Fernando Liguori
Texto extraído da apostila do curso «Oficina de Meditação», edição
2011, ministrado pelo Instituto Kaula.
Nos dois estágios anteriores (módulos III e V) de trāṭaka, nós estivemos preocupados em primeiro lugar focar a
atenção em um objeto externo (bahir-trāṭaka),
seguido por sua pós-imagem resultante (antar-trāṭaka).
O terceiro estágio de trāṭaka que
descreveremos abaixo trata apenas desta última prática, a fixação interna do
objeto, símbolo ou imagem. É uma forma mais avançada de se praticar e pode ser
executada logo após o estágio 2 ou como um exercício separado.
Contudo, se você não desenvolveu previamente a habilidade de criar e
perceber uma imagem interna clara à vontade, desfrutará de poucos benefícios
que a prática pode proporcionar. Essa proficiência pode ser adquirida com ou
sem o auxílio de uma contraparte externa da imagem ou símbolo que estiver
utilizando. A fim de ajudá-lo a decidir se vai ou não praticar antar-trāṭaka, sugerimos que siga estes
critérios:
1. Se você não consegue visualizar ou
manter uma imagem interna clara, deveria continuar praticando os estágios
anteriores.
2. Se você consegue manter a contraparte
interna de um objeto externo e talvez até produza uma imagem interna à vontade,
então sugerimos que deixe o estágio 2 e prossiga ao estágio 3.
3. Se você tem tempo disponível, sugerimos
que pratique o estágio 2 seguido do estágio 3.
O importante é que você não tente executar o estágio 3 antes de ser capaz
de fixar sua consciência em uma imagem interna clara. Se você possui uma imagem
interna vaga ou até mesmo nenhuma imagem e tenta executar o estágio 3, muito
provavelmente cairá no sono ou acabará envolvido nos padrões normais de
pensamento do dia-a-dia. Em ambos os casos você não ganhará nada. Ao contrário,
você perderá, pois estará gastando seu precioso tempo. Portanto, use sua
discriminação e escolha a prática mais adequada ao seu grau de proficiência.
Trāṭaka: estágio 3
Aqui, a atenção é unidirecionada apenas a imagem interna. É mais difícil
do que bahir-trāṭaka ou bahir-trāṭaka combinada com antar-trāṭaka (estágios 1 e 2).
A escolha da imagem
A imagem deve ser a mesma escolhida por você para as práticas dos estágios
1 e 2. Se você se sente à vontade com a concentração na imagem interna da chama da vela, continue com ela. Se
você se sente atraído pelo símbolo auṃ,
então o use como sua imagem interna. O importante é que você seja capaz de
internamente visualizar o objeto de sua escolha sem esforço.
Localização do centro
entre as sobrancelhas
Durante a prática a imagem interna tem que ser visualizada e projetada no
centro entre as sobrancelhas. Isso é fácil quando se consegue sentir um tipo de
sensação na pele neste local. Para isso, molhe a ponta do dedo em água ou pasta
de sândalo e aplique, na forma de um ponto, no centro entre as sobrancelhas.
Isso auxilia inicialmente a localizar o ponto correto. Contudo, embora esse
método possa auxiliar, a água logo irá se evaporar. Por essa razão, caso não
haja pasta de sândalo, nós sugerimos a aplicação de mercúrio, mentol, cânfora,
bálsamo tigre ou óleo dhyāna, que
proverá uma sensação definitiva do centro entre as sobrancelhas que durará até
o fim da prática.
É claro, se você é capaz de identificar e fixar facilmente a posição do
centro entre as sobrancelhas isso não é necessário. Em muitas pessoas essa
sensação ocorre pela simples pressão do dedo nessa área ou nem isso, apenas de
forma espontânea.
Técnica
Como nas lições anteriores, nós
utilizaremos a chama da vela como imagem interna. Essa técnica é constituída de
quatro estágios. Não prossiga ao próximo estágio sem haver adquirido
competência no estágio anterior.
Estágio 1: preparação
Sente-se em uma postura confortável.
Feche seus olhos e os mantenham
fechados durante toda a prática.
Execute kāya-strairyam.
Esteja completamente consciente da
estabilidade de todo o seu corpo. Sinta que seu corpo está imóvel e fixo no
chão. Visualize que seu corpo faz parte do chão (pausa).
Torne-se consciente do bhrūmadhya, o centro entre as
sobrancelhas.
Sem forçar inadequadamente, direcione
sua consciência para sensação na pele no ponto entre as sobrancelhas.
Não pense em nada mais além do centro
entre as sobrancelhas.
Consciência intensa na sensação da pele
no ponto entre as sobrancelhas (pausa).
Estágio 2: visualização
interna
Visualize a chama da vela no centro
entre as sobrancelhas.
Mantenha a imagem no centro entre as
sobrancelhas.
Se a imagem enfraquece ou desaparece,
não se preocupe, apenas recrie a imagem novamente.
Mantenha a imagem estável no centro entre
as sobrancelhas.
Nota:
Muitas pessoas irão encontrar dificuldade em ver apenas a chama da vela. Neste
caso, elas deveriam adotar o método mencionado no fim da descrição da prática
(acima) ou qualquer outro método que auxilie a criação de uma imagem interna
clara.
Quando
a imagem interna estiver estável e não haver dificuldade em criar uma imagem
clara e definida, prossiga ao estágio 3.
Não
inicie o estágio três até que tenha desenvolvido proficiência no estágio 2,
mesmo que isso possa durar dias ou semanas.
