Fernando Liguori
Texto editado para
internet extraído da apostila do curso «Oficina de Meditação», edição 2013,
ministrado pelo Instituto Kaula.
No capítulo anterior, nós descrevemos alguns exercícios para relaxar e
desbloquear o corpo, particularmente as pernas, em preparação para as posturas
meditativas. Agora, nós iremos explorar as posturas clássicas para meditação
que podem ser utilizadas em muitas das práticas meditativas que estão sendo
ensinadas neste curso.
A característica mais importante de qualquer postura meditativa é que ela
deveria capacitar o praticante a se sentar tranquilamente na posição de
meditação por longos períodos de tempo sem desconforto. As práticas meditativas
têm o objetivo de dirigir a consciência
dentro da mente e isso se torna completamente impossível se a consciência está absorta e envolvida com
eventos externos, incluindo o corpo físico. A introspecção se torna impossível
se o praticante está continuamente inquieto, se coçando o tempo todo ou
sentindo dor. Portanto, o objetivo é se sentar em uma postura suficientemente
confortável para que o corpo físico possa
ser esquecido.
Nem todos os āsanas são
apropriados para meditação, pois sua execução requer esforço físico ou senso de
equilíbrio. Por exemplo, bhujaṃgāsana,
sarpāsana e meru-vakrāsana são excelentes posturas para induzir saúde e
harmonia física e mental, mas por requererem esforço, não são āsanas apropriados para meditação.
Podemos observar que posturas de relaxamento, como śavāsana, são as mais importantes, pois elas não requerem esforço
para serem executadas. Elas podem ser usadas para meditação também, mas não
recomendamos, pois nelas é tão fácil relaxar profundamente que o praticante
pode dormir. Assim como a tensão, o sono está bem longe da meditação. O que é requerido é um elevado estado de
relaxamento combinado com um intenso estado de vigília. Os sábios do
passado descobriram, através de suas experiências, que existem posturas mais
específicas que habilitam o praticante atingir estados mais sutis de
consciência. Existem seis consideradas as posturas clássicas para práticas
meditativas:
1. Padmāsana (postura do lótus)
2. Siddhāsana (postura do homem realizado)
3. Sidha-yoni-āsana (postura da mulher realizada)
4. Swastikāsana (postura auspiciosa)
5. Ardha-padmāsana (meia postura do lótus)
6. Vajrāsana (postura do raio)
Os três primeiros āsanas são
tradicionalmente aceitos como as melhores posturas para meditação. O objetivo
de todo praticante de meditação deveria ser se sentar em uma delas dentro de
suas possibilidades. Os outros três āsanas
também são excelentes posturas para meditação, pois são mais fáceis de serem
executadas. Proficiência nelas leva ao domínio das três primeiras.
Muitas pessoas podem encontrar dificuldades e desconforto em qualquer uma
dessas seis posturas. Sob essas circunstâncias, qualquer uma das alternativas
abaixo são apropriadas:
1. Vīrāsana (postura do herói)
2. Sukhāsana (postura fácil)
Não é esperado que o praticante de meditação tenha domínio sobre todas
estas posturas. Estamos descrevendo-as como um grupo de posturas para
meditação. Isso servirá de referência posteriormente. Empreenda esforços para dominar
uma ou duas delas no momento. No futuro, tente outras, na medida de suas
necessidades e possibilidades.
Características básicas
de posturas meditativas
No clássico Yogasūtra (II:
46-48), Patañjali sumarizou, de forma concisa, a essência das posturas
meditativas da seguinte maneira:
स्थिरसुखम् आसनम् ॥४६॥
sthirasukham āsanam ||46||
Firme e confortável é a postura [āsana].
प्रयत्नशैथिल्यानन्तसमापत्तिभ्याम्॥ ४७॥
prayatnaśaithilyānantasamāpattibhyām || 47 ||
É obtida pelo relaxamento nos esforços
[prayatna] e pela fusão da
consciência no ilimitado.
टतो द्वन्द्वानभिघातः॥ ४८॥
tato dvandvānabhighātaḥ || 48 ||
Como consequência, cessa a hostilidade
dos pares de opostos [dvandva].
O primeiro aforismo não requer explanação. Se forçarmos muito a postura
sem relaxar o suficiente, criaremos mais tensão, mesmo sendo nosso objetivo o
relaxamento. Firme e confortável
também nos leva a pensar em estabilidade
e equilíbrio. Quando esse conjunto for estabelecido na postura, então um
sentido de infinidade poderá ser
alcançado na prática. Neste caminho, haverá menos tendência a aflição e
angústia perante problemas frívolos que impedem o relaxamento e o assentamento
confortável na postura por longos períodos de tempo.
