Fernando Liguori
O presente texto são
trechos selecionados de palestras ministradas aos alunos do ‹‹Curso de Kuṇḍalinī
Yoga›› realizado pelo Instituto Kaula Yoga de janeiro a março de 2011. No
kuṇḍalinī-yoga o processo de transformação e auto-realização é conquistado
através da manipulação e o despertar do prāṇa e o sistema de cakras, não
através do controle e concentração da mente. Neste curso de kuṇḍalinī-yoga foram
apresentadas informações sobre o despertar da kuṇḍalinī, cakras, nāḍīs etc. em
concordância com os śāstras do tantrismo e as upaniṣads mais tardias,
pós-Patañjali. Apresentamos também pesquisas científicas que nos tempos
modernos comprovaram a existência da kuṇḍalinī. Em nossa exposição, não
traçamos distinção entre a tradição Védica e o Tantra, mas uma aproximação, uma
vez que o kuṇḍalinī-yoga está presente tanto nos ensinamentos tântricos como no
Vedānta apresentado nas Upaniṣads do Yoga.
COMO mencionamos anteriormente no estudo sobre os āsanas, as upaniṣads
pós-Patañjali descrevem o processo do Yoga
com um propósito definido: o despertar da kuṇḍalinī.
Portanto, o aspecto prático de nosso curso são as técnicas de kuṇḍalinī-yoga que na maioria das vezes
são significantemente diferentes das técnicas do haṭha-yoga que normalmente ensinamos aos alunos do Instituto Kaula Yoga. Mas uma coisa deve
estar clara desde o início: as técnicas de kuṇḍalinī-yoga
apontadas nas upaniṣads não são
adequadas para prática geral, quer dizer, elas não são adequadas para as pessoas
que ainda estão dando seus primeiros passos no Yoga. Geralmente, pede-se um mínimo de dois a três anos na prática
do haṭha-yoga antes que o praticante
inicie sua jornada pelo kuṇḍalinī-yoga.
Como vocês são praticantes ou professores de Yoga há algum tempo e fizeram conosco o curso de ajapa-dhāraṇā, uma das melhores técnicas
de preparo para o kuṇḍalinī-yoga,
acredito que não teremos problemas.
As Upaniṣads do Yoga dizem que as práticas
de āsana, prāṇāyāma, mudrā, bandha e kriyā devem ser executadas de maneira que seu efeito não se limite
apenas ao corpo físico e suas experiências. Elas definiram um corpo sistemático
de práticas espirituais capazes de desenvolver um tipo de consciência,
equilíbrio e unidirecionamento mental que induz o despertar da kuṇḍalinī-śakti. Essas técnicas são
efetivas em seu intento na medida em que o praticante avança em suas práticas
enquanto obtém preparo e orientação de um guru ou um professor qualificado. O
termo upaniṣad significa ensinamentos aprendidos aos pés do mestre.
Antes de
entrarmos na exposição prática do prāṇāyāma
no kuṇḍalinī-yoga, o uso da
respiração nas técnicas de prāṇāyāma
deve ser esclarecido. A respiração é o meio através do qual adquirimos
consciência do movimento prânico, ou seja, a expansão e o relaxamento do prāṇa. Por ser muito difícil se
aprofundar na experiência do movimento do prāṇa,
inicialmente é necessário utilizar a respiração a fim de se internalizar as
faculdades sensoriais. A prática do prāṇāyāma
realmente começa quando a consciência prânica envolveu todos os aspectos da
mente.
Três aspectos do prāṇāyāma
1. Consciência do prāṇa: Existem diferentes
estágios da prática que nos possibilitam desenvolver a consciência do prāṇa. O primeiro estágio é a consciência
da conexão entre a respiração e o prāṇa
em um nível grosseiro, a inspiração e expiração através das narinas. O segundo
estágio a consciência da vitalidade que está sendo absorvida pelo corpo a
partir do ar que está sendo respirado. O terceiro estágio envolve a consciência
da força prânica que se torna ativa, não apenas nas funções grosseiras ou
físicas do corpo, mas também nas experiências sutis que a mente e os sentidos
estão experimentando. O quarto estágio leva o praticante as profundezas da
estrutura energética do corpo, onde ele se torna consciente da essência da
energia, a pulsação do prāṇa (prāṇa-spandana).
