Fernando Liguori
O ser humano não é composto somente do corpo físico, mas um conjunto de
três corpos que constituem vários níveis de densidade, dos elementos mais
grosseiros as camadas mais sutis da mente. Por trás destes corpos existe nosso
verdadeiro Ser que está além de toda manifestação física ou mental. Os três corpos,
portanto, não são corpos em um
sentido ordinário, mas diferentes tipos de encaixes
psíquicos para incorporação ou manifestação da alma.
Quando o Yoga e a Āyurveda vêem o ser humano e suas
necessidades, sua visão abrange essa totalidade manifesta dentro do conjunto
destes três corpos, não meramente o corpo físico que, em si, é apenas uma
constituição de carne e ossos. A visão do Yoga
e Āyurveda também não se confina ao
Ser ou Consciência Pura além de todas as incorporações, pois este não está
sujeito ao sofrimento ou a ignorância e, portanto, não precisa de ajuda
nenhuma.1 Yoga e Āyurveda buscam desvendar os mistérios
dos corpos sutil e causal que servem como ponte para o Ser mais elevado. Sem o
desenvolvimento destas vestimentas
internas, não é possível buscar a divindade dentro de cada um de nós ou
encontrar a real totalidade de nossa manifestação.
Neste capítulo e no próximo nós vamos discutir os três corpos e seus cinco
invólucros (kośas) correspondentes.
Esta ciência yogī e ayurvédica dos três corpos e dos cinco
invólucros é de importância fundamental para nós neste curso, pois
nosso objetivo é resgatar o sistema integral do Yoga e Āyurveda, não
apenas para compreendermos estes grandes sistemas e sua relação em todos os
níveis, mas para entender nossa verdadeira natureza e relação com o universo.
1. Corpo causal: a esfera
magnética da alma
O termo alma se refere à identidade mais profunda, a qual diferentes
pensadores definiram de maneira variada. Em um sentido védico, a alma é a
entidade reincarnante por trás dos véus do corpo e da mente que perduram por
inúmeros nascimentos. Em sânscrito esta alma é conhecida pelo nome de jīva que significa poder de vida ou jīvātman
(jīva-ātman) que significa Ser individual ou alma encarnada, contrastada com paramātman,
o Ser Supremo ou Deus além de toda manifestação.
A alma ou jīva é a unidade
básica ou mônada da criação. É a entidade última indivisível ou átomo, a pedra
filosofal por trás de toda matéria no universo, grosseiro ou sutil. Toda
criação ergue-se a partir da alma que é a causa-poder por trás da manifestação
cósmica. Nossa própria alma é o poder divino criativo e nossas várias
encarnações são sua brincadeira criativa, seus sonhos ou meditações. A alma é a
flama divina ou a chispa que desce até a matéria a fim de dar forma aos mundos,
criar estruturas e promover a vida. Ela contém o conhecimento de todas as
nossas encarnações, permanecendo em contato permanente com o divino
transcendente, trabalhando como um servo para revelar a Vontade Divina.
A alma não é limitada meramente aos seres humanos. Ela existe em toda
natureza. Não somente os animais, mas plantas também têm alma. A alma está
oculta até mesma nas rochas. Contudo, a alma não se encontra individualizada em
todas as criaturas. Nas formas menos evoluídas, a alma sustenta sua existência
de longe. A alma também existe nas formas mais avançadas que se encontram além
dos níveis normais de consciência da humanidade como um todo, como p.e. nos
deuses, sábios videntes (ṛṣīs) e
anjos. Ela também existe nas criaturas das trevas como os anti-deuses (asuras), mas formas de vida negativas
nem sempre possuem uma alma e podem ser simples projeções de nossa imaginação.
A alma dirige todas as atividades no universo como a inteligência natural
responsável pela maravilhosa ordem da criação. Ela atua por trás das forças da
terra, atmosfera, céu e estrelas. A força da alma universal opera através dos
elementos e sustenta as leis da natureza. Na Terra a alma sustenta toda vida do
planeta. As almas atmosféricas, solares e planetárias trabalham como
espíritos-guias ou devatas por trás
de tudo o que ocorre no mundo. A alma em si é como o sol, fonte de luz. Cada um
de nós possui um sol secreto em nosso coração como a força da alma atuando no
universo.
