Swāmi Satyānanda Saraswatī
Texto retirado do livro «Meditations
from the Tantras», Yoga Publications Trust, 2006.
Meditação é algo que todos já ouviram falar, poucos têm alguma concepção
sobre o assunto e menos ainda são aqueles que experimentaram verdadeiramente a meditação.
Como qualquer outra experiência subjetiva, a meditação também não pode ser
descrita por palavras. O leitor deverá procurar seu significado dentro de si
mesmo, no silêncio de seu interior. Somente a experiência é real, a
descrição ou o assunto em sua inteira complexidade não. Contudo,
procuraremos fazer o melhor ao trazer alguma luz sobre o tema.
Deixe-nos primeiro definir o caminho pelo qual a psicologia moderna tem
categorizado os diferentes níveis da mente. A mente subconsciente ou
inconsciente pode ser dividida em mente inferior, mente mediana e mente
superior. A mente inferior está conectada com a ativação e coordenação das
funções nos vários sistemas do corpo como a respiração, a digestão, a
circulação etc. É a área da mente de onde surgem as necessidades mais
instintivas e é desta parte da mente que complexos, medos, fobias e obsessões
se manifestam.
A mente mediana é a parte da mente que lida com os dados que utilizamos no
estado de vigília. É essa parte da mente que analisa, compara e chega a
conclusões em relação aos dados que estão chegando. O resultado desse trabalho
na consciência manifesta merece atenção. Esta é a parte da mente que nos dá as
respostas que necessitamos. Por exemplo, muitos de nós já nos defrontamos com
um problema que não podia ser resolvido na hora, mas pouco tempo depois a
resposta simplesmente veio à tona na superfície da mente. Foi à mente mediana
que resolveu o problema, liquidando-o sem a nossa consciência. Este é o reino
do pensamento racional ou intelectual.
A mente superior é a área da assim chamada superconsciência e ela está
sempre em atividade. É a fonte intuição, inspiração, bem-aventurança e das
experiências transcendentais. É dessa região da mente que os gênios recebem
seus flashes de criatividade. Ela é a fonte do conhecimento profundo.
Nas horas em que nos encontramos no estado de vigília, nos tornamos
conscientes de certos fenômenos. Mas temos consciência apenas de uma pequena
parte das atividades da mente, usualmente nos domínios da mente mediana. É esta
consciência que lhe está permitindo ler estas palavras e estar consciente se
seus significados.
Outra parte da mente é o inconsciente coletivo, o qual Carl G. Jung
esclareceu a comunidade científica. É nesta parte da mente que temos os registros
de nosso passado evolutivo. Ele contém o registro das atividades de nossos
ancestrais assim como os arquétipos. É a parte da mente que nos conecta a todos
os seres humanos pois é o projeto heliográfico de nosso passado comum.
Por trás de todas essas diferentes partes da mente está o
Ser ou a verdadeira essência da existência. É o Ser que ilumina tudo o que fazemos, embora não
estejamos conscientes disso. A maioria de nós chega à erronia conclusão de que
o ego é o âmago de nosso ser, embora ele seja somente mais uma parte da mente.
É o Ser que ilumina até mesmo o ego.
Então, o que acontece quando meditamos? Quando meditamos nos tornamos
capazes de retirar nossa consciência das diferentes partes da mente.
Normalmente, como enfatizamos anteriormente, nossa consciência está confinada a
atividade superficial da mente mediana ou racional. Durante a meditação, nos
tornamos capazes de abandonar o excesso do estofo intelectual da mente.
É uma experiência comum nas pessoas que iniciam a meditação é verem imagens
grotescas ou se tornarem conscientes de profundos complexos enraizados que não
faziam ideia da existência. Os praticantes acabam por perceber que possuem
medos e obsessões tão profundos e que jamais se deram conta disso. A razão
disso é que a consciência, no momento da meditação, começa a funcionar no nível
da mente inferior. A consciência está iluminando os complexos, medos e
obsessões. Antes disso, o praticante somente se encontra consciente das
manifestações desses complexos profundos na forma de raiva, ira, depressão etc.