Estágio 3: consciência
respiratória
Observe atentamente a imagem interna.
Simultaneamente, esteja consciente de
sua respiração.
Execute ujjāyī-prāṇāyāma e khecarī-mudrā.
Quando inspirar, visualize que o ar
está vindo do centro entre as sobrancelhas, o bhrūmadhya, diretamente para parte de trás da cabeça, através do
tubo psíquico do ājñā-cakra.
Ao mesmo tempo esteja consciente do som
da respiração produzido pela execução de ujjāyī-prāṇāyāma.
Quando expirar, visualize que o ar sai
da parte de trás da cabeça e percorre o tubo psíquico até o centro entre as
sobrancelhas (pausa).
Agora, visualize a imagem interna se
movendo para frente e para trás no tudo psíquico do ājñā-cakra na medida em que inspira e expira.
Quando inspirar, sinta o som produzido
pela respiração, sinta a respiração e a imagem interna se movendo para trás no
tubo psíquico do ājñā-cakra.
Quando expirar, esteja consciente do
som produzido pela respiração, da respiração e a imagem interna se movendo para
frente no tubo psíquico do ājñā-cakra.
Faça isso com cada respiração, de forma
bem consciente (pausa).
Inicialmente, isso pode parecer
difícil. Mas com a prática a execução se torna cada vez mais fácil.
Eventualmente você não terá dificuldade em sentir a respiração se movimentando
no tubo psíquico do ājñā-cakra.
Continue a prática por mais dez
minutos.
Estágio 4: investigando a
natureza da imagem
Relaxe ujjāyī-prāṇāyāma e khecarī-mudrā.
Libere a concentração da respiração e do som produzido por ela.
A partir deste momento você terá de
investigar a natureza da imagem.
Penetre no interior da imagem interna.
Observe atentamente a imagem e
investigue sua forma, sua natureza.
Mantenha o olhar fixo na chama da vela.
Veja o pavio no meio da chama.
Mantenha o olhar fixo nas profundezas
da chama.
Sinta e veja a aura da chama penetrando
sua mente.
Perceba o máximo de detalhes da imagem
(pausa).
Sinta sua consciência absorvendo os
raios luminosos da chama na intenção de descobrir seu significado mais
profundo.
Qual é a natureza da chama?
Qual é a essência fundamental que se
encontra além daquilo que você vê?
(pausa).
Relaxe a imagem e mantenha consciência
apenas no centro entre as sobrancelhas.
Inspira e expira. Quando estiver pronto
abra os olhos.
Quanto mais você praticar melhor, especialmente se possui uma excepcional
imagem interna bem clara.
A criação de imagens
A parte mais difícil desta técnica é a criação e a visualização de uma
imagem interna, bem como sua sustentação por um período prolongado de tempo no
centro entre as sobrancelhas. O que se segue é um método que pode ser útil na
criação de uma imagem interna.
Técnica
Feche os olhos.
Imagine que está praticando bahir-trāṭaka.
Produza uma imagem mental da vela, a
chama, o candelabro e o local onde eles se encontram.
Se for necessário, crie uma imagem
mental de si mesmo sentado na frente da vela.
Na medida em que a imagem se tornar
clara e a visualização firme, reduza seu campo de visão à chama da vela.
Continue até que somente a chama da
vela de forma a sua consciência.
Essa é uma imagem interna apropriada
para antar-trāṭaka.
Nota:
Esse é um método fácil de produzir um objeto para consciência que sirva para
prática de antar-trāṭaka. Você pode utilizar o mesmo procedimento para qualquer
tipo de imagem, especialmente se você praticou bahir-trāṭaka por um período de
semanas. Uma vez que consiga visualizar uma imagem interna clara, você deve ser
capaz de mantê-la no centro entre as sobrancelhas.
Duração
Pratique pelo menos trinta minutos ou mais.
Benefícios
Os benefícios são os mesmos indicados em trāṭaka (estágio 1, módulo III), contudo, mais acentuados.
Sob condições normais do estado de vigília, estamos sujeitos a uma
constante torrente de informações sensoriais provindas do exterior. Adicionado
a isso, existem os milhares de pensamentos que surgem de nossa mente
subconsciente, muitos em resposta a emoções negativas e reações conectadas a
eventos internos e externos. Por conta disso, a maior parte do poder e
potencial da mente não é usado. Ao invés disso a mente opera em um nível muito
baixo comparado ao seu potencial máximo. Sua energia é dissipada em todas as
direções. Trāṭaka corta esse
bombardeamento contínuo da mente concentrando a atenção ou o campo de
consciência em um ponto. Neste processo, nos tornamos capazes de ter
consciência do máximo potencial mental, pois ele mostra a si mesmo
espontaneamente sob essa condição ideal de concentração. Trāṭaka é o método de se consolidar o poder da mente para que ele
possa ser direcionado e aplicado em propósitos benéficos, sejam no campo
material, mental ou espiritual.
Incorporando trāṭaka –
estágio 2
O método que acabamos de descrever poder ser facilmente – e efetivamente –
combinado com trāṭaka (estágio 2). De
fato, aqueles que praticarem dessa maneira usufruirão dos inúmeros benefícios
desta combinação, especialmente aqueles que não conseguem visualizar uma imagem
interna com facilidade. Particularmente, o processo investigando a natureza da imagem (passo 4 da prática acima) pode
ser adaptado para o estágio 2 de trāṭaka
ou bahir-trāṭaka somente. Deixamos
essa dica para que você possa escolher a melhor prática para sua evolução.
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