A alma é primariamente uma força de vontade e motivação, procurando fazer
ou se tornar o reflexo do poder criativo universal. Através da alma surgem
vários desejos e aspirações que dirigem nosso karma. Como força de vontade, a alma possui uma energia magnética
que atrai tudo aquilo que verdadeiramente aspiramos em nosso coração. Este
magnetismo da alma mantém unidas as diferentes partes de nosso ser mantendo-as
conectadas. Ela gera a energia que sustenta o corpo e a mente com seus
diferentes sistemas e faculdades.
A Alma do Mundo similarmente sustenta o planeta, a energética do processo
de criação dos reinos mais elementares aos níveis mais sutis da mente. O
magnetismo da alma é responsável pela harmonia orgânica não apenas de nosso
ser, mas de todas as criaturas. Esse magnetismo especial da alma existe em um
nível profundo de consciência além da mente ordinária e dos sentidos, mantendo
nossa existência até mesmo no sono e na morte.
A alma reside dentro do coração de todas as criaturas, que é a fonte real
de todo conhecimento e sentimentos mais puros. Embora ela não seja o coração
físico, é o âmago de nosso ser, o qual experienciamos na região do coração. A
força magnética da alma, através de nosso coração, nos mantém em um nível em
que nenhum distúrbio externo pode nos alcançar. Ele regula o batimento cardíaco
da criação. O corpo causal ou a esfera da alma existe como um ovo dourado no
coração.3
Os três poderes da alma
A alma possui três poderes básicos:
1. Vida (jīva)
2. Luz (jyoti)
3. Amor (prema)
Destes poderes básicos surgem as habilidades de compreensão, movimento e
percepção. A vontade da alma é tripla:
1. Vontade de ser
2. Vontade de ver
3. Vontade de estar feliz
A força magnética da alma gera vida, amor e consciência. A partir destes
três poderes da alma todas as criaturas possuem três desejos inatos:
1. Viver para sempre
2. Conhecer a verdade absoluta
3. Sentir a felicidade perfeita
O surgimento destas aspirações demonstra o crescimento – e manifestação –
da alma em nosso interior.
O magnetismo da alma é primeiro e acima de tudo o poder da vida, o poder
magnético que nos conecta com a vida e nos faz sentirmos vivos, nos permitindo
movimentar e respirar. A vida é uma corrente de energia gerada pela força
magnética da alma.
Segundo, o magnetismo da alma é o poder da luz, insight, sabedoria e entendimento. A luz atrai e magnetiza nossas
mentes da mesma maneira que todas as criaturas são atraídas pelo sol. A alma
possui o poder da iluminação. Sua natureza é luz pura. É o nosso sol interior
que ilumina a mente e os sentidos. Esse magnetismo possui uma força
gravitacional, assim como a força gravitacional que vem do sol.
Terceiro, a força magnética da alma é o poder do amor. Ela nos compele a
amar a vida e todas as criaturas. Amor, acima de tudo, é a força magnética mais
poderosa da criação. É o poder mais sublime da atração. Nada é tão forte e
capaz de unir as criaturas do que o amor que reside no âmago de nosso coração.
Estes três poderes, vida, luz e amor são o reflexo da alma como
Ser-Consciência-Bem-aventurança (sat-cit-ānanda),
a divindade manifesta de Deus ou o Absoluto. Delas surgem energia, luz e
matéria como as três principais forças de manifestação do mundo físico (veja
apostila do Módulo I, cap. 5, A Dança dos
Doṣas). Elas dão nascimento às três grandes forças vitais ou manifestações
espirituais dos doṣas: prāṇa, tejas e ojas, energia,
resistência e vitalidade. Essas são as forças por trás dos três elementos ativos
do ar, fogo e água (vāta, pitta e kapha).
