Fernando Liguori
Desde a
publicação dos artigos Kuṇḍalinī & Esquizofrenia, A
Alquimia da Kuṇḍalinī & Transmutação Sexual, Gṛhastha Brahmacarya & o Despertar da Śakti e por último Kuṇḍalinī Yoga Terapia & os Segredos
Espirituais da Āyurveda (partes 1
e 2), recebi inúmeras cartas e e-mails de pessoas que pediam mais
informações acerca daquilo que podemos definir como o fenômeno da kuṇḍalinī. São profissionais da área do Yoga (professores e praticantes) e
pessoas que, segundo elas mesmas, passam por inúmeras experiências devido ao
despertar espontâneo da kuṇḍalinī. Todas
essas comunicações e troca de experiências são muito gratificantes, pois em meu
trabalho recebo muitas pessoas que descrevem as mesmas experiências,
necessitando de ajuda e auxílio para se curar. Na verdade, meu trabalho é de
cura e foram poucas as pessoas que me procuraram com outros objetivos. Quando
recebo essas pessoas, primeiro tento encontrar a raiz dos seus desequilíbrios
nos doṣas (biotipos constituintes) e
traço um sādhanā (prática espiritual)
especial para sanar estes desequilíbrios, dependendo da natureza de cada
indivíduo. Este sādhanā ou dinacharya (conduta diária) inclui
práticas yogīs como āsanas, prāṇāyāmas, mudrās e bandhas. Para aqueles que são
ritualisticamente inclinados, oriento um upāsana
que envolve a adoração de deidades tântricas e védicas, assim como a execução
de mantras e meditações. Portanto, meu
trabalho alia uma terapia com o kuṇḍalinī-yoga
e os aspectos espirituais da Āyurveda.
Por
estar associado ao Projeto de Pesquisa
sobre a Kuṇḍalinī [Kuṇḍalinī Research
Project] da Associação Internacional
de Pesquisa sobre a Kuṇḍalinī [Kuṇḍalinī
Research Association International], fundada por Georg Tompkins, que por
muitos anos esteve associado ao pândida
Gopī Kṛṣṇa e a Bihar School of Yoga,
oriento pessoas e formulo estudos, tanto práticos quanto teóricos, acerca do fenômeno kuṇḍalinī. Para empreender um trabalho como este,
parto do ponto de vista que a kuṇḍalinī-śakti
é um mistério, pois para cada um de nós ela se manifesta de uma maneira
distinta. É óbvio que os sinais de uma kuṇḍalinī
desperta ou parcialmente trabalhada são visíveis, tanto positivamente quanto
negativamente. Mas separar esse véu de manifestação é muito difícil; é como
tentar traçar a distinção entre a genialidade e a loucura. Portanto, meu
trabalho parte do ponto de vista de minha experiência, tanto pessoal quando adquirida
através da sabedoria milenar do Tantra,
do Yoga e da Āyurveda.
É uma conduta quase que
geral dos médicos Āyurveda na Índia
diagnosticarem problemas e doenças mentais como uma manifestação ou ligeiro
despertar da kuṇḍalinī. Esse é o
ponto de vista de muitos mestres também. Pessoas que não possuem conhecimento
de Yoga e não-iniciados, ao escutarem
as descrições das experiências com a kuṇḍalinī
chegam a pensar que são relatos de surtos psicóticos. Muitas das descrições
sobre essa experiência trazem relatos de pessoas que passaram pelo despertar suspeitando que estavam
ficando loucas. É fácil compreender
que uma pessoa que passa pela experiência de uma espontânea suspensão da
respiração (kevala-kumbhaka) ou a
sensação de ausência total de corpo físico possa ter medo de estar ficando
louco. Agora, contudo, a comunidade médica está vagarosamente se tornando
consciente das diferenças entre loucura e expansão das faculdades mentais. São
muitos os médicos que, lançando mão das pesquisas sobre a kuṇḍalinī e os estados alterados de consciência que sua experiência
produz, auxiliam inúmeras pessoas a tomarem o rumo certo na jornada da serpente de fogo.
Se por um lado finalmente
a comunidade médica já está conseguindo admitir a existência dos estados
alterados de consciência promovidos pelo despertar da kuṇḍalinī, por outro existem as pessoas que se enganam ou que,
muitas vezes, são enganadas. Grande parte das pessoas que alegam estar passando
ou já terem passaram por experiências conectadas a kuṇḍalinī na verdade apresentaram um problema mental genuinamente
físico. Geralmente, elas não querem admitir que seu problema seja real e que
não tem nada a ver com a kuṇḍalinī. Mas
existem aqueles que demonstram uma experiência verdadeira com a serpente de fogo. Portanto, uma
avaliação criteriosa é muito importante, principalmente por aqueles que passam
pela experiência. Existe uma tendência quase unânime de o ego mascarar a
experiência, prejudicando a evolução no despertar espiritual.
Infelizmente, existe
também a má orientação. Em 2004, a revista Vogue
publicou um artigo sobre uma ex-modelo que, durante uma aula de Yoga, sentiu muitas dores na cabeça. Sua
famosa professora de Yoga, no entanto,
disse-lhe com animação que as dores eram um sintoma do despertar da kuṇḍalinī. Exames posteriores revelaram que era um
sintoma de tumor cerebral. A professora fingia ter um conhecimento que não possuía.
