terça-feira, 1 de julho de 2014




Fernando Liguori


Texto editado para internet extraído da apostila do curso «Oficina de Meditação», edição 2013, ministrado pelo Instituto Kaula.


No capítulo anterior, nós descrevemos alguns exercícios para relaxar e desbloquear o corpo, particularmente as pernas, em preparação para as posturas meditativas. Agora, nós iremos explorar as posturas clássicas para meditação que podem ser utilizadas em muitas das práticas meditativas que estão sendo ensinadas neste curso.

A característica mais importante de qualquer postura meditativa é que ela deveria capacitar o praticante a se sentar tranquilamente na posição de meditação por longos períodos de tempo sem desconforto. As práticas meditativas têm o objetivo de dirigir a consciência dentro da mente e isso se torna completamente impossível se a consciência está absorta e envolvida com eventos externos, incluindo o corpo físico. A introspecção se torna impossível se o praticante está continuamente inquieto, se coçando o tempo todo ou sentindo dor. Portanto, o objetivo é se sentar em uma postura suficientemente confortável para que o corpo físico possa ser esquecido.

Nem todos os āsanas são apropriados para meditação, pois sua execução requer esforço físico ou senso de equilíbrio. Por exemplo, bhujaṃgāsana, sarpāsana e meru-vakrāsana são excelentes posturas para induzir saúde e harmonia física e mental, mas por requererem esforço, não são āsanas apropriados para meditação.

Podemos observar que posturas de relaxamento, como śavāsana, são as mais importantes, pois elas não requerem esforço para serem executadas. Elas podem ser usadas para meditação também, mas não recomendamos, pois nelas é tão fácil relaxar profundamente que o praticante pode dormir. Assim como a tensão, o sono está bem longe da meditação. O que é requerido é um elevado estado de relaxamento combinado com um intenso estado de vigília. Os sábios do passado descobriram, através de suas experiências, que existem posturas mais específicas que habilitam o praticante atingir estados mais sutis de consciência. Existem seis consideradas as posturas clássicas para práticas meditativas:

1.    Padmāsana (postura do lótus)
2.    Siddhāsana (postura do homem realizado)
3.    Sidha-yoni-āsana (postura da mulher realizada)
4.    Swastikāsana (postura auspiciosa)
5.    Ardha-padmāsana (meia postura do lótus)
6.    Vajrāsana (postura do raio)

Os três primeiros āsanas são tradicionalmente aceitos como as melhores posturas para meditação. O objetivo de todo praticante de meditação deveria ser se sentar em uma delas dentro de suas possibilidades. Os outros três āsanas também são excelentes posturas para meditação, pois são mais fáceis de serem executadas. Proficiência nelas leva ao domínio das três primeiras.

Muitas pessoas podem encontrar dificuldades e desconforto em qualquer uma dessas seis posturas. Sob essas circunstâncias, qualquer uma das alternativas abaixo são apropriadas:

1.    Vīrāsana (postura do herói)
2.    Sukhāsana (postura fácil)

Não é esperado que o praticante de meditação tenha domínio sobre todas estas posturas. Estamos descrevendo-as como um grupo de posturas para meditação. Isso servirá de referência posteriormente. Empreenda esforços para dominar uma ou duas delas no momento. No futuro, tente outras, na medida de suas necessidades e possibilidades.

Características básicas de posturas meditativas

No clássico Yogasūtra (II: 46-48), Patañjali sumarizou, de forma concisa, a essência das posturas meditativas da seguinte maneira:

स्थिरसुखम् आसनम् ॥४६॥

sthirasukham āsanam ||46||

Firme e confortável é a postura [āsana].

प्रयत्नशैथिल्यानन्तसमापत्तिभ्याम्॥ ४७॥

prayatnaśaithilyānantasamāpattibhyām || 47 ||

É obtida pelo relaxamento nos esforços [prayatna] e pela fusão da consciência no ilimitado.

टतो द्वन्द्वानभिघातः॥ ४८॥

tato dvandvānabhighātaḥ || 48 ||

Como consequência, cessa a hostilidade dos pares de opostos [dvandva].

