Gaṅga Darśan, Índia, 1989
O presente texto são trechos selecionados de um
satsanga realizado em Gaṅga Darśan, Índia, durante o Curso de Treinamento para
Saṃnyāsis de outubro de 1989 a março de 1990. Neste blog, os textos «A Mensagem
de SwaN» serão satsangas proferidos por Swami Niranjanananda Saraswati.
NAS práticas de kriyā-yoga a devoção pode nos proteger contra os distúrbios da kuṇḍalinī?
Quando
estamos lidando com práticas de Yoga,
mais importante do que a devoção é um sistema, um método, uma técnica que pode
ajudar-nos em todas as situações perturbadoras causada pelo despertar da kuṇḍalinī. O despertar da kuṇḍalinī ocorre primeiro no prāṇamaya-kośa, o corpo de energia
prânica. Esta força prânica só pode ser canalizada através do poder mental
intenso e através das práticas de pratyāhāra
e dhāraṇā. A devoção realmente não
desempenha nenhum papel aqui. A devoção é um aspecto emocional, e este é mais o
aspecto prânico.
O
despertar da kuṇḍalinī ocorre em
todos os cinco níveis da personalidade. No anamaya-kośa,
o corpo físico, nós experimentamos vários tipos de sensações como tremores,
calor, leveza e peso que ocorrem dentro da coluna vertebral, ou sentimentos de
frio em partes específicas do corpo. Esta é a manifestação da kuṇḍalinī no annamaya-kośa.
O
efeito da kuṇḍalinī no manomaya-kośa, o corpo mental, é diferente. Pode ocorrer um súbito
estado de euforia ou uma depressão repentina. Algumas pessoas podem até dizer
que algo deu errado lá em cima, mas
este não é o caso. É muito difícil discernir que experiências mentais estão
ocorrendo neste estado, e como elas estão relacionadas ao despertar da kuṇḍalinī, pois passamos por vários
estados de consciência alterada a cada momento do dia. No entanto, o estado produzido
na mente no momento do despertar da kuṇḍalinī tem
intensidade e força muito maior do que as experiências normais.
Tivemos
uma senhora que ficou aqui no aśram.
Ela passava por tremendas experiências. Por exemplo, estava dormindo e de
repente todo o seu corpo começava a saltar. Durante o sono, seu corpo passava
por espasmos, naturais e espontâneos. Ela era bastante sensível e no processo
que passou, sentiu muito mais do que uma pessoa normal sentiria e isso afetou
seu estado mental e emocional. De repente, à noite, ela chorava em seu sono: eu estou morrendo, me salve e coisas
assim, mas após a devida orientação, ela foi capaz de superar esse estado para
apenas permanecer como uma testemunha as experiências que ocorriam com ela. No
entanto, ela experienciou um intenso medo do desconhecido, o que a inquietou
muito.
Quando
o despertar da kuṇḍalinī ocorre, você se encontra no nível mais baixo de mūlādhāra ou swādhisṭhāna. A matéria mental que está dentro de nós é obrigada a se
manifestar conscientemente e aqui a devoção não vai ajudar. Uma técnica que
pode ajudá-lo a sair desta fase será muito mais eficaz. O prṇāmaya-kośa é totalmente alterado. Há uma mudança total na
estrutura de energia e nos cakras.
Vijñānamaya-kośa é o processo de entendimento, é
o corpo do intelecto. Ele também passa por uma mudança tremenda e começamos a
perceber o mundo de forma diferente, em uma cor diferente.
Ānandamaya-kośa
é a experiência da sublimação, da unidade. Quando o despertar da kuṇḍalinī atinge o ānandamaya-kośa, você precisa da
orientação do guru, e é aqui que a devoção tem lugar. Não importa o que
aconteça nesta fase, se o guru diz para fazer algo, você deve fazê-lo, a fim de
quebrar o padrão da mente que você está experimentando naquele momento. Então
deve haver força e vontade para fazê-lo. Aqui, muito provavelmente, a devoção
no guru é a coisa mais importante – e um sistema, uma série de técnicas que
podem ajudá-lo a sair da condição.
