Fernando Liguori
Estudos sobre as técnicas
de Yoga ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā.
Grupo de Estudos Kaula, 2014.
Ainda no início da Gheraṇḍa-saṃhitā, Caṇḍkāpāli, o «rei valioso»[1]
que buscava a liberação, recebeu instruções de Mahāṛṣi Gheraṇḍa acerca do karma.
Ele ensinou que nenhuma ação está livre de seu resultado e que por conta disso,
nosso corpo foi formado a partir de nossas ações passadas, boas ou ruins. No
sexto śloka, ele diz: sukṛtairduṣkṛtaiḥ kāryaiṛjāyate prāninām ghataḥ,
ghatādutpadhyate karma ghatīyantram yathā bhramet,[2]
i.e. «O corpo das criaturas viventes é o resultado das boas e más ações. O
corpo, a seu tempo, dá origem à ação e, desse modo, o ciclo continua como uma
roda de água.» Da mesma maneira que uma roda de água continua se movimentando,
o ser humano continua vagando pelos ciclos da morte e renascimento devido ao
seus karmas. No sétimo śloka Gheraṇḍa completa: urdhvādho
bhramate yadvat ghatīyantram gavām vaśāt, tadvatkarmavaṣajjīvo bhramate janmamṛtyubhiḥ,[3]
i.e. «Como a cisterna sobe e desce a água do poço movida pelos bocéis,
similarmente o ciclo de vida e morte de cada indivíduo é impulsionado por seus karmas
ou ações.»
Ação e renascimento se complementam, assim como nascimento e morte. Se
acreditarmos no princípio do renascimento, então o princípio da ação pode ser
definido. O que Gheraṇḍa está dizendo aqui é que o corpo humano nasce devido às
boas e más ações e todos executam boas ou más ações todos os dias. Não há
dúvida disso. O karma ou as ações dão nascimento aos saṃskāras,
as influências que trazemos de outras vidas.
Cada um de nós é responsável por sua própria felicidade ou tristeza. Todos
experimentam este estado mental flutuante em suas vidas. Infelicidade é sentida
quando alguma situação dá nascimento a tensões internas ou sofrimentos.
Contudo, nesta mesma situação é possível permanecer em equilíbrio e controle,
não permitindo a si mesmo estar infeliz. Todos são responsáveis por seus
estados de felicidade. Não nos eventos extraordinários, mas nos corriqueiros,
nas contínuas ações e reações de cada indivíduo.
Toda ação ou karma tem um resultado, mas é difícil saber a forma
que este resultado terá. Um anseio ou desejo pode dar nascimento a capacidade
de executar uma ação. Quando a ação é executada, o resultado aparece na frente
do indivíduo. Às vezes o resultado é visto rapidamente e isso é conhecido como
«karma instantâneo». Às vezes é preciso esperar. Também pode ser dito
que uma pessoa nasce devido aos desejos, ações e transformações de vidas
passadas. Mesmo relacionado ao nascimento físico, isso também se aplica a presente
vida. Os desejos de hoje estão conectados com os desejos de ontem. As ações do
presente estão conectadas as ações do passado. É possível que uma pessoa não
esteja consciente desse fato da mesma maneira que um desejo ou ação pode ser
expresso em níveis subconscientes. Contudo, existirá sempre a conexão entre o
passado e o presente.
Pessoas religiosas ou que acreditam em religião, ação, pecado, virtude
etc. podem pensar que pela execução de atitudes auspiciosas elas vão destruir
todas as «atitudes pecaminosas» do passado. Mas isso não acontece. A antiga impressão
existente não pode ser erradicada porque sejam lá as ações executadas, elas
controlam o corpo, a mente e o processo pensante, elas controlam a vida. Ações
auspiciosas não destroem as atitudes equivocadas do passado, mas dão nascimento
a novos saṃskāras, um pensamento novo, positivo e construtivo.
Desejo e ação são duas forças muito poderosas. Existe uma história que
ilustra o poder do desejo. Certa vez, um yogī muito sábio se encontrava
deitado em seu leito de morte, olhando para uma árvore. Nela, ele viu uma bela
maçã sendo comida por um inseto. Ele indicou ao seu discípulo que desejava
comer a maçã antes de morrer. Contudo, deu seu último suspiro antes que pudesse
comer a fruta. Quando o yogī fez a passagem, o discípulo observou que
seu dedo ainda estava apontado para maçã. Ao ver aquilo, o discípulo pensou:
«meu guru está aprisionado nesse desejo.» Ele era um discípulo de calibre.
Meditando, recebeu o insight de que seu guru havia encarnado como aquele
inseto na maçã. Então, pegou a fruta e esperou até que o inseto estivesse
completamente satisfeito. Antes que o inseto pudesse voar, o discípulo o matou.
Nesse momento, o dedo do guru voltou ao normal.
Existe uma passagem bem similar com o Senhor Kṛṣṇa. Kṛṣṇa e Arjuna estavam
passeando ao longo de um rio, quando observaram um pescador puxando uma rede
cheia de peixes. Arjuna pergunta a Kṛṣṇa então: «O pescador está cometendo uma
ação incorreta ao tirar a vida de vários seres viventes? Afinal, um peixe também
tem vida.» Kṛṣṇa respondeu: «Sim, e ele terá de vivenciar os resultados de suas
ações.» Ao longo do percurso, já aos arredores de uma floresta, eles viram um
elefante semimorto coberto por milhões de formigas. Arjuna perguntou: «Senhor,
você sabe de todas as coisas. Me diga, por qual pecado de ter nascido este
elefante está passando por tanto sofrimento? Ele não consegue morrer, mesmo
tendo milhões de formigas comendo seu corpo.» Kṛṣṇa respondeu: «Você se lembra
do pescador? Após a morte ele renasceu como elefante. As formigas que agora lhe
comem são os peixes que ele matou naquela vida.» O que essas histórias
querem dizer é que seja lá a ação que você execute, terá de submeter-se as
consequências.
Nesses ślokas, Gheraṇḍa diz que somos todos criados a partir de
nossas próprias ações, sejam elas boas ou más. Não obstante, ação,
comportamento e pensamento correto no presente refina o destino futuro para
melhor e a partir daí segue o resultado. É claro para todos que quando a vida
se torna controlada, equilibrada e positiva, karmas ou saṃskāras
negativos não são criados. Portanto, para conquistar este equilíbrio, um
caminho yogī tem de ser assumido. Esse é o tema do próximo śloka,
o poder do «fogo do yoga».
घतादुत्पध्यते कर्म घतीयन्त्रम् यथा भ्रमेत्॥, G.S., I:6.
तद्वत्कर्मवषज्जीवो भ्रमते जन्ममृत्युभिः॥, G.S., I:7.
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