terça-feira, 8 de julho de 2014



Fernando Liguori


Muitos autores já nos alertaram, inúmeras vezes, da má orientação acerca da prática do Yoga conforme interpretada pelos ocidentais. Os praticantes mais familiarizados com essa realidade estão, pouco a pouco, simplificando sua prática e retornando as raízes.

Neste texto, quando me refiro à prática do Yoga, quero dizer a forma de Yoga mais popularmente conhecida, o haṭha-yoga. Contudo, o haṭha-yoga que na maioria das vezes é vendido nas escolas e academias do Ocidente não passa de uma categoria de prática física que chamo de Yoga Postural. Mas o que é Yoga Postural? Bem, o que entendo por Yoga Postural é uma forma aeróbica de se fazer as posturas do Yoga. Geralmente, uma aula de Yoga Postural começa com uma vigorosa prática de sūrya-namaskāra. Depois, uma série de posturas, muitas vezes uma mistura de Iyengar, Aṣṭāṅga e Power Yoga. Muito de vez em quando, um exercício respiratório e ao final, um falso relaxamento que erroneamente chamam de yoga-nidrā. Infelizmente não coaduno com essa má interpretação da prática de haṭha-yoga.

No que concerne à prática do haṭha-yoga, muitos tentam reinventar a roda sempre com a intenção de se alcançar um novo público consumidor. Portanto, também não concordo com o título Haṭha Yoga Tradicional, que se refere a uma prática mais tradicional do haṭha-yoga, conforme suas origens. Ora, quando se pratica o haṭha-yoga de forma tradicional, basta dizer: Eu pratico haṭha-yoga. O nome, por si mesmo, sugere a verdadeira natureza da prática, não necessitando assim do adjetivo tradicional. Ademais, quando falamos que praticamos o Haṭha Yoga Tradicional, queremos dizer que praticamos o haṭha-yoga de qual período? O haṭha-yoga conforme apresentado nas escrituras mais antigas de Gorakṣanātha, a prática apresentada na Haṭha-pradīpikā de Rāmānātha, os ensinamentos da Gheraṇḍa-saṃhitā do sábio Gheraṇḍa ou o haṭha-yoga conforme sutilmente apresentado nas upaniṣads?

Enquanto a ênfase do Yoga Postural é a prática dos āsanas – como pose –, o foco do haṭha-yoga é estabelecer a retenção e união de dois polos prânicos, a força sutil que permeia todo complexo corpo-mente: prāṇa e apāna. O praticante fecha vários orifícios através dos quais o prāṇa pode escapar. Isso ele faz por meio de contrações musculares conhecidas como selos «mudrā» ou fechos «bandha» empenhando-se em fazer prāṇa e apāna se movimentarem em direções contrárias, causando sua união dentro do canal central conhecido como suṣumṇā-nāḍī. O calor «tapaḥ» ou fogo «agni» que resulta desta poderosa união desperta uma força mais refinada e potente conhecida como kuṇḍalinī-śakti, caracterizada como a Deusa «Devi» e representada como uma serpente enrolada. Esta Serpente de Poder sobe através da suṣumṇā-nāḍī, perfurando e abrindo os centros de poder «cakras» unindo-se com Brahman (personificado como Śiva) em sua morada final, o sahasrāra-padma (conhecido como lótus de mil pétalas) localizado acima da coroa da cabeça.

Portanto há uma diferença muito grande entre estas duas práticas. A primeira está buscando o exterior, a aparência, o protótipo físico perfeito. Para atingir este fim, o Yoga Postural se vale dos āsanas, algumas respirações e o relaxamento.

O haṭha-yoga está centrado no equilíbrio interior, na estabilidade integral do Ser, no despertar, aperfeiçoamento e integração máxima de todas potencialidades existenciais. Para atingir esta meta, ele se vale não apenas dos āsanas e prāṇāyāmas, mas de uma gama de técnicas físicas de purificação «ṣaṭ-karmāṇī», um sistema completo de abstração sensorial «pratyāhāra», concentração «dhāraṇā), meditação «dhyāna», absorção cognitiva «samādhi», o objetivo da prática – e nāda-ānusandhāna (meditação sobre o som interior, nāda) que leva a este objetivo.

Na prática do Yoga Postural, a perfeição na postura é perseguida de forma egocêntrica; seu verdadeiro potencial espiritual fica completamente inexplorado. Mas a realidade é outra: āsana envolve, antes de tudo, um cuidadoso processo de introversão e não a pose, um estado extrovertido de se praticar. A pose é uma postura falsa provinda por uma falsa atitude interior. Portanto, o Yoga Postural é o yoga egocêntrico, cuja falsa concepção de prática leva a falsa concepção de avanço espiritual.

Embora o Yogasūtra de Patañjali não seja uma escritura haṭha-yogī, na minha apreciação, ele traz a melhor definição de āsana: ela deve ser firme e confortável (II: 46), obtida pelo relaxamento nos esforços (II: 47) e como consequência, cessa a hostilidade dos pares de opostos (II:48).


Portanto, a execução correta de uma postura de Yoga envolve a atitude mental conforme exposta acima. Ela deve ser estável, com os sentidos introvertidos e não uma pose. Em outras palavras, o āsana serve ao objetivo principal do Yoga, a liberação espiritual.

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