A espinha e a cabeça devem estar eretas em todas as posturas meditativas.
Há duas razões para isso: a primeira é permitir a respiração livre sem a
restrição de obstáculos. Em outras palavras, todas as partes do corpo
conectadas a respiração, quer dizer, o peito, diafragma e abdômen, devem
trabalhar sem impedimentos. A segunda é que uma coluna ereta e relaxada previne
dores na lombar. Este é um problema comum a todos que iniciam a jornada da meditação,
pois a tentativa de se sentar por longos períodos de tempo sem o fortalecimento
da coluna e os músculos das costas pode levar a dores na região lombar.
Portanto, é necessário cultivar a firmeza do corpo. Retornaremos a este ponto
no próximo capítulo.
Outra característica comum a todas estas posturas meditativas é que elas
possuem uma base firme e estável. Isto é absolutamente necessário para que o
corpo permaneça estável durante as práticas de meditação e prāṇāyāma (exercícios para expansão da bioenergia). Em todas as
posturas meditativas, exceto vajrāsana,
as pernas são dispostas de maneira a formarem uma base triangular. Isso evita
que o corpo se decline para frente, para trás ou para os lados. Ainda, nestas
posturas, as mãos e braços podem ser colocados em uma posição confortável nos
joelhos ou no colo.
Como mencionamos anteriormente, as posturas meditativas têm o propósito de
exigir menor esforço para que possam ser sustentadas. Isso é muito importante
para que o praticante obtenha o máximo relaxamento e seja capaz de esquecer o
corpo durante a prática meditativa.
Posição incorreta das
costas
O erro mais comum cometido pelos iniciantes quando se sentam para meditar
é manter, forçadamente, as costas eretas ou, na maioria das vezes, se sentar
com as costas arqueadas, o ventre estendido para fora e a cabeça caída para
trás. Em nenhum dos casos a postura se mantém estável ou confortável, portanto,
é incorreta. Ademais, são poucas as pessoas capazes de sustentar uma postura
assim por mais de alguns minutos sem se curvar para frente. Estas duas formas
incorretas de se praticar vão se substituindo, de um extremo ao outro, na hora
da prática, o que impede a introspecção profunda.
Quando, na hora da prática, nós dizemos: mantenha a coluna ereta, estamos pedindo o impossível, pois a forma
normal ou contorno da coluna não é ereto. Ela é na forma de S. Não importa o
quanto você tente, não irá conseguir manter sua coluna perfeitamente ereta. A
própria estrutura óssea impossibilita essa ação. Quando instruímos para que
fique com a coluna ereta, queremos
dizer que as costas devem se manter eretas, o corpo não deve cair para frente,
para trás ou para os lados. Em outras palavras, permitir que a coluna se ajuste
a uma posição em que permaneça confortável. Na medida em que experienciar a
meditação, sentirá qual é a melhor posição a se ajustar.
Enfatizamos, novamente, que você deve evitar deixar o corpo cair para
frente ou para trás. Ambas as posturas impedem o relaxamento profundo e a livre
respiração. É impossível relaxar se a espinha estiver sendo forçada em demasia
em uma postura arqueada, assim como é impossível relaxar as dores nas costas
inclinando o corpo para frente. Ainda, a dor lombar é mais fácil de ocorrer se
a postura está sendo mal executada da maneira como estamos descrevendo.
Portanto, para um ótimo resultado, é essencial manter a cabeça e a coluna em
uma posição ereta confortável.
Proficiência nas posturas
meditativas
Existem poucas pessoas capazes de se sentar nas posturas clássicas de
meditação, por longos períodos de tempo, sem terem executado um trabalho prévio
de relaxamento e alívio da tensão nas pernas. As crianças usualmente podem
fazê-lo. Por esta razão, é necessário que o praticante se esforce em relaxar e
aliviar os músculos das pernas e juntas através dos exercícios pré-meditativos
ensinados anteriormente.
No início você pode sentir as pernas enrijecidas demais para se sentar em
qualquer uma destas posturas. Isso acontece com todos. Contudo, com
perseverança, mesmo as pessoas com maior rigidez nas pernas podem conquistar
estas posturas meditativas. Com a prática contínua, a perna vai perdendo sua
rigidez e se torna mais flexível. Gradualmente você poderá sentar-se em
qualquer posição meditativa com conforto, mais conforto que uma cadeira ou
poltrona.