A
ordem tripla da alma
Ser
|
Consciência
|
Bem-aventurança
|
Vida
|
Luz
|
Amor
|
Prāṇa
|
Tejas
|
Ojas
|
Ar
|
Fogo
|
Água
|
Vāta
|
Pitta
|
Kapha
|
Carisma e o poder do
caráter
Cada alma projeta uma força magnética em concordância com seu nível de
desenvolvimento. Podemos observar o magnetismo da alma nas interações com as
outras pessoas. Às vezes falamos com pessoas tão magnéticas que parece que
somos atraídas por elas. Tais indivíduos usualmente possuem uma personalidade
forte e poderosa. Contudo, essa força da personalidade nem sempre vem da alma.
Pode ser uma manipulação ou persuasão, até mesmo sexual. Por isso dizemos que o
magnetismo da personalidade tem nivéis e aspectos distintos de manifestação.
Apenas uma alma desperta, consciente de sua divina missão ou auto-realização,
possui uma força magnética inteiramente benéfica. A alma que ainda não se
desenvolveu o suficiente pode gerar uma energia fortemente egóica,
particularmente se ela possui seguidores para alimentar seu magnetismo e também
se nutrirem dele.
Todos nós somos impelidos na direção daquilo que nossa alma tem afinidade.
Isso ocorre por conta da natureza magnética da alma. Atraímos para nós pessoas
e circunstâncias que estão em harmonia com nossas almas e que estão em busca
das mesmas coisas. Na medida em que evoluímos espiritualmente, como almas
magnetizadas pelo poder de nosso direcionamento a Deus, atraímos divinas
influências – deidades, professores ou experiências – que nos auxiliam no
crescimento interior. O magnetismos de nossa alma, com seu poder de amor, nos
envolve em várias relações ou nos conecta a outras almas que nos impelem a
crescer. Este poder do magnetismo da alma
é à base da ênfase yogī na relação entre guru e discípulo, bem como a comunhão
com pessoas sábias no momento do satsanga. Ainda que algumas vezes a alma
atraia pessoas ou situações que testam e desafiam nosso crescimento, nossa
atitude deve sempre ser a mesma de um avançado alpinista quando vê uma montanha
intransponível: superar os obstáculos e chegar ao cume.
Portanto, associação é o fator
principal que magnetiza a alma. Existe uma ciência completa de associação e magnetismos pessoal conhecida pelos yogīs. As pessoas que
atraímos para nossa vida refletem o magnetismo de nossa alma. Da mesma forma,
as pessoas que se aproximam de nós o fazem sob a influência magnética de nossa
alma, que pode ser tanto hipnótica quanto iluminada. Por esta razão, o Yoga enfatiza a correta associação como
o fundamento da prática yogī. Por
outro lado, a Āyurveda enfatiza
relacionamentos corretos baseados em uma interação saudável. Se não cultivarmos
harmonia em nossos relacionamentos, a raiz da saúde e do crescimento espiritual
em nós continuará prejudicada. Relacionamentos equivocados não apenas causam
desassossego emocional, mas também nos conduzem a atitures incorretas com o
corpo, a mente e os sentidos. Acima de tudo, aquilo que fazemos e até mesmo
aquilo que comemos reflete a associação que temos com as pessoas.
Se você quer compreender a natureza de sua alma e seu nível de
desenvolvimento, examine seus relacionamentos, não apenas os laços físicos, mas
as pessoas que você emula e servem de modelo para sua conduta. A alma reflete
não apenas aquilo que conhecemos, mas principalmente a força de nosso caráter
que, sustenta aqueles que estão perto de nós, ao mesmo tempo que é sustentato
por aqueles que servem como modelos para nossa expressão individual. A integridade do caráter projeta uma força
magnética elevada que serve para integrar não apenas nosso ser, mas também aqueles
que nos cercam.