Uma vez que estes complexos profundamente enraizados sejam confrontados, eles
podem ser removidos (veja Cap. 2) e a alegria surge na vida. Também, muitas
pessoas se tornam conscientes dos processos internos do corpo somente na hora da
meditação. Isso porque a consciência passa a atuar no reino das funções
orgânicas.
Os altos estados de meditação são difíceis de serem alcançados sem a
remoção dos medos compulsivos que habitam na mente inferior. Neste caso, não é
possível experimentar profundos estados meditativos porque estes complexos são
tão compulsivos que tomam para si toda a atenção do praticante. Existem muitos
lugares onde a consciência pode ir, mas parece que ela é atraída as atividades
da mente inferior como ferro é atraído pelo imã. Parece que ela experimenta
um deleite perverso ao lidar com os medos, obsessões e ansiedades.
Nos altos estados meditativos, a consciência se desloca para mente
superior, a região da superconsciência. A consciência impera sobre o pensamento
racional e o praticante vê as inúmeras atividades mais próximas da realidade. O
meditador entra na dimensão da inspiração e iluminação. Ele passa a
explorar os profundos aspectos e verdades da existência. Uma nova esfera,
um novo reino existencial é alcançado, um reino que antes parecia ser
impossível de se alcançar, uma invenção da mente.
A Culminação da meditação é a autorrealização. Isso ocorre quando até mesmo a mente
superior é transcendida. A consciência deixa de lado a exploração da mente e se
identifica com o âmago da existência humana, o Ser. Neste ponto, ela é pura
consciência. Quando o meditador alcança a autorrealização, isso significa que
ele atingiu a consecução e a conversação com o Ser, a essência primordial de
sua existência, identificando toda sua vida, a partir deste momento, com o
ponto de vista do Ser e não com o ponto de vista egoísta do ego. Quando ele age
a partir do ponto de vista do Ser, o corpo e a mente operam quase que como uma
entidade separada. A mente e o corpo deixam de ser reais para ele, pois são
meras manifestações do Ser, sua verdadeira identidade. Portanto, a meditação
estaria destinada a exploração das camadas mais profundas da mente e,
posteriormente, sua transcendência total, culminando na autorrealização.
Meditação passiva & ativa
Existem dois tipos de meditação: passiva e ativa. A meditação ativa é
aquela praticada enquanto se executa as atividades triviais do dia-a-dia,
caminhar, falar, comer etc. Podemos dizer que este é, de fato, o objetivo do
Yoga: nos permitir meditar enquanto estamos envolvidos nas atividades triviais
da vida. Isso não quer dizer que as atividades não serão feitas com
entusiasmo. Muito pelo contrario: as atividades serão exercidas com muito mais
eficiência e energia. A meditação ativa se executa cultivando o
discernimento (viveka) e a discriminação (vichara) na construção da
autoidentidade ao afirmar-se como indivíduo, testemunhando o universo interno e
externo com equanimidade. A atitude discriminativa nas atividades do
dia-a-dia, no karma-yoga ou bhakti-yoga, desperta a consciência
em todos os níveis da mente. A meditação ativa pode ser desenvolvida também
através das técnicas de meditação passiva disponibilizadas adiante.
Executa-se a meditação passiva sentando-se em uma postura por um
determinado período enquanto se pratica uma técnica meditativa. O objetivo é
estabilizar a mente sempre agitada e vagante e torná-la profundamente unidirecionada
até que a experiência meditativa real ocorra espontaneamente. Ela pode ser
dividida em quatro estágios de proficiência:
1. Fixando a mente em uma prática
meditativa, um objeto, um som, a respiração, uma imagem etc. Isso acalma a
mente e torna-a introvertida.