2. Prāṇa-nigraha: O segundo aspecto é prāṇa-nigraha, que concerne a
manipulação ou controle da respiração em conjunto com as reações físicas e
mentais que estão relacionadas a respiração e ao prāṇa. Um exemplo muito bom desta prática são os prāṇāyāmas combinados com bandhas e outras técnicas. Aqui, a
sensação de perda do controle sobre as faculdades normais da respiração levam a
agitação tanto física quanto mental. Assim, técnicas como nāḍī-śodhana-prāṇāyāma, kapālabhāti,
bhastrikā etc. não são, exatamente,
técnicas de prāṇāyāma, mas de prāṇa-nigraha. Elas controlam o fluxo de
ar dentro do corpo, ajustando os sistemas corporais com o fluxo aéreo, para que
dessa maneira não haja desconforto tanto nas experiências físicas quanto
mentais.
3. Expansão do prāṇa: Uma vez que tenha se adquirido controle sobre o
processo respiratório junto com as várias funções sutis conectadas a
respiração, a expansão do prāṇa
começa. Este é o estágio final do prāṇāyāma.
A expansão do prāṇa ou a técnica real
do prāṇāyāma lida com os três prāṇas principais. No primeiro estágio,
o fluxo de prāṇa-vāyu, a energia que
se move para cima entre o diafragma e a garganta, é revertido e empurrado para
baixo em direção ao plexo solar. No segundo estágio, o fluxdo de apāna-vāyu, a energia que se move para
baixo entre o umbigo e o períneo, é revertido e puxado para cima em direção ao
plexo solar. No terceiro estágio, prāṇa
e apāna se fundem com samāna-vāyu na região do plexo solar.
Estes são os três
estágios do prāṇāyāma referidos por
Patañjali no Yogasūtra. Para reverter
o fluxo descendente de apāna, inspire
e puxe a força de apāna para cima.
Expire e empurre apāna novamente para
baixo. Para reverter o fluxo ascendente do prāṇa,
inspire e empurre a força do prāṇa
para baixo. Expire e puxe o prāṇa
novamente para cima. Para integrar apāna
e prāṇa com samāna, inspire e reverta o fluxo de apāna e prāṇa simultaneamente,
trazendo-os a região de samāna, no
plexo solar. Retenha o fôlego e integre estas duas forças em agni-maṇḍala. Expire e simultaneamente empurre
apāna novamente para baixo e prāṇa para cima. Este também é o mecanismo sobre o qual os bandhas se apóiam no
kuṇḍalinī-yoga.
Prāṇa e o cérebro
Existem
dois aspectos do prāṇa. Um é conhecido como prāṇa-śakti,
que compreende os pañca e upa-prāṇas. O outro é conhecido como cit-śakti ou manas-śakti, que é a força mental ou consciente, cujo lugar é no
cérebro. Os Prāṇa-vāyus são o meio
pelo qual os sinais nervosos viajam pelo corpo. Sem prāṇa não pode haver movimento. O cérebro contém dez
compartimentos, mas no presente estágio de nossa evolução nós utilizamos apenas
um desses compartimentos. Assim, existem nove compartimentos no cérebro que estamos
tentando despertar e integrar em nossa personalidade consciente.
A fim de
despertar os outros nove compartimentos de nosso cérebro que estão adormecidos,
precisamos expandir o prāṇa as diferentes áreas obscuras do cérebro, pois a parte iluminada ou consciente é senão um pequeno fragmento de um grande potencial. Em
nossa vida diária utilizamos especialmente o lóbulo frontal do cérebro. Mas de
forma oculta, contudo, existe uma atividade inconsciente que não pode ser
percebida, algo que não conhecemos e que está ocorrendo abaixo do nível normal
de nossa consciência. É a relação entre a
parte consciente e inconsciente de nós mesmos que estamos lidando com a prática
do prāṇāyāma, quer dizer, como fazer com que a parte consciente de nossa
personalidade entre em contato com a parte inconsciente de nosso cérebro,
principalmente a estrutura denominada sistema
de ativação reticular.
Na base
do cérebro existe uma estrutura chamada sistema
de ativação reticular (SAR), que pode ser considerada o mūlādhāra do cérebro. É a partir do SAR que a
energia sobe e desperta as funções em outras partes do cérebro. Logo acima do
SAR existe a medula oblonga que contém centros respiratórios e o hipotálamo que
controla o medo, raiva, pressão sanguínea, fome, prazer, sexualidade e outras
funções, incluindo a glândula pituitária e o sistema nervoso autônomo.
