Fernando
Liguori
Muitos autores já nos alertaram, inúmeras vezes, da má orientação acerca
da prática do Yoga conforme
interpretada pelos ocidentais. Os praticantes mais familiarizados com essa
realidade estão, pouco a pouco, simplificando sua prática e retornando as
raízes.
Neste texto, quando me refiro à prática
do Yoga, quero dizer a forma de Yoga mais popularmente conhecida, o haṭha-yoga. Contudo, o haṭha-yoga que na maioria das vezes é vendido nas escolas e academias do
Ocidente não passa de uma categoria
de prática física que chamo de Yoga
Postural. Mas o que é Yoga Postural?
Bem, o que entendo por Yoga Postural
é uma forma aeróbica de se fazer as posturas do Yoga. Geralmente, uma aula de Yoga
Postural começa com uma vigorosa prática de sūrya-namaskāra. Depois, uma série de posturas, muitas vezes uma
mistura de Iyengar, Aṣṭāṅga e Power Yoga. Muito de vez em quando, um exercício respiratório e ao
final, um falso relaxamento que erroneamente chamam de yoga-nidrā. Infelizmente não coaduno com essa má interpretação da
prática de haṭha-yoga.
No que concerne à prática do haṭha-yoga,
muitos tentam reinventar a roda
sempre com a intenção de se alcançar um novo público consumidor. Portanto,
também não concordo com o título Haṭha Yoga
Tradicional, que se refere a uma prática mais tradicional do haṭha-yoga, conforme suas origens. Ora,
quando se pratica o haṭha-yoga de
forma tradicional, basta dizer: Eu
pratico haṭha-yoga. O nome, por si mesmo, sugere a verdadeira natureza da
prática, não necessitando assim do adjetivo tradicional.
Ademais, quando falamos que praticamos o Haṭha
Yoga Tradicional, queremos dizer que praticamos o haṭha-yoga de qual período? O haṭha-yoga
conforme apresentado nas escrituras mais antigas de Gorakṣanātha, a prática apresentada na Haṭha-pradīpikā de Rāmānātha, os ensinamentos da Gheraṇḍa-saṃhitā do sábio Gheraṇḍa ou o haṭha-yoga conforme sutilmente apresentado nas upaniṣads?
Enquanto a ênfase do Yoga Postural
é a prática dos āsanas – como pose –, o foco do haṭha-yoga é estabelecer a retenção e união de dois polos prânicos,
a força sutil que permeia todo complexo corpo-mente: prāṇa e apāna. O
praticante fecha vários orifícios através dos quais o prāṇa pode escapar. Isso ele faz por meio de contrações musculares
conhecidas como selos «mudrā» ou fechos «bandha»
empenhando-se em fazer prāṇa e apāna se movimentarem em direções
contrárias, causando sua união dentro
do canal central conhecido como suṣumṇā-nāḍī.
O calor «tapaḥ» ou fogo «agni» que resulta desta poderosa união
desperta uma força mais refinada e potente conhecida como kuṇḍalinī-śakti, caracterizada como a Deusa «Devi» e representada como uma serpente enrolada. Esta Serpente de Poder sobe através da suṣumṇā-nāḍī, perfurando e abrindo os
centros de poder «cakras» unindo-se
com Brahman (personificado como
Śiva) em sua morada final, o sahasrāra-padma (conhecido como lótus de mil pétalas) localizado acima
da coroa da cabeça.
Portanto há uma diferença muito grande entre estas duas práticas. A
primeira está buscando o exterior, a aparência, o protótipo físico perfeito. Para atingir este fim, o Yoga Postural se vale dos āsanas, algumas respirações e o
relaxamento.
O haṭha-yoga está centrado no
equilíbrio interior, na estabilidade integral do Ser, no despertar,
aperfeiçoamento e integração máxima de todas potencialidades existenciais. Para
atingir esta meta, ele se vale não apenas dos āsanas e prāṇāyāmas, mas
de uma gama de técnicas físicas de purificação «ṣaṭ-karmāṇī», um sistema completo de abstração sensorial «pratyāhāra», concentração «dhāraṇā), meditação «dhyāna», absorção cognitiva «samādhi», o objetivo da prática – e nāda-ānusandhāna (meditação sobre o som
interior, nāda) que leva a este
objetivo.
Na prática do Yoga Postural, a
perfeição na postura é perseguida de forma egocêntrica; seu verdadeiro
potencial espiritual fica completamente inexplorado. Mas a realidade é outra: āsana envolve, antes de tudo, um
cuidadoso processo de introversão e não a pose,
um estado extrovertido de se praticar. A pose
é uma postura falsa provinda por uma falsa atitude interior. Portanto, o Yoga Postural é o yoga egocêntrico, cuja falsa
concepção de prática leva a falsa concepção de avanço espiritual.
Embora o Yogasūtra de Patañjali
não seja uma escritura haṭha-yogī, na
minha apreciação, ele traz a melhor definição de āsana: ela deve ser firme e confortável
(II: 46), obtida pelo relaxamento nos
esforços (II: 47) e como consequência,
cessa a hostilidade dos pares de opostos (II:48).
Portanto, a execução correta de uma postura de Yoga envolve a atitude mental conforme exposta acima. Ela deve ser estável, com os sentidos introvertidos e
não uma pose. Em outras palavras, o āsana serve ao objetivo principal do Yoga, a liberação espiritual.
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