A força magnética do
conhecimento e da ignorância
A força magnética do criador determina a manifestação universal. Como
todas as forças magnéticas, ela possui uma natureza dual ou polarizada. Existe
a força cósmica de atração e repulsão. A força magnética da atração causa um
efeito de internalização ou espiritualização que eleva nossa consciência. A
força magnética da repulsão causa um efeito de externalização ou ação
materializada que atua nos níveis inferiores da consciência. A força de atração
promove unidade, saúde e integração. A força de repulsão causa conflito, doença
e fragmentação.
A força cósmica da repulsão é responsável pela descida do espírito até a
matéria, criando o mundo externo de nomes e formas. A força cósmica da atração
é a força da evolução que puxa a alma encarnada de volta a sua origem divina.
Estas duas forças são antitéticas e mutuamente repulsivas. A força atrativa ou
espiritual repele a força repulsiva ou material. A força repulsiva ou
anti-espiritual não somente repele a força divina, mas atrai energias
não-espirituais. Esta força de repulsão
ao divino e atração ao mundo externo é chamada de māyā, o poder da ilusão
ou o poder da ignorância (avidyā). A
força da atração divina é chamada de graça
ou śakti, a vontade divina (īśvara-saṅkalpa) ou o poder do
conhecimento (vidyā)
A alma pode ser magnetizada em uma destas duas direções. Ela pode ser
direcionada para o interior, divinamente ou para o exterior ou mundo dos
prazeres e diversões. Ela pode ser receptiva a força magnética da atração
divina ou pela repulsão divina, movendo-se em direção ao divino ou para longe
dele. A atração divina nos estimula a buscar Deus ou a verdade eterna. A divina
repulsão cria apego a pessoas e coisas externas, nos lançando nos envolvimentos
transitórios.
A força da atração divina desperta a alma, nos tornando conscientes de nós
mesmos como uma parte imortal da divindade buscando crescimento espiritual no
ciclo evolucionário dos renascimentos. A repulsão divina cria o ego (ahaṃkāra) ou senso de egoidade,
produzindo a individualidade separada, uma identidade corpórea cujo objetivo
principal são os prazeres do mundo exterior. A força da repulsão divina ou a atração
pelas coisas do mundo provoca a corporificação e a busca pela felicidade nas
coisas externas e frívolas. Isso permite que o universo seja criado. A força da
atração divina ou desapego ao mundo entra em ação para completar o ciclo da
criação trazendo a alma novamente a sua divindade inerente.
Ambas correntes magnéticas são cósmicas em natureza e possuem força
tremenda. Elas são como duas torrentes cuja energia é irresistível. Seja lá para
qual delas nós nos abrirmos, seremos inundados com um fluxo energético
poderosíssimo. No nível da alma nós possuímos apenas uma única escolha: para
qual destes dois tipos de magnetismo deveríamos estar receptivos? Qual destas
duas correntes deveríamos assimilar? Devemos agir como seres espirituais
buscando a iluminação de nossa consciência no universo ou devemos agir como
seres egóicos buscando glorificação pessoal e a satisfação dos prazeres no
mundo externo dos sentidos?
Nós podemos observar o quanto nossa alma está magnetizada tanto para o
divino quanto para o mundo dos sentidos, para as forças espirituais ou para as
forças mundanas. Nós podemos ver se nosso amor e atenção é naturalmente
direcionado para o interior em direção a consciência ou para o mundo exterior
das formas. Nós podemos ver se nossa natureza busca paz interior ou a
satisfação dos desejos, a expansão interior da consciência ou a expansão
exterior das posses. Como no presente a humanidade não se encontra
espiritualmente evoluída, podemos observar que a maioria das pessoas estão
presas a corrente da ignorância e apenas em determinadas circunstâncias se
abrem ao divino. A corrente interior pode
superar a corrente exterior se nos abrirmos para o fluxo da graça divina.
Os três guṇas: as
qualidades magnéticas da natureza
A força magnética de māyā ou
ignorância possui três níveis de manifestação, cada uma com sua própria
qualidade, característica e atuação. Nossa consciência tem uma inclinação
magnética que opera sobre um destes três níveis. Eles são os três guṇas da Natureza (prakṛti): sattva, rajas e tamas, as três forças naturais do conhecimento, vitalidade e
embotamento.