A atitude mental é muito importante. Se você inicia a prática com uma
atitude negativa de que nunca irá conquistar qualquer uma das posturas
meditativas, estará programando a mente para derrota. Seja otimista. Assuma
para si mesmo que é tudo questão de tempo até que possa se sentar
confortavelmente em qualquer uma destas posturas. Se você verdadeiramente
acreditar nisso, então a mente, que controla o corpo, irá automaticamente
iniciar as mudanças necessárias. Em outras palavras, sua mente estará focada em
um objetivo. Gradativamente o corpo começará a dar indícios de sua
transformação. Você notará que as pernas se tornam progressivamente mais
flexíveis. Portanto, alívio relaxante através de exercícios pré-meditativos e
determinação são fundamentais.
É maravilhosa a sensação de quando você se senta em uma postura meditativa
com conforto, mesmo que seja por um breve período de tempo. Entretanto, passada
a fase inicial, começa o desconforto e você é obrigado a se mexer ou trocar as
pernas. Mas para se adquirir proficiência na postura (āsana siddhi), é necessário estender o período de tempo em que se
assume a postura final. Este é um trabalho que se realizará ao longo de
semanas, meses. Nenhuma força excessiva é necessária. Tudo o que é necessário é
o aumento gradual do tempo em que você se estabelece na postura.
Eventualmente, você poderá se sentar para meditar confortavelmente por
meia ou uma hora sem a necessidade de movimentar o corpo. Isso significa que a
postura está correta, pois existe conforto e estabilidade, sem dor. É a partir
deste ponto, da sustentação na postura, que você começará a colher resultados
das práticas meditativas e respiratórias. Sua consciência se tornará mais
facilmente unidirecionada uma vez que não estará atrelada ao desconforto corporal.
O relaxamento dos
exercícios pré-meditativos
Como enfatizamos anteriormente, é estritamente necessário que o corpo
esteja confortável e relaxado para que a meditação possa ocorrer. Até mesmo as
pessoas capazes de fazer todas as posturas meditativas com facilidade ocasionalmente
experimentam dificuldades, principalmente no que concerne a pernas rígidas. É
como acordar cedo pela manhã no intuito de se praticar a meditação. Você notará
que seu corpo está mais rígido do que em qualquer outra hora do dia.
Para isso, enfatizamos a prática dos exercícios pré-meditativos antes de
sessões de meditação e prāṇāyāma.
Eles não apenas irão relaxar o corpo preparando-o para as posturas de
meditação, mas também irão acalmar a mente. Não é necessário praticar todos os
exercícios, um ou dois são o suficiente. Para meditação, em particular
recomendamos a meia borboleta e a rotação do quadril, que podem ser
executados em poucos minutos. Esses exercícios irão ajudá-lo a extrair o máximo
de suas práticas, pois deixará de ser afetado pelas dores nas pernas e demais
partes do corpo. Recomendamos também que estes exercícios sejam realizados por
iniciantes e praticantes avançados, bem antes da meditação ou do prāṇāyāma. Estes exercícios também são
úteis quando não temos tempo para praticar āsanas.
Qual postura meditativa
praticar?
Não é necessário praticar todas as posturas meditativas. Escolha uma
postura em que se sinta mais confortável e a pratique por um tempo, ao longo de
suas meditações. As três primeiras posturas, padmāsana, siddhāsana e siddha-yoni-āsana são as melhores e mais
importantes. Deve ser seu objetivo adquirir proficiência em alguma destas três
posturas. Estes āsanas não são
importantes apenas por induzirem a estados mais sutis de consciência adquiridos
durante as práticas meditativas, eles são importantes também para técnicas
avançadas de kriyā-yoga. E lembre-se
sempre, siddha-yoni-āsana é o
equivalente feminino de siddhāsana.
Estas três posturas são as que mais proporcionam estabilidade. O corpo
permanece firme e imóvel como uma rocha. Seu domínio capacita o praticante a
manter as costas eretas sem muito esforço. Nelas, quase não existe a tendência
de reclinar o corpo para frente, caso que não ocorre com outras posturas. Estas
posturas proporcionam um espaço de contato entre o chão e o corpo muito maior.