O primeiro aforismo não requer explanação. Se forçarmos muito a postura sem relaxar o suficiente, criaremos mais tensão, mesmo sendo nosso objetivo o relaxamento. Firme e confortável também nos leva a pensar em estabilidade e equilíbrio. Quando esse conjunto for estabelecido na postura, então um sentido de infinidade poderá ser alcançado na prática. Neste caminho, haverá menos tendência a aflição e angústia perante problemas frívolos que impedem o relaxamento e o assentamento confortável na postura por longos períodos de tempo.

A espinha e a cabeça devem estar eretas em todas as posturas meditativas. Há duas razões para isso: a primeira é permitir a respiração livre sem a restrição de obstáculos. Em outras palavras, todas as partes do corpo conectadas a respiração, quer dizer, o peito, diafragma e abdômen, devem trabalhar sem impedimentos. A segunda é que uma coluna ereta e relaxada previne dores na lombar. Este é um problema comum a todos que iniciam a jornada da meditação, pois a tentativa de se sentar por longos períodos de tempo sem o fortalecimento da coluna e os músculos das costas pode levar a dores na região lombar. Portanto, é necessário cultivar a firmeza do corpo. Retornaremos a este ponto no próximo capítulo.

Outra característica comum a todas estas posturas meditativas é que elas possuem uma base firme e estável. Isto é absolutamente necessário para que o corpo permaneça estável durante as práticas de meditação e prāṇāyāma (exercícios para expansão da bioenergia). Em todas as posturas meditativas, exceto vajrāsana, as pernas são dispostas de maneira a formarem uma base triangular. Isso evita que o corpo se decline para frente, para trás ou para os lados. Ainda, nestas posturas, as mãos e braços podem ser colocados em uma posição confortável nos joelhos ou no colo.

Como mencionamos anteriormente, as posturas meditativas têm o propósito de exigir menor esforço para que possam ser sustentadas. Isso é muito importante para que o praticante obtenha o máximo relaxamento e seja capaz de esquecer o corpo durante a prática meditativa.

Posição incorreta das costas

O erro mais comum cometido pelos iniciantes quando se sentam para meditar é manter, forçadamente, as costas eretas ou, na maioria das vezes, se sentar com as costas arqueadas, o ventre estendido para fora e a cabeça caída para trás. Em nenhum dos casos a postura se mantém estável ou confortável, portanto, é incorreta. Ademais, são poucas as pessoas capazes de sustentar uma postura assim por mais de alguns minutos sem se curvar para frente. Estas duas formas incorretas de se praticar vão se substituindo, de um extremo ao outro, na hora da prática, o que impede a introspecção profunda.

Quando, na hora da prática, nós dizemos: mantenha a coluna ereta, estamos pedindo o impossível, pois a forma normal ou contorno da coluna não é ereto. Ela é na forma de S. Não importa o quanto você tente, não irá conseguir manter sua coluna perfeitamente ereta. A própria estrutura óssea impossibilita essa ação. Quando instruímos para que fique com a coluna ereta, queremos dizer que as costas devem se manter eretas, o corpo não deve cair para frente, para trás ou para os lados. Em outras palavras, permitir que a coluna se ajuste a uma posição em que permaneça confortável. Na medida em que experienciar a meditação, sentirá qual é a melhor posição a se ajustar.

Enfatizamos, novamente, que você deve evitar deixar o corpo cair para frente ou para trás. Ambas as posturas impedem o relaxamento profundo e a livre respiração. É impossível relaxar se a espinha estiver sendo forçada em demasia em uma postura arqueada, assim como é impossível relaxar as dores nas costas inclinando o corpo para frente. Ainda, a dor lombar é mais fácil de ocorrer se a postura está sendo mal executada da maneira como estamos descrevendo. Portanto, para um ótimo resultado, é essencial manter a cabeça e a coluna em uma posição ereta confortável.

Proficiência nas posturas meditativas

Existem poucas pessoas capazes de se sentar nas posturas clássicas de meditação, por longos períodos de tempo, sem terem executado um trabalho prévio de relaxamento e alívio da tensão nas pernas. As crianças usualmente podem fazê-lo. Por esta razão, é necessário que o praticante se esforce em relaxar e aliviar os músculos das pernas e juntas através dos exercícios pré-meditativos ensinados anteriormente.

No início você pode sentir as pernas enrijecidas demais para se sentar em qualquer uma destas posturas. Isso acontece com todos. Contudo, com perseverança, mesmo as pessoas com maior rigidez nas pernas podem conquistar estas posturas meditativas. Com a prática contínua, a perna vai perdendo sua rigidez e se torna mais flexível. Gradualmente você poderá sentar-se em qualquer posição meditativa com conforto, mais conforto que uma cadeira ou poltrona.