Tamas é a densidade magnética sombria e
pesada da ignorância. Ela atrai as forças da obstrução, decadência e
desintegração. É a força poderosa da energia repulsiva e serve para manter os
objetos no mundo das formas. Tamas
inerentemente resiste à vontade divina e não é receptivo a qualquer crescimento
superior. Devemos deixar a força de tamas
seguir o seu caminho até que ela se depare com bloqueios e obstruções na vida
que a coloquem em movimento fazendo com que mude sua manifestação.
Rajas é a densidade mediana da ignorância.
Ele cria ilusão, fantasia, especulação e imaginação. Rajas nos arremete aos envolvimentos, confusões, complicações,
embaraços e atividades intermináveis da vida. A força rajásica pode reconhecer
a vontade divina, mas a distorce de acordo com seus próprios objetivos. Rajas pode se tornar uma força
espiritual, mas com dificuldade e esforço.
Sattva é a densidade sutil da Natureza e
reflete o poder divino da atração. Ele atrai aquilo que é refinado e nobre – a
beleza da natureza, arte, filosofia, religião, serviço e caridade. Possui pouca
ou quase nenhuma resistência a vontade divina, mas pode permanecer na
orientação religiosa externa, nos prendendo as formas externas dos deuses,
deusas etc., se nós não o direcionarmos para o interior. Facilmente se
transforma em uma força espiritual se utilizado com conhecimento, habilidade e
desapego. Puro sattva (śuddha-sattva), a forma interna de sattva, desenvolve o poder da divindade
em nós. Esta é a mente unidirecionada (ekāgratā-citta)
do pensamento yogī.
Rajas e tamas
atuam como forças magnéticas inferiores – os poderes da repulsão cósmica que
acorrentam a alma no mundo exterior. Tamas
provoca ignorância, rajas causa apego
e gera atração ao mundo exterior. Os potenciais elevados dos guṇas ocorrem basicamente através de sattva, o que torna possível a vontade
divina trabalhar através das formas superiores de rajas e tamas.
Os três guṇas compreendem o
campo magnético da alma. Usualmente, um guṇa
predomina e polariza a mente e a vida de acordo com suas qualidades. A alma
pode se tornar sattvíca, rajásica ou tamásica em natureza. Contudo, no campo
ordinário e bruto da natureza humana, um guṇa
raramente predomina. Após algum tempo, os outros guṇas reinvindicam suas posições. Nossa vida é uma interação entre
embotamento, distração e virtude, com uma corrente inconstante de bondade e
maldade, de veracidade e falsidade.
Raros são os seres humanos que conseguem constância total sob a influência
de um guṇa apenas de maneira que os
outros dois percam seu poder. Tais pessoas extremas
são criminosas ou tipos completamente tamásicos; são super-empreendedoras ou
tipos completamente rajásicos; são santos abnegados ou tipos completamente
sattvícos, mas mesmos estes tipos podem ter traços dos outros guṇas. Tanto a Āyurveda quanto o Yoga
procuram reduzir o poder de atuação de rajas
e tamas. Eles são fatores de doença
física e mental que a Āyurveda tem o
objetivo de sanar e da ignorância espiritual que o Yoga procura dissipar.
O corpo causal ou a mente-âmago
está presente e se constrói através de nossos pensamentos, desejos, aspirações
e intenções mais profundas. Em sânscrito podemos chamá-los de saṃskāras e vāsanās, são impressões magnéticas estampadas no estofo mental, da
mesma maneira que o DNA sustenta o código genético do corpo. Saṃskāra que literalmente significa impressão, refere-se as motivações
primordiais por trás de nosso comportamento. Vāsanā que literalmente significa perfume, refer-se como as camadas mais profundas da mente são
formadas e coloridas por nossa disposição e estado mental. Estas tendências
suportam a força magnética que sustenta nosso nível de consciência. Elas
refletem os guṇas sobre os quais
estamos sob influência.