Como o peso do corpo é distribuído ao longo das pernas e glúteos, menor será a
tensão e o desconforto na área da lombar. Se você é um iniciante, não esperamos
que se sente em alguma destas três posturas imediatamente, pois elas exigem
flexibilidade nas pernas e isso somente é adquirido com a prática contínua.
Neste caso, você pode utilizar a postura
fácil para executar suas práticas de meditação e respiração. Para este propósito,
swastikāsana, ardha-padmāsana e vajrāsana
são excelentes. Posteriormente, elas farão com que as pernas se tornem mais
flexíveis e você poderá então assumir posturas mais difíceis como padmāsana, siddhāsana e siddha-yoni-āsana.
As três posturas mais simples são muito boas pois elas cultivam a estabilidade
corporal, provêem uma base para coluna se manter ereta e fortificam os músculos
das costas. Portanto, escolha a que for mais adequada, de acordo com suas
necessidades.
De todas as posturas até o presente mencionadas, sukhāsana e vīrāsana,
embora consideradas posturas meditativas, não são tão boas quanto às outras,
pois nelas existe a tendência de se desalinhar os ísquios e curvar a coluna;
isso ocorre porque a área de contato entre o corpo e o solo se dá apenas sobre
os glúteos, causando tensão e desconforto.
Se você é excepcionalmente rígido ou encurtado, talvez ache que todas
estas posturas não lhe servem. Sob estas circunstâncias, sente-se com as pernas
esticadas. Se necessário, encoste as costas na parede.
Dor lombar e dor nas
pernas
Seja lá qual for à postura que você escolha no início, tenha certeza de
que irá experimentar sensações de dor e incômodo nas costas e nas pernas. Mas
com o tempo essa tendência poderá ser removida pela prática diária de āsanas que exercitam e flexibilizam todo
o corpo, alongando os músculos, liberando as juntas e relaxando as tensões
nervosas. Estas outras posturas não apenas preparam o corpo para meditação, mas
trazem saúde para o corpo e a mente.
Após se sentar na postura meditativa, estas dores e incômodos podem ser
removidas de várias maneiras. A melhor maneira de aliviar as dores nas pernas é
vagarosamente esticá-las e dobrá-las por alguns minutos e depois sentar-se
sobre os calcanhares assumindo a postura
do raio. Isso rapidamente libera a tensão. A melhor maneira de remover a
dor lombar é arquear as costas para frente, para trás e então para os lados.
Três excelentes posturas para isso são: śaśankāsana
(postura da lebre), bhujaṃgāsana
(postura da cobra) e meru vakrāsana
(torção da coluna).
Existem opiniões conflitantes sobre quanto tempo uma pessoa deveria
suportar as dores e os incômodos durante a prática de meditação e prāṇāyāma e quando se deve remover essas
dores e incômodos ajustando a posição do corpo para depois dar continuidade a
prática. A este respeito, discrição é necessária. O ideal é não se mexer durante as práticas de meditação e prāṇāyāma,
mas isso é muito difícil quando existe grande quantidade de dor e desconforto
no corpo. É impossível manter a
consciência unidirecionada se a mente estiver atrelada a dor física.
Portanto nós recomendamos que um certo grau de desconforto fosse tolerado, pois
se você estiver absorto em si mesmo na prática, é possível esquecer as dores e
os incômodos. No entanto, se a dor e o desconforto forem irresistíveis e você
não enxergar a chance de esquecer-se do corpo, então ajuste a sua postura,
relaxe seus membros e então retorne a sua posição e continue sua prática.
Eventualmente este problema não vai mais acontecer, pois o corpo terá se
tornado suficientemente flexível e relaxado, impedindo o desconforto. A
consciência será focada na prática. Sob essas circunstâncias você não notará a
dor. Não haverá a tendência de se movimentar.
Precaução
Sob nenhuma circunstância força excessiva deve ser usada para se praticar
essas posturas. Seja paciente e espere os músculos das pernas se tornarem
alongados e flexíveis. Exagero fará estragos e prejudicará o andamento da
prática.
Preparação para posturas
clássicas de meditação
As duas primeiras posturas que se seguem são muito úteis nos primeiros
estágios da prática. Entretanto, as melhores posturas para meditação são as
clássicas padmāsana (postura do
lótus), siddhāsana (postura do homem
realizado) e swastikāsana (posição
auspiciosa). Seu objetivo deve ser conquistar o conforto e a estabilidade em
uma destas posturas clássicas. Os exercícios pré-meditativos cumprem a função
de preparar o corpo para conquista destas posturas e de outras mais avançadas.
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