No livro Early Techings, Swami Satyananda fala sobre vajrolī e certos kriyās
em que a conexão física dos nervos é completamente anulada e as glândulas
sexuais tornam-se inativas. Você poderia esclarecer-nos sobre isso, e também
sobre mūla-bandha?
Mudrās e bandhas
trabalham com os mesmos princípios da acupuntura. Através da realização de certas
mudrās e travas físicas, somos
capazes de conter o fluxo de energia prânica que estamos recebendo e
canalizá-la à medida que entra e sai do corpo.
Práticas
como vajrolī-mudrā, mūla-bandhā e aświnī-mudrā são destinadas a bloquear o fluxo descendente de
energia. Há cinco prāṇas que se
manifestam no corpo. Um deles é apāna,
situado entre o períneo e o umbigo. É uma força que se move para baixo e
controla os cakras mūlādhāra e swādhisṭhāna. Isso significa que o controle das atividades
inconscientes, profundamente enraizadas, isto é, os saṃskāras, inibições, desejos, a sensação de segurança e o impulso
sexual, são todos controlados pela força de apāna.
Em kriya-yoga e kuṇḍalinī-yoga o que tentamos fazer primeiro? Tentamos reverter o
fluxo de apāna; tentamos fazer com
que apāna se mova para cima. Quando apāna começa a fluir para cima, então as
tendências naturais de mūlādhāra e swādhisṭhāna são consideradas sob controle.
Elas foram superadas, purificadas e colocadas sob a observação da consciência.
Até que isso aconteça, nossos saṃskāras,
desejos, karmas, gostos e desgostos
não estão sob a observação da consciência.
No Yoga considera-se que na região do
períneo, há muitas terminações nervosas. Há uma nāḍī principal conhecida como vajra-nāḍī
e corresponde ao nervo ciático. Outra nāḍī,
brahma-nāḍī, está localizada no
centro da suṣumṇā. Estes dois nervos são
estimulados quando praticamos mūla-bandha
e mais especificamente quando praticamos aświnī
e vajrolī-mudras.
Sabemos
que as três principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, são as mais importantes no Yoga, mas no centro de suṣumṇā, no tubo ou nervo de suṣumṇā, há um outro fluxo de energia, e
é conhecido como brahma-nāḍī. Brahma representa a criação, o
aspecto criativo, o desejo sexual. Assim, com a prática de vajrolī e aświnī, o fluxo
de energia de apāna dentro de brahma-nāḍī é invertido. Todos os impulsos psicológicos e desejos,
físicos, mentais e emocionais, são transcendidos quando apāna é impulsionado para cima.
Fisicamente,
vajra-nāḍī está relacionada com o
nervo ciático, porque ela está localizada na região proxima do mesmo. Ela vem das
pernas até o centro do períneo, à direita do cakra mūlādhāra. Vajra-nāḍī é afetada pela prática de vajrāsana, considerada uma postura
efetiva para o celibato. Quando vajra-nāḍī
é pressionada, cada tipo de estímulo físico, sexual ou desejo é eliminado.
Portanto,
mūla-bandha é praticado para
estimular e alterar a atividade do mūlādhāra-cakra, que representa o impulso sexual, o karma, o desejo e a sensação de segurança em qualquer nível. A
necessidade de segurança monetária, emocional e familiar – todos esses impulsos
são transformados em energia espiritual.
Esta
energia espiritual é, naturalmente, uma atividade mental, tanto quanto uma atividade
física, porque o desejo é também uma atividade da mente, bem como do físico. O
desejo sexual também é uma atividade da mente, tanto quanto físico, assim como
a experiência sexual é muito mais uma atividade da mente do que do físico. Isso
é exatamente o que o Tantra diz
acerca de se obter experiência e conheciomento espiritual em uma ação física –
não necessariamente sexual. Existe a necessidade de um processo de observação
mental.