O magnetismo espiritual elevado ou o poder da atração divina forma a força
da alma (ātma-śakti) e o poder do
conhecimento (vidyā). O magnetismo
inferior ou não-espiritual, o poder da repulsão divina, forma a força do ego e
o poder da ignorância (māyā ou avidyā-śakti). A força da alma é o poder por trás do desenvolvimento do verdadeiro
caráter e personalidade. A força do ego é o poder da personalidade sem caráter.
A força dá alma se desenvolve através da honestidade, veracidade e outros
valores e virtudes éticas, particularmente através da receptividade e o cuidado
com o próximo. Ela não pode ser desenvolvida através da mera fantasia dos
pensamentos, emoções exarcebadas ou experiências transitórias. É um produto da ação diária, particularmente
os pensamentos e expressões mais freqüentes. Agir no nível da alma em
nossas interações diárias é muito difícil, mas gratificador quando aplicamos
esforços em direção a essa meta.
Yoga, Āyurveda e a alma
Yoga como prática espiritual somente é
possível para alma, para pessoa que despertou sua aspiração espiritual e a
distância está além do ciclo de renacimentos. Yoga como prática espiritual é simplesmente impossível para o ego
imaturo e embotado, que irá utilizar essa ciência apenas para propósitos de
engrandecimento e regozijo pessoal. Despertar
o nível da alma é o primeiro passo para a genuína prática espiritual do Yoga e isso
precede até mesmo a execução de yama e niyama-sādhanā, o que requer certo nível
de consciência – da alma – desperta para se praticar a moral yogī. Se você
deseja praticar Yoga, deve se
perguntar: a alma está desperta em meu
interior e pronta para retornar a divindade?
A cura ayurvédica está baseada em
nossa conexão com a alma que é a origem da vida e a força energizante por trás
de todas as nossas faculdades. A Āyurveda
opera através da força da alma para que sejamos mestres de nosso corpo e
integremos todas as suas funções, gerando harmônia e equilíbrio. Toda cura verdadeira vem da alma, o ser ou
consciência interior que, quando desperto, se transforma no canal para graça
divina.
2. O corpo sutil ou
elétrico
Fora o magnetismo, a eletricidade automaticamente surge, cresce ou é
gerada. A polarização magnética ou a carga da alma coloca em movimento
correntes elétricas e atraí outras do mundo externo. Fora a alma, de nosso
coração surgem várias correntes eléticas que sustentam as atividades em todos
os níveis de nossa natureza. A alma gera
a força que cria e motiva a mente, os sentidos e o corpo. Essa força
elétrica é chamada de vidyut-śakti
que literalmente significa relâmpago.
A esfera magnética da alma provê um campo
elétrico que cria o corpo sutil ou astral, a esfera de nossas vidas das
energias e sentidos.
As energias polarizadas da alma dão nascimento aos dois prāṇas básicos – prāṇa e apāna – que criam
a atração e repulsão, inspiração e expiração, alimentação e eliminação. Estes
dois prāṇas geram uma força elétrica
que se divide em cinco correntes:
·
Prāṇa, a força que se move para dentro e para cima;
·
Apāna, a força que se move para fora e para baixo;
·
Samāna, a força de ação equilibrante;
·
Vyāna, a força de ação expansiva;
·
Udāna, a força de ação circulante.
Os cinco prāṇas, por sua
interação com a mente, dão origem aos cinco órgãos dos sentidos (ouvidos, pele,
olhos, língua e nariz), os cinco órgãos motores ou de ação (fala, mãos, pés,
sistema urogenital e excretor) e os cinco tipos de impressões (som, tato,
visão, paladar e olfato). Posteriormente iremos discutir detalhadamente
os cinco prāṇas (pañca-prāṇa ou pañca-vāyu).