2. Sucesso no primeiro estágio
automaticamente leva ao fluxo livre de pensamentos, complexos, visões, memórias
etc., do reino inconsciente da mente. É possível agora sondar os aspectos
ocultos da personalidade e da mente inferior a fim de remover o conteúdo
indesejável.
3. Quando a mente inferior tiver sido
completamente explorada, inicia-se a exploração dos reinos da superconsciência.
Aqui a verdadeira meditação começa. O ilimitado armazém de conhecimento e
energia dentro de cada um de nós começa a se mostrar espontaneamente. Aqui
ocorre a sintonia com o cosmos e todas as coisas criadas.
4. Eventualmente a mente é transcendida e
o meditador atinge a unidade com a Consciência Suprema. O objetivo da
autorrealização é alcançado.
Proficiência na meditação passiva automaticamente leva a
meditação ativa, pois quanto mais
profundo o meditador imergir na mente em sua prática passiva de meditação, mais
estará capacitado a viver em um estado meditativo perpétuo, mesmo enquanto
realiza os afazeres do dia. Na verdade, quanto mais profundo imergir, mais seu
conteúdo secreto se manifestará na superfície da mente na forma dos
acontecimentos externos. E na medida em que explora todo o conteúdo da mente,
mais poderoso fica. Dessa maneira, a vida, o trabalho, as relações etc., se
tornam mais produtivas e o meditador se torna capaz de conquistar coisas que
antes acreditava ser impossível fazer.
Eventualmente, a meditação passiva se torna superficial. Isso ocorre na
autorrealização. Neste estágio, o indivíduo vive em concordância com os mais
profundos valores espirituais que brotam da essência de seu Ser, mesmo
podendo se expressar neste mundo. Nessa situação, a pessoa autorrealizada é
capaz de viver em harmonia tanto com o mundo espiritual quanto com o mundo
material. Na verdade, já não há essa distinção. Neste estágio o que existe é
uma contínua e espontânea experiência da meditação ativa.
Os seres humanos têm a tendência de se identificarem com os objetos de
percepção. Por exemplo, nós vimos um lindo pôr do sol. Nossa consciência foi
tão sobrepujada que nos esquecemos completamente de nós mesmos. Nos esquecemos
do fato de que estamos experienciando o espetáculo. Assim, como é que podemos
realmente experimentar o regozijo do pôr do sol? O indivíduo, o sujeito, o
experienciador se esqueceu de sua natureza pois foi completamente obscurecido
pelo objeto de percepção. A consciência se identificou com o objeto e
excluiu o sujeito. O leitor deve pensar sobre isso nesse momento: estará
você consciente do fato de que está experienciando estas palavras ou estará
completamente identificado com elas?
A situação ideal é quando o pôr do sol ou qualquer outro objeto é
experienciado sem que se perca a consciência de si mesmo. O meditador deve
sentir a experiência objetiva de perceber, vivenciar, experimentar ou, mais
adequadamente, de testemunhar. Neste caminho, a experiência espiritual de
se experimentar se intensificará; o Ser ou a alma agora conhece,
conscientemente, a experiência do objeto. A bem-aventurança do Ser pode agora
desvelar-se em resposta a experiência de objetos externos. Antes, a natureza do
Ser estava obscurecida pela experiência do objeto, agora o Ser pode brilhar em
sua prístina e completa glória.
Isso deve se aplicar a toda existência material. Devemos experienciar os
fenômenos externos porque eles fazem parte da vida, mas suplementando a vida
externa com a vida interna. Dessa maneira, a vida em todos os seus aspectos
pode ser experimentada de maneira muito mais plena. No presente, a maioria de
nós vive uma vida quase que completamente extrovertida por conta da ignorância.
Não somos capazes de realizar o oceano de bem-aventurança que existe nas
profundezas de nosso ser. Um dos objetivos da meditação é tirar a
consciência dos enredos externos por um período de tempo e direcioná-la para o
interior. O objetivo é experimentar um lampejo da vida interior e
conectá-lo com a vida exterior. Essa conexão sempre existiu, mas a grande
maioria não se encontra consciente deste fato. A meditação nos torna
conscientes dessa conexão, nos levando a profundos estados felicidade
espiritual e paz de espírito. A meditação nos torna conscientes da
importância da experiência subjetiva, a natureza interna e essencial que é
nossa herança.