Este
é o conceito de draṣṭṛ (observador),
o conceito de testemunha. Portanto, no Tantra
muita ênfase tem sido colocada em ter uma parte da mente observando sempre o
que o resto da mente está fazendo e pensando. Este é o conceito de vajrolī, aświnī e mūla-bandha.
Qual é o propósito do celibato?
Em
sânscrito ou na tradição indiana, não há tal coisa como o celibato. Há um
termo, brahmacarya, que está conectado
com a idéia do celibato, mas o significado literal de brahmacarya é aquele que
segue Brahma. Brahma-acarya –
aquele que segue a lei do Divino.
No
sistema indiano nunca houve qualquer lugar para o celibato. Isto principalmente
por causa dos quatro conceitos de artha
(desenvolvimento econômico), dharma
(religiosidade, atitude correta e harmonização com as leis da natureza), kāma (gratificação dos sentidos) e mokṣa (liberação). Esta é a tradição,
mas no decorrer do tempo, alguns renunciantes que entraram na vanguarda da
sociedade demonstraram ser diferentes de seres humanos normais em termos de não
se obter posses ou laços familiares, e que viviam uma vida reclusa. Assim, um
termo geral foi usado para pessoas que têm controle sobre os órgãos dos
sentidos e os prazeres sensuais: brahmacarīs
ou celibatários. No decorrer dos anos esta idéia foi agregada a renuncia dos
prazeres sensuais. Se você puder fazer isso, muito bem. Se você não puder fazer
isso, muito bem também. De qualquer maneira não há mal nenhum, desde que a
idéia de quem eu sou e o que eu estou fazendo eteja clara na mente.
O termo
celibato, como é usado hoje, representa um estado de nenhum apego a qualquer
tipo de prazer pelo qual a mente é atraída. Um dos desejos mais poderosos na
vida humana é kāma, a satisfação
sexual. Aqueles que podem superar isso através de algum método, sādhanā ou meditação, na verdade, são
capazes de inverter o fluxo de energia de modo que, ao invés de para baixo e
para fora, ela começa a subir. Vocês conhecem o conceito de prāṇa como é indicado nas práticas de prāṇāyāma, kuṇḍalinī-yoga, prāṇa-vidyā
e kriyā-yoga. Neste entendimento, um
dos vāyus ou manifestação da energia prânica
é apāna, uma força que se move para
baixo e está localizada entre a região do umbigo e o períneo. Este aspecto da
energia controla os desejos inerentes e inconscientes, ambições, saṃskāras e a sensação de segurança em
cada indivíduo.
Enquanto
apāna está fluindo para baixo
naturalmente haverá uma atração aos prazeres sensuais, porque embora você tenha
meditando por 20 anos, o fluxo de energia não mudou e a atividade do
inconsciente ou as atividades inerentes da personalidade, continuam sendo as mesmas.
Mesmo se você se tornar um yogī,
mesmo se você praticar Yoga e
meditação há trinta, quarenta ou cinqüenta anos, se os prāṇas não mudaram sua direção, então a mente ainda vai correr
atrás dos prazeres da vida. Este desejo de satisfação continuará a surgir
novamente e novamente de tempos em tempos. Então a reversão desse fluxo de apāna é o real significado do celibato
de acordo com Tantra e o Yoga. Ele é usado para transcender a
programação natural do ser humano de identidade, personalidade e desejo.
No Kundalini
Tantra, na parte final onde são relacionados os kriyās, visualizamos um ovo dourado. Isso ocorre antes do samādhi, ou do despertar da kuṇḍalinī ou isso é o começo?