Essas forças elétricas podem funcionar ou agir relativamente em qualquer
um dos cinco níveis magnéticos da consciência, de tamas a sattva. Por
exemplo, nossos sentidos funcionam no nível de tamas quando estão embotados e pesados. No nível de rajas quando nos distraem e nos envolvem
no mundo exterior. No nível de sattva
quando servem de instrumento para o conhecimento e auto-desenvolvimento. No
mais puro nível de sattva, quando
atuam como poderes do insight
profundo. No nível trascendental, quando são retraídos para dentro dos poderes
do conhecimento espiritual.
Nos níveis inferiores, estas forças elétricas operam em baixas
freqüências. Sua ação é lenta e sua conectividade é baixa. Nos níveis
superiores, sua freqüência aumenta. Fazem muitas conexões e eventualmente podem
penetrar todos os níveis do universo, da mente a matéria. Um verdadeiro yogī experimenta estas forças em sua
própria consciência como um relâmpago constante que reverbera em todas as
direções. Isso demonstra seu completo desenvolvimento.
Esse corpo elétrico é chamado de corpo sutil porque é uma vestimenta ou
invólucro de energia mais refinado que a matéria física, sua contraparte densa.
Ele é chamado de corpo astral porque é um campo de luz ou áurico da mente e dos
sentidos. Mesmo que sua luz seja um reflexo da alma, que é como o sol, ele é
chamado de corpo lunar. O corpo sutil é construído a partir da essência da
energia e impressões, prāṇas e tanmātras que são as forças elétricas
que ele traz em si mesmo. É um campo elétrico altamente ativo, movimentando-se
e sempre mudando sua natureza, dançando com as flutuações dos órgãos dos
sentidos, órgãos motores e a mente que nunca descança, nem mesmo por um minuto.
O corpo sutil tem uma forma similar ao corpo físico que ele cria, mas
existe mais como uma impressão do que um objeto específico. O corpo sutil
energiza e vitaliza o corpo físico. Todas
as doenças têm sua origem nos desequilíbrios energéticos do corpo sutil e sua
força de vida. A Āyurveda promove
os poderes de cura do corpo sutil, particularmente seus diferentes prāṇas, regenerando o corpo físico. O Yoga espiritualiza o corpo sutil
transformando-o em um veículo para realização espiritual.
A interação entre o corpo
causal e o corpo sutil
Tanto o corpo causal quanto o corpo sutil são diferentes aspectos da
entidade que nós usualmente chamamos de mente, que possui mais níveis e muito
mais poderes do que nossa experiência ordinária pode conceber, até mesmo
elevados estados intelectuais. O corpo
causal é a mente mais profunda, subliminar e interior, muito além da forma e
sensação, enquanto o corpo sutil é o aspecto formal da mente, a camada externa
que constitui nosso estado sensorial ordinário dirigido para o exterior.
A função desperta ou consciente do corpo causal é o campo da superconsciência
além da forma, o campo da percepção pura e ideal. O corpo sutil desperto é o
campo da forma da superconsciência interior – o reino da forma pura, da beleza
e do deleite.
Os corpos causal e sutil estão intimamente conectados e às vezes são
referidos como um só corpo (liṅga). O
corpo causal permanece durante todo o ciclo de mortes e renascimentos. Ele
experiência toda evolução até a auto-realização, mas em si mesmo, não é nascido
ou jamais morre. Um novo corpo sutil se manifesta a cada nova encarnação e se
torna a base ou contraparte sutil do corpo físico, se ajustando nele nos
primeiros meses de existência no ventre materno.
Portanto, o corpo causal é a semente ou a forma imanifesta do corpo sutil.
O corpo sutil é a forma manifesta do corpo causal. Todos os potenciais do corpo
sutil são inerentes no corpo causal. Como uma tartaruga que recolhe seus
membros para dentro do casco, o corpo causal desdobra-se em corpo astral.