A atitude mental é muito importante. Se você inicia a prática com uma atitude negativa de que nunca irá conquistar qualquer uma das posturas meditativas, estará programando a mente para derrota. Seja otimista. Assuma para si mesmo que é tudo questão de tempo até que possa se sentar confortavelmente em qualquer uma destas posturas. Se você verdadeiramente acreditar nisso, então a mente, que controla o corpo, irá automaticamente iniciar as mudanças necessárias. Em outras palavras, sua mente estará focada em um objetivo. Gradativamente o corpo começará a dar indícios de sua transformação. Você notará que as pernas se tornam progressivamente mais flexíveis. Portanto, alívio relaxante através de exercícios pré-meditativos e determinação são fundamentais.

É maravilhosa a sensação de quando você se senta em uma postura meditativa com conforto, mesmo que seja por um breve período de tempo. Entretanto, passada a fase inicial, começa o desconforto e você é obrigado a se mexer ou trocar as pernas. Mas para se adquirir proficiência na postura (āsana siddhi), é necessário estender o período de tempo em que se assume a postura final. Este é um trabalho que se realizará ao longo de semanas, meses. Nenhuma força excessiva é necessária. Tudo o que é necessário é o aumento gradual do tempo em que você se estabelece na postura.
Eventualmente, você poderá se sentar para meditar confortavelmente por meia ou uma hora sem a necessidade de movimentar o corpo. Isso significa que a postura está correta, pois existe conforto e estabilidade, sem dor. É a partir deste ponto, da sustentação na postura, que você começará a colher resultados das práticas meditativas e respiratórias. Sua consciência se tornará mais facilmente unidirecionada uma vez que não estará atrelada ao desconforto corporal.

O relaxamento dos exercícios pré-meditativos

Como enfatizamos anteriormente, é estritamente necessário que o corpo esteja confortável e relaxado para que a meditação possa ocorrer. Até mesmo as pessoas capazes de fazer todas as posturas meditativas com facilidade ocasionalmente experimentam dificuldades, principalmente no que concerne a pernas rígidas. É como acordar cedo pela manhã no intuito de se praticar a meditação. Você notará que seu corpo está mais rígido do que em qualquer outra hora do dia.

Para isso, enfatizamos a prática dos exercícios pré-meditativos antes de sessões de meditação e prāṇāyāma. Eles não apenas irão relaxar o corpo preparando-o para as posturas de meditação, mas também irão acalmar a mente. Não é necessário praticar todos os exercícios, um ou dois são o suficiente. Para meditação, em particular recomendamos a meia borboleta e a rotação do quadril, que podem ser executados em poucos minutos. Esses exercícios irão ajudá-lo a extrair o máximo de suas práticas, pois deixará de ser afetado pelas dores nas pernas e demais partes do corpo. Recomendamos também que estes exercícios sejam realizados por iniciantes e praticantes avançados, bem antes da meditação ou do prāṇāyāma. Estes exercícios também são úteis quando não temos tempo para praticar āsanas.

Qual postura meditativa praticar?

Não é necessário praticar todas as posturas meditativas. Escolha uma postura em que se sinta mais confortável e a pratique por um tempo, ao longo de suas meditações. As três primeiras posturas, padmāsana, siddhāsana e siddha-yoni-āsana são as melhores e mais importantes. Deve ser seu objetivo adquirir proficiência em alguma destas três posturas. Estes āsanas não são importantes apenas por induzirem a estados mais sutis de consciência adquiridos durante as práticas meditativas, eles são importantes também para técnicas avançadas de kriyā-yoga. E lembre-se sempre, siddha-yoni-āsana é o equivalente feminino de siddhāsana.