É o
começo de um fim. O despertar da kuṇḍalinī
não culmina no samādhi. O despertar
da kuṇḍalinī é simplesmente uma
experiência de outra dimensão da vida, onde podemos experimentar a harmonia e a
perfeição. Nessa dimensão, no plano material, o conceito de ovo dourado é o
conceito de consciência do corpo transcendental, o corpo causal ou o jyotir-linga, o linga de luz no sahasrāra.
Este ovo dourado é a semente do espírito. Os tântricos e os yogīs concebem a personalidade humana e suas
diferentes dimensões na forma deste ovo. Um ovo representa a forma desta
semente. Tem uma forma, tem uma identidade. Representa a semente da
consciência, a fonte da consciência.
Aqui
devemos discutir os três conceitos de divindade conhecidos como nāda, bindu e kala. Nāda é a vibração, a fonte de todos os
sons. Você sabe que onde quer que haja atividade há atrito e vibração.
Mesmo que você mova a mão na frente de seu rosto no ar, há atrito entre a mão e
o ar. Se você pudesse ouvir o som deste atrito, este som seria como um whoosh. Onde quer que haja atividade há
vibração em freqüências muitas vezes inaudíveis, porque nossa audição é limitada.
A mente se move e dentro dela também existe a experiência do nāda. Onde quer que haja a mais ínfima
atividade, há a experiência do nāda,
e a atividade não para em nossa vida. Este nāda
governa cada aspecto da vibração e cada personalidade na criação.
O
próximo conceito é o bindu, o ponto,
a fonte e a causa de toda a criação. Externamente existe a fonte, a causa, a
razão por trás de qualquer ação, pensamento ou sentimento. Mentalmente há um
ponto a partir do qual todos esses sentimentos, emoções e desejos, e até mesmo
ego, se manifesta. Espiritualmente há um ponto onde nós experienciamos o ātman, e também existe um ponto além
onde nós experienciamos paramātman, a
consciência divina. Portanto, o ponto que nós encontramos no infinito e no
final do infinito, se é que existe tal coisa, é conhecido como bindu.
Depois,
há kala, que são as diferentes
manifestações da matéria, energia, elementos e outros elementos desconhecidos
além do alcance da concepção humana e consciência. Existem diferentes formas de
manifestação – as formas do espírito, as formas de energia, as formas físicas,
a pedra, a árvore, a flor, a água, tudo. Se não houver nenhuma manifestação,
então não há criação.
Então,
esses são os três conceitos de divindade: nāda,
bindu e kala. O ser divino está acima deles, é transcendental, mas a
consciência da divindade, a consciência do ser supremo, ou consciência, é
experimentada na forma de um ovo dourado. Contida no interior da semente
encontramos estas três essências, todo o processo da criação e do desdobramento
da consciência e energia. Por isso, é relacionada com o corpo causal, o corpo
que controla o invisível, percepções desconhecidas, atividades e dimensões de
um ser humano.
O
despertar da kuṇḍalinī é a abertura
de várias portas e dimensões dentro da personalidade que são representadas na
forma dos cakras e como elementos
diferentes. Os elementos conhecidos são terra, água, fogo, ar e éter, pois eles
representam os aspectos conhecidos de consciência. Finalmente, o aspecto
desconhecido da consciência é o sahasrāra, na
forma do lótus de mil pétalas. Ninguém contou as mil pétalas, provavelmente elas
são apenas imaginárias, mas este lótus de mil pétalas simboliza as diferentes manifestações
e é aqui que nós experimentamos o ovo dourado.
Agora
há uma diferença entre samādhi e o despertar
da kuṇḍalinī. No despertar da kuṇḍalinī nos tornamos conscientes dos
três conceitos de nāda, bindu e kala. No entanto, no samādhi
vamos além desta consciência de sementes e na fase final do samādhi nós transcendemos essas três
experiências. Portanto, não é necessário, nem é correto, correlacionar samādhi com o despertar da kuṇḍalinī.
Tradução livre de Fernando Liguori.
Tradução livre de Fernando Liguori.
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