguori


Estudos sobre as técnicas de Yoga ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā. Grupo de Estudos Kaula, 2014.


Mahāṛṣi Gheraṇḍa ensinou a seu discípulo, o rei Caṇḍakāpāli, que todo aspirante deve desenvolver sete «qualidades»: purificação, firmeza, estabilidade, paciência, leveza, percepção direta e isolamento.[1] Para que estas qualidades sejam desenvolvidas, fortificadas e refinadas, sete práticas yogīs têm de ser executadas. Nos ślokas dez e onze da Gheraṇḍa-saṃhitā o sábio diz: ṣaṭkarmāṇā śoddhanam ca āsanena bhaveddṛdham, mudrāyā sthiratā caiva pratyāhārena dhīratā, prāṇāyāmāllāghavam ca dhyānātpratyakṣamātmanaḥ, samādhinā nirliptan ca muktivera na saṃśayaḥ,[2] i.e. «Os ṣaṭ-karmāṇi purificam o corpo, os āsanas lhe dão firmeza, as mudrās trazem estabilidade e pratyāhāra conduz a paciência. Prāṇāyāma produz leveza, dhyāna conduz à percepção direta e samādhi leva ao isolamento, que é a verdadeira libertação «mukti.» Em outras palavras, Gheraṇḍa diz que através da prática do sapta-sādhanā[3] estas sete qualidades requeridas a qualquer yogī podem ser conquistadas.

Ṣaṭ-karmāṇi

Ṣaṭkarmāṇam śoddhanam, quer dizer, através dos ṣaṭ-karmāṇi um estado de purificação pode ser conquistado. Os ṣaṭ-karmāṇi incluem seis tipos de práticas através das quais o corpo se vê limpo e purificado, livre de doenças.

Āsana

Āsanena bhaveddṛdham, ou seja, pela prática de āsanas é possível conquistar força física e firmeza. O ganho de energia ou poder através dos āsanas não quer dizer ganho de poder muscular. Não é como fazer abdominais ou qualquer outro tipo de exercício físico que modela o corpo como o de um lutador. Aqui, firmeza e força significam capacidade física, força interior e boa saúde. Afinal de contas, uma pessoa pode ser grande e forte e mesmo assim tornar-se doente. Aqui, existe uma conexão sutil entre conquistar saúde física-mental e força através dos āsanas após a purificação através dos ṣaṭ-karmāṇi.

As mudrās e o fluxo do prāṇa

Mudrāyā sthiratā caiva, i.e. conquista-se a estabilidade através da execução das mudrās. Isso significa que a mente divagante e o prāṇa são controlados. As mudrās podem ser compreendidas como diferentes estados físicos através dos quais a energia prânica pode ser focada e dirigida.

A fotografia kirlian já foi capaz de demonstrar que ao redor do corpo existe um campo magnético muitas vezes denominado pelo nome de «aura». Pesquisas já demonstraram que existe um grande fluxo de energia prânica nas extremidades do corpo: mãos, pés e cabeça. Na fotografia kirlian um fluxo excessivo de energia prânica pode ser visto nos dedos das mãos e nos pés, mas não nas costas ou nas pernas. O Yoga também ensina isso. As mudrās interrompem a dispersão da energia prânica, contendo-a e direcionando-a dentro do corpo. As atividades descontroladas do prāṇa e da mente cessam com as mudrās, se estabilizando. Elas tornam a mente focada e internalizada.

Pratyāhāra

Pratyāhārena dhīratā significa que através das práticas de pratyāhāra a paciência é conquistada. Em pratyāhāra primeiro se aprende a focar, internalizar e retrair os sentidos.[4] As práticas de pratyāhāra reduzem a experiência do exterior controlando os órgãos da ação ou karmendriyas e os órgãos dos sentidos ou jñānendriyas. Como resultado, a mente começa a voltar-se para o interior. Portanto, aqui dhīratā significa estabelecer a paciência mental retirando a mente dos sentidos. Até que isso ocorra, a mente continua unida aos sentidos e permanece inquieta, impossibilitada de experimentar paz ou paciência.