3. O corpo físico ou
elemental
O corpo causal gera
energia magnética que dá nascimento a força elética do corpo sutil. Este, por sua vez, cria um tipo de
cascata que se densifica como o corpo grosseiro ou físico. A força elétrica do corpo sutil se transforma na força de vida do corpo
físico. A força magnética do corpo causal se torna a morada perpétua da
consciência ou alma (ātman). O corpo físico, por sua densidade, obstrui
tanto a luz quanto o magnetismo do corpo causal, bem como a força elétrica do
corpo sutil. Essa obstrução do corpo causal, que é mais refinado por
natureza, é bem maior que a obstrução do corpo sutil. Mas estas obstruções
podem ser superadas pela purificação do corpo e pelo desenvolvimento da
consciência elevada através das práticas yogīs.
O corpo físico se desenvolve a partir dos corpos causal e sutil. O corpo
causal provê as leis e o padrão básico para ele seguir. O código genético, as
impressão magnética por trás da formação corporal, está conectado ao corpo
causal. O corpo sutil e seus agregados, a mente, o prāṇa, os órgãos dos sentidos e motores dão forma a suas faculdades
correspondentes no corpo físico. O corpo físico é revestido de mente, sentidos
e prāṇas em toda sua manifestação
densa, até mesmo nos tecidos corporais.
O corpo é uma criação dos elementos grosseiros. É dominado pelos doṣas ou humores biológicos (vāta, pitta e kapha) que são
manifestações do prāṇa em um nível
denso. A Āyurveda descreve o corpo
físico de acordo com seus tecidos, sistemas e órgãos. Contudo, para causar
mudanças no corpo físico em um nível fundamental, devemos mudar as forças que o
compõem, sua eletrecidade energética ou pano de fundo astral e sua impressão
magnética ou base causal. Essa é a chave
do renascimento.
Os três estados da alma: vigília,
sonho, sono profundo
Os três corpos se relacionam com os três estados da consciência: vigília,
sonho e sono profundo. O corpo físico atua no estado de vigília, no qual todos
nós vivemos no mundo dos objetos com forma específica e localização no tempo e
espaço. Para este corpo existir, ele toma forma através dos elementos grosseiros
que o conectam ao mundo das formas. Sem o suporte contínuo de alimento, o corpo
físico perece.
O corpo astral atua durante o estado de sonho – e pensamento inspirado –
no qual vivemos no mundo das impressões. Ele define tempo e espaço ao invés de
ser definido por eles. É sustentado pelas impressões, os elementos sutis que
são seu alimento, através do qual nos criamos um mundo interno com nossa
própria imaginação.
O corpo causal atua durante o sono profundo e durante os profundos estados
de meditação, período em que vivenciamos nossa própria consciência destituída
de objetos externos, perceptíveis ou imaginários. O corpo causal não está
localizado como uma forma ou impressão no espaço-tempo, mas existe como uma
idéia que cria o tempo e o espaço de acordo com suas qualidades. É sustentado
por nossas percepções e pensamentos mais profundos, os elementos causais que
são seu alimento, através do qual nós criamos o mundo de nossas próprias
idéias.
Estes três estados de consciência refletem todo o processo de morte e
renascimento. No momento da morte o corpo físico e todas as suas funções cessam
e o corpo astral começa a funcionar como em um estado de sono e sonhos. O prāṇa ou a força da vida deixa o corpo
físico e começa a funcionar apenas em sua contraparte astral. As impressões
assimiladas durante a vida são reveladas e através delas pode-se experienciar
estados astrais de felicidade ou desespero que, em sua forma extrema, pode se
transformar no céu ou no inferno para quem está vivenciando o processo. Uma vez
que estas impressões são descartadas, o corpo astral é retraído e o corpo
causal passa a atuar. O prāṇa e a
inteligência se abstraem do corpo astral e se unem com o corpo causal. As
qualidades mais profundas – o amor e a sabedoria que foram desenvolvidos
durante a vida – são revelados e através deles pode-se experienciar os estados
causais da consciência sem forma. Uma vez que estes estados sejam exauridos,
então, do corpo causal, novos corpos astral e físico são formados para uma nova
encarnação, baseada na frutificação do karma.
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