A
estrutura que controla a respiração existe na base do cérebro e é esta parte
dele que somos capazes de influenciar pela execução das técnicas de prāṇa-nigraha. De todas as funções automáticas
inconscientes do sistema nervoso autônomo, a única que pode ser conscientemente
controlada é a respiração.
Assim, é
dito que a respiração é o mecanismo para se controlar todos os processos
internos do corpo como p.e. as batidas do coração, a digestão, a pressão
sanguínea, excreção e absorção. Desenvolvendo
uma relação consciente com a respiração, através das técnicas de prāṇa-nigraha,
somos capazes de influenciar os aspectos mais profundos da mente subconsciente.
Método de ensino
Com
respeito as diferentes variações ou métodos de prāṇāyāma, devemos sempre nos lembrar que estas
técnicas nunca foram ensinadas para o público em geral como é o caso dos āsanas. Prāṇāyāmas sempre foram ensinados de acordo com a constituição e
condição física-mental, através da observação e avaliação da natureza de cada
estudante. Não existem regras fixas concernentes a prática do prāṇāyāma. Por exemplo, em relação à
velocidade da prática, deve-se considerar a capacidade de cada indivíduo e
saber o que ele espera alcançar.
Exceto
pelas técnicas mais básicas como respiração abdominal, respiração alternada
pelas narinas e respiração proporcional, que podem ser executadas por qualquer
pessoa, prāṇāyāmas avançados nunca foram ensinados em aulas de Yoga para o publico em geral. Os prāṇāyāmas que estimulam as nāḍīs
e os prāṇas, que alteram o sistema nervoso
e outros sistemas, nunca foram ensinados com regras estruturadas para todas as
pessoas. Tudo depende da observação acurada do professor que deve conhecer a
ciência do prāṇāyāma e isso é um
estudo para toda a vida.
As técnicas do
haṭha-yoga e kuṇḍalinī-yoga
Nas
técnicas de kuṇḍalinī-yoga, a
inspiração muitas vezes ocorre através de piṅgalā-nāḍī e a expiração através de iḍā-nāḍī ou vice versa, enquanto que nas
versões do haṭha-yoga ambas as
narinas são usadas. Nas técnicas do haṭha-yoga
existe uma ênfase na geração de calor ou prāṇa,
o que ajuda outras técnicas potencializarem sua capacidade de purificação. Esse
aumento da energia prânica remove os bloqueios das nāḍīs.
Kuṇḍalinī-yoga, neste aspecto, foca
no equilíbrio de swara, as narinas
esquerda e direita ou o fluxo respiratório em iḍā e piṅgalā-nāḍīs, mais
do que no haṭha-yoga. A teoria e
lógica comum por trás do kuṇḍalinī-yoga
é que ninguém pode praticá-lo até que tenha atingido certa proficiência no haṭha-yoga e pātañjala-yoga, pelo menos em āsana
e prāṇāyāma. Portanto, a tradição do
Yoga sempre enfatiza a necessidade do
haṭha-yoga para se conquistar a
purificação física, harmonia e equilíbrio. O próximo estágio é a prática de āsana e prāṇāyāma para harmonizar o fluxo de swara. Então, em um terceiro estágio, kuṇḍalinī-yoga começa. Portanto, o sistema do kuṇḍalinī-yoga nunca é ensinado aos aspirantes em seus estágios
iniciais de prática.
Quando
você esfrega duas varetas de madeira causando atrito por um certo tempo, fogo é
produzido. Da mesma forma, estimulando os prāṇas de maneira particular, você produzirá
certos efeitos como febre, furúnculo, diarréia etc. em um nível físico. Imagine
então os efeitos de uma prática incorreta em níveis mais sutis. Portanto, um
professor qualificado é essencial. Não se aprende prāṇāyāmas através de livros.
Na
prática do prāṇāyāma é preciso progredir gradualmente. Não é preciso forçar de mais os pulmões
e exaurir sua capacidade, pois os efeitos da prática não acontecem do dia para
noite. Você deve considerar as práticas de prāṇāyāmas
como técnicas de efeito a longo prazo que precisam fazer parte de seu
dia-a-dia. Prāṇāyāma deve ser como
água, uma necessidade diária. Pratique com consciência e relaxamento, dessa
maneira o prāṇāyāma irá proporcionar
os melhores resultados. Uma vez que você passe a experimentar o prāṇāyāma como parte de sua vida, de seu
dia-a-dia, passará a ter muito mais respeito pela prática.
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