Frequentemente, quando as pessoas vão viajar, não se sentam imóveis e quietas no banco da rodoviária enquanto esperam o ônibus, ao invés disso ficam perambulando de um lado para o outro pela plataforma. Elas não têm paciência porque sua concentração é dispersa e seu estado de alerta é difuso. Outras pessoas, no entanto, chegam à rodoviária e sentam-se quietamente, pensando consigo mesmas: «mesmo que o ônibus esteja cinco horas atrasado, eu ainda posso pegá-lo.» Elas continuam sentadas, pois qual é a finalidade de ficar andando de um lado para o outro? Nestas pessoas os sentidos não estão dispersos. Paciência, portanto, pode ser conquistada retraindo a mente dos sentidos.

Prāṇāyāma

Prāṇāyāmāllāghavam, ou seja, através do prāṇāyāma é possível conquistar a leveza e reduzir a os aspectos densos do corpo. Quando se pratica prāṇāyāma, o objetivo é ganhar controle sobre o prāṇa, mas como os aspectos mais grosseiros do corpo podem ser reduzidos? Quando prāṇāyāma é praticado e a energia prânica desperta, certa quantidade de calor é gerada pelo corpo. O calor interno produzido pelo prāṇa pode ser visto nos olhos e nas vidas de praticantes realizados. Os yogīs que vivem nas montanhas e utilizam apenas uma tanga em meio aos picos nevados também sentem frio, pois é a natureza do corpo. No entanto, eles praticam prāṇāyāma, o que gera calor interno fazendo com que o frio não os afete. Existem prāṇāyāmas que diminuem a temperatura corporal a um ponto que é impossível transpirar até no mais escaldante deserto, pois a temperatura do corpo está muito baixa.

Quando a energia e o calor são gerados pela prática do prāṇāyāma, as desordens no corpo começam a serem queimadas automaticamente. Até mesmo a gordura é queimada e dissolvida. Portanto, prāṇāyāma produz a leveza na medida em que reduz os aspectos grosseiros do corpo.

Dhyāna

Dhyānātpratyakṣamātmanaḥ significa que através da meditação é possível desenvolver a percepção direta. Através da meditação as experiências sutis da mente ficam claras. É bem sabido que quando nos internalizamos, vamos mais profundo, alcançando um nível de consciência onde é possível sentir as experiências sutis em nosso interior. Esse é o estado de percepção direta, de consciência e conhecimento acerca de si mesmo. A meditação é um processo pelo qual é possível conhecer a si mesmo. Ter consciência, conhecer e compreender a si mesmo somente é possível através da meditação.

Samādhi

Samādhinā nirliptan, quer dizer, através do samādhi o estado de isolamento pode ser conquistado. Toda a vida está envolvida com os prazeres sensuais. Existe apego às ações, princípios, ideais e o processo cognitivo; por conta disso, a visão permanece estreita, limitada. Contudo, quando o samādhi é conquistado e existe um entendimento de todas as dimensões e estados de consciência, desenvolve-se turiya, o despertar interior, um estado de consciência no qual o yogī não está envolvimento com os karmas. Ele permanece desapegado dos prazeres sensuais e supera o desejo e luxúria pelos prazeres mundanos. Através do samādhi o estado de isolamento é conquistado, bem como a liberação.




[1] Veja o artigo Aspectos da Disciplina Yogī#1, do mesmo autor.
[2] षट्कर्माणा शोद्धनम् च आसनेन भवेद्दृधम्।
मुद्राया स्थिरताआ चैव प्रत्याहारेन धीरता॥
प्राणायामाल्लाघवम् च ध्यानात्प्रत्यक्षमात्मनः।
समाधिना निर्लिप्तन् च मुक्तिवेर न संशयः॥, G.S. I:10-11.
[3] Veja o artigo Conhecimento vs Ilusão& Yoga vs Ego, do mesmo autor.
[4] Veja o artigo Estágios de Pratyāhāra, do mesmo autor.

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