Muitas vezes isso é um produto dos mestres e pseudo-mestres ocidentais que de
alguma maneira utilizaram os segredos do kuṇḍalinī-yoga
de forma distorcida. Foram divulgadas informações sobre a kuṇḍalinī, os cakras, as nāḍīs etc. que confundiram a cabeça de
muitos buscadores. Grande parte destes mestres ocidentais estiveram envolvidos
com organizações ocultas, maçônicas ou para-maçônicas e seus ensinamentos,
deturpações adaptadas do conhecimento esotérico Oriental, serviu apenas aos
seus propósitos. A história da Tradição Esotérica Ocidental está cheia de
relatos de pessoas que se apropriaram indevidamente do conhecimento Oriental
para fins escusos. Mas não vamos nos iludir aqui. O Oriente também produziu
muitos mestres de caráter duvidoso.
Concernente ao despertar
da kuṇḍalinī, existem mais dois
pontos importantes que todo aspirante deve manter em mente. Primeiro, há um
grupo de pessoas que se lançam nas práticas com a kuṇḍalinī fazendo a utilização de substâncias alucinógenas. Isso
porque os sintomas descritos nos relatos de pessoas que passaram pelo despertar
da kuṇḍalinī podem se manifestar sob
a influência de drogas químicas e substâncias enteógenas. Neste ponto, ressalto
mais uma vez a importância da honestidade ao se examinar as experiências com a kuṇḍalinī. Existe uma ciência tântrica
conhecida como auśadhī. É o método de
se despertar a kuṇḍalinī através do
uso de ervas específicas. Auśadhī não
deve ser interpretado como a utilização de drogas como maconha (cannabis), ácido, etc. Auśadhī é o mais poderoso e rápido
método de despertar a kuṇḍalinī, mas
ele não é para todos e poucas pessoas conhecem esse método. Existem ervas que
podem transformar a natureza do corpo e seus elementos e trazer um parcial ou
completo despertar, mas elas nunca devem ser usadas sem um guru ou um guia
qualificado. Isto ocorre porque certas ervas despertam iḍā ou piṅgalā, e outras
suprimem ambas as nāḍīs, levando o
praticante rapidamente a loucura. Por esta razão, auśadhī é um método muito arriscado e pouco confiável.
Segundo, o despertar da kuṇḍalinī envolve determinados fenômenos
psíquicos, mas primordialmente, é uma experiência espiritual. Portanto, muitas
pessoas presumem que o despertar da kuṇḍalinī
garante habilidades psíquicas e poderes sobrenaturais. Embora isso possa ser
verdade em certa medida, é perigoso demais supervalorizar os poderes psíquicos
ou até mesmo brincar com eles. Habilidades psíquicas não são um pré-requisito
para despertar a kuṇḍalinī e o
crescimento e evolução da consciência.
Portanto, existem alguns pontos
a serem considerados quando lidamos com as manifestações da kuṇḍalinī:
·
Experiências genuínas são
raras.
·
Quando o aspirante está
sob a orientação de um guru ou um guia preparado, suas experiências são
determinantemente colocadas em perspectiva, o que garante o controle total do
processo.
·
Executar uma sequencia de
práticas apropriadas, treinar sob a orientação de um guru e percorrer
vagarosamente o caminho espiritual, faz com que o processo de purificação
física ocorra com mais facilidade. Assim, as experiências que acompanham o
despertar podem ser amenizadas para que proporcionem paz e sabedoria.
·
Após a experiência
genuína, o que fica é um estado de bem-aventurança, paz e elevado nível de
consciência.
O resultado desta
experiência é o suficiente para incinerar todas as dúvidas. Seu corpo se torna
leve como o ar. Você passa a ter uma inesgotável energia para o trabalho, uma
mente equilibrada em meio às provações e tribulações da vida. Mas para kuṇḍalinī ascender, o corpo deve ser
capaz de suportar a energia que se manifesta e o sistema nervoso deve ser
forte, saudável e perfeitamente desenvolvido. Isso é conquistado através das
práticas do Yoga. Quando o corpo e a
mente estiverem preparados, a kuṇḍalinī
ascenderá espontaneamente, liberando e expandindo a consciência.
Carl G. Jung, eminente
psiquiatra suíço, sumarizou essa experiência em seu Psychological Commentary on Kundalini Yoga, onde ele declara: Quando você for bem sucedido no despertar da
kundalini, quando ela começar a se mexer e demonstrar sua potencialidade, você
experimentará um mundo completamente diferente, o mundo da eternidade.
Portanto, tenha sempre em
mente que essa energia é a chave para o renascimento espiritual e que seu
despertar provoca uma mudança dramática em sua vida. É uma força que deve ser
respeitada e reverenciada, pois por incontáveis milênios foi o tesouro secreto
considerado como o elixir da imortalidade que esteve indisponível para as
massas. Hoje em dia, com a disseminação da informação
espiritual, este tesouro está à disposição de muitas pessoas, pois a
ciência do kuṇḍalinī-yoga está mais
acessível ao buscados moderno. A kuṇḍalinī
é a chave oculta da realização da natureza essencial de cada um de nós e pode
ser colocada em movimento pelas práticas do kuṇḍalinī-yoga.
Em Kundalini: The Evolutionary Energy in Man, Gopī Kṛṣṇa diz: O mecanismo conhecido como kundalini é a
causa real de todo fenômeno espiritual, a base biológica da evolução e o desenvolvimento
da personalidade, o segredo original de todas as doutrinas ocultas e
esotéricas, a chave mestra do mistério indecifrado da criação, a inexaurível
fonte da filosofia, arte e ciência e a origem de todas as religiões do passado,
presente e futuro.
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