A meditação é um legado da humanidade. É algo que todos nós deveríamos e
somos capazes de experimentar espontaneamente, embora não estejamos podendo
experimentar pela maneira como vivemos a vida. Estamos constantemente em um
estado de tensão porque não conhecemos nós mesmos, nossa natureza interior.
Estamos sempre tentando fazer alguma coisa porque sentimos que devemos fazer,
mesmo que seja algo contrário a nossa natureza. Existe um conflito contínuo
entre o que somos e o que precisamos. Sempre somos motivados em sermos alguma
coisa além daquilo que realmente somos: o Ser. Se conseguirmos fazer uma união
entre o que somos e o que precisamos, então a meditação acabará acontecendo.
O conhecimento que todos nós experienciamos é o conhecimento intelectual.
Ele deriva da parte racional da mente. Essa é uma forma de conhecimento
relativo; não é um conhecimento real! Ele consiste de um campo limitado de
fatos e figuras das quais deduzimos teoremas, conceitos e o relacionamento com
o meio ambiente. Essa é a forma científica, tecnológica, filosófica e outras
formas de raciocínio promovidas pela mente racional. A falácia é que a hipótese
original é fundamentalmente adequada em si mesma, embora saibamos que este tipo
de conhecimento seja continuamente provado ser errado. A própria ciência nos dá
o exemplo: Newton expôs a teoria da gravitação que rapidamente se tornou aceita
como verdade. Contudo, poucos séculos depois, Einstein demonstrou através de
sua teoria que a gravidade não existe como tal. É claro, isso não se aplica só
a ciência; na verdade, isso se aplica a qualquer atividade intelectual que
executamos. Qualquer conclusão que venha da mente racional pode ser substituída
sob a luz de novas descobertas.
Podemos também experimentar o conhecimento na forma de sensações e
emoções. Uma pessoa pode sentir mentalmente a verdade sobre uma ideia; ao mesmo
tempo, uma pessoa pode emocionalmente sentir que algo é verdade. Muita gente
confunde este tipo de conhecimento com conhecimento intuitivo.
Além do conhecimento intelectual e emocional existe outro tipo de conhecimento.
Ele só é alcançado em estados meditativos e é uma forma mais real de
conhecimento. É o conhecimento intuitivo que compreende a totalidade da situação.
Diferente do pensamento racional que tenta construir uma imagem completa do
todo a partir das partes, a intuição diretamente compreende o todo, a
totalidade. Ela vem da parte superconsciente da mente, a qual estamos usualmente
inconscientes. Este tipo de conhecimento não depende do intelecto ou das
emoções, que tendem a colorir ou perverter a forma real de conhecimento. A
meditação não depende de projeção pessoal; se precisasse, não seria meditação.
Durante a meditação uma conexão é feita com as regiões mais elevadas da
mente associadas com a expansão da consciência, a parte superconsciente da mente
ou o campo da consciência ou discriminação, a assim chamada consciência
desperta. Essa conexão permite que as elevadas vibrações mentais sejam
experienciadas pela consciência do meditador. Essas sutis e elevadas vibrações
existem todas ao mesmo tempo, embora não sejam completamente percebidas. Às
vezes elas são percebidas, em raras ocasiões, na forma de flashes
intuitivos, inspirações, iluminação criativa etc. Estamos usualmente
inconscientes destas vibrações, verdades e conhecimento superior por conta das
impurezas da mente. Esta forma superior de conhecimento, as vibrações elevadas,
desvelam a causa subjacente ou a verdade inata por trás das manifestações
corriqueiras que percebemos no dia-a-dia. Os profundos aspectos da vida se
revelam durante a meditação.
Tradução
livre de Fernando Liguori.
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