Estas três posturas são as que mais proporcionam estabilidade. O corpo permanece firme e imóvel como uma rocha. Seu domínio capacita o praticante a manter as costas eretas sem muito esforço. Nelas, quase não existe a tendência de reclinar o corpo para frente, caso que não ocorre com outras posturas. Estas posturas proporcionam um espaço de contato entre o chão e o corpo muito maior. Como o peso do corpo é distribuído ao longo das pernas e glúteos, menor será a tensão e o desconforto na área da lombar. Se você é um iniciante, não esperamos que se sente em alguma destas três posturas imediatamente, pois elas exigem flexibilidade nas pernas e isso somente é adquirido com a prática contínua. Neste caso, você pode utilizar a postura fácil para executar suas práticas de meditação e respiração. Para este propósito, swastikāsana, ardha-padmāsana e vajrāsana são excelentes. Posteriormente, elas farão com que as pernas se tornem mais flexíveis e você poderá então assumir posturas mais difíceis como padmāsana, siddhāsana e siddha-yoni-āsana. As três posturas mais simples são muito boas pois elas cultivam a estabilidade corporal, provêem uma base para coluna se manter ereta e fortificam os músculos das costas. Portanto, escolha a que for mais adequada, de acordo com suas necessidades.

De todas as posturas até o presente mencionadas, sukhāsana e vīrāsana, embora consideradas posturas meditativas, não são tão boas quanto às outras, pois nelas existe a tendência de se desalinhar os ísquios e curvar a coluna; isso ocorre porque a área de contato entre o corpo e o solo se dá apenas sobre os glúteos, causando tensão e desconforto.

Se você é excepcionalmente rígido ou encurtado, talvez ache que todas estas posturas não lhe servem. Sob estas circunstâncias, sente-se com as pernas esticadas. Se necessário, encoste as costas na parede.

Dor lombar e dor nas pernas

Seja lá qual for à postura que você escolha no início, tenha certeza de que irá experimentar sensações de dor e incômodo nas costas e nas pernas. Mas com o tempo essa tendência poderá ser removida pela prática diária de āsanas que exercitam e flexibilizam todo o corpo, alongando os músculos, liberando as juntas e relaxando as tensões nervosas. Estas outras posturas não apenas preparam o corpo para meditação, mas trazem saúde para o corpo e a mente.

Após se sentar na postura meditativa, estas dores e incômodos podem ser removidas de várias maneiras. A melhor maneira de aliviar as dores nas pernas é vagarosamente esticá-las e dobrá-las por alguns minutos e depois sentar-se sobre os calcanhares assumindo a postura do raio. Isso rapidamente libera a tensão. A melhor maneira de remover a dor lombar é arquear as costas para frente, para trás e então para os lados. Três excelentes posturas para isso são: śaśankāsana (postura da lebre), bhujaṃgāsana (postura da cobra) e meru vakrāsana (torção da coluna).

Existem opiniões conflitantes sobre quanto tempo uma pessoa deveria suportar as dores e os incômodos durante a prática de meditação e prāṇāyāma e quando se deve remover essas dores e incômodos ajustando a posição do corpo para depois dar continuidade a prática. A este respeito, discrição é necessária. O ideal é não se mexer durante as práticas de meditação e prāṇāyāma, mas isso é muito difícil quando existe grande quantidade de dor e desconforto no corpo. É impossível manter a consciência unidirecionada se a mente estiver atrelada a dor física. Portanto nós recomendamos que um certo grau de desconforto fosse tolerado, pois se você estiver absorto em si mesmo na prática, é possível esquecer as dores e os incômodos. No entanto, se a dor e o desconforto forem irresistíveis e você não enxergar a chance de esquecer-se do corpo, então ajuste a sua postura, relaxe seus membros e então retorne a sua posição e continue sua prática.

Eventualmente este problema não vai mais acontecer, pois o corpo terá se tornado suficientemente flexível e relaxado, impedindo o desconforto. A consciência será focada na prática. Sob essas circunstâncias você não notará a dor. Não haverá a tendência de se movimentar.


Precaução

Sob nenhuma circunstância força excessiva deve ser usada para se praticar essas posturas. Seja paciente e espere os músculos das pernas se tornarem alongados e flexíveis. Exagero fará estragos e prejudicará o andamento da prática.

Preparação para posturas clássicas de meditação

As duas primeiras posturas que se seguem são muito úteis nos primeiros estágios da prática. Entretanto, as melhores posturas para meditação são as clássicas padmāsana (postura do lótus), siddhāsana (postura do homem realizado) e swastikāsana (posição auspiciosa). Seu objetivo deve ser conquistar o conforto e a estabilidade em uma destas posturas clássicas. Os exercícios pré-meditativos cumprem a função de preparar o corpo para conquista destas posturas e de outras mais avançadas.


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