Swami Satyananda Saraswati
Extratos do livro Kundalini Tantra, Yoga Publications Trust.
Todo mundo deve saber
algo a respeito da kuṇḍalinī, uma vez
que ela representa a vinda da consciência
da humanidade. Kuṇḍalinī é o nome
de uma força em potencial adormecida no organismo humano e que está situada na
raiz da coluna espinhal. No corpo masculino ela está no períneo, entre o órgão
urinário e excretor. No corpo feminino ela está localizada no colo do útero. O centro
é conhecido como mūlādhāra-cakra e é
realmente uma estrutura física. É uma pequena glândula que você pode até mesmo pressionar.
Contudo, a kuṇḍalinī é uma energia
latente, e mesmo que você a pressione, ela não explode como uma bomba.
Para despertar a kuṇḍalinī você deve se preparar através
das técnicas de Yoga. Você deve
praticar āsanas, prāṇāyāmas, kriyā-yoga e
meditação. Então, quando você for capaz de forçar seu prāṇa para dentro da morada da kuṇḍalinī,
a energia desperta para cima, percorrendo a suṣumṇā-nāḍī, o canal nervoso central, para o cérebro. Conforme a kuṇḍalinī ascende, ela passa através de
cada um dos cakras que estão
interconectados com as diferentes regiões silenciosas do cérebro. Com o
despertar da kuṇḍalinī, ocorre uma
explosão no cérebro e as áreas dormentes ou latentes começam a florescer. Portanto,
a kuṇḍalinī pode ser equacionada com
o despertar das áreas silenciosas do cérebro.
Embora seja dito que a kuṇḍalinī reside no mūlādhāra-cakra, estamos todos em diferentes estágios de evolução e
alguns de nós podemos ter atingido o swādhisṭhāna, o maṇipūra ou o anāhata-cakra. Se for desta maneira, seja lá qual for o sādhanā, você agora pode começar um
despertar no anāhata ou mesmo em outro cakra.
Contudo, o despertar da kuṇḍalinī no mūlādhāra-cakra é algo bem distinto do
despertar no sahasrāra-cakra, o centro mais elevado do cérebro. Uma vez que o lótus de mil
pétalas, o sahasrāra, floresce, uma nova consciência surge.
Nossa consciência atual não é independente, assim como a mente depende das informações
fornecidas pelos sentidos. Se você não tiver olhos, não poderá ver; se é surdo,
nunca vai ouvir. Contudo, quando a superconsciência emerge, a experiência
torna-se completamente independente e o conhecimento também se torna
completamente independente.
Como
a kuṇḍalinī foi descoberta
Desde o início da
criação, o homem testemunhou muitos acontecimentos transcendentais. Às vezes
ele era capaz de ler o pensamento dos outros; testemunhou algumas previsões
verdadeiras da vida de outras pessoas, ou pode até ter visto seus próprios
sonhos manifestando-se como realidades. Ele ponderou sobre o fato de que
algumas pessoas podiam escrever poemas inspirados ou compor lindas músicas,
enquanto outros não conseguiam; que uma pessoa podia lutar num campo de
batalhas por dias seguidos e outra pessoa não podia sequer levantar-se de sua
cama. Então, ele quis descobrir porque todos pareciam ser diferentes.
No curso de suas
investigações, o homem passou a entender que dentro de cada indivíduo existe
uma forma especial de energia. Ele viu que em algumas pessoas ela estava
adormecida e em outras ela estava evoluindo e, em uma minoria, ela estava completamente
desperta. Originalmente, o homem chamou esta energia de deuses, deusas, anjos
ou divindades. Em seguida, ele descobriu o prāṇa
e a chamou de prāṇa-śakti. No Tantra eles a chamam de kuṇḍalinī.
Os
vários nomes da kuṇḍalinī
Em sânscrito, kuṇḍalinī significa espiral, e assim a kuṇḍalinī
tem sido descrita como aquela que esta
enrolada. Esta é a crença tradicional, mas a kuṇḍalinī tem sido compreendida incorretamente. A palavra kuṇḍalinī atualmente vem da palavra kuṇḍa, significando um lugar mais profundo, poço
ou cavidade. O fogo usado na cerimônia
de iniciação é aceso em um buraco chamado kuṇḍa.
Da mesma forma, o local onde um corpo é queimado é chamado kuṇḍa. Se você cavar uma vala ou um buraco, isso se chama kuṇḍa. Kuṇḍa refere-se à cavidade côncava no qual o cérebro, semelhante a
uma serpente enrolada e dormindo se aconchega. (Se você tiver a oportunidade de
examinar uma disecção do cérebro humano, notará que ele é da forma de uma espiral
ou serpente enroscada sobre si mesma.) Este é o verdadeiro significado da kuṇḍalinī. A palavra kuṇḍalinī refere-se à śakti, ou o poder quando ela está em seu
estado potencial, adormecida, mas quando ela está se manifestando você pode chamá-la
devī, Kālī, Durgā, Saraswatī, Lakṣmī
ou qualquer outro nome, de acordo com a manifestação que ela está exibindo
diante de você.
Na tradição cristã, os
termos o caminho dos iniciados e estrada para o paraíso, usados na Bíblia,
referem-se a ascensão da kuṇḍalinī
através da suṣumṇā-nāḍī. A ascensão da kuṇḍalinī
e, finalmente, a descida da graça espiritual, são simbolizados pela cruz. É por
isso que os cristãos fazem o sinal da cruz na direção do ājñā, anāhata e viśuddhi-cakras, porque o ājñā é o centro onde a consciência ascendente
é transcendida e o anāhata é onde a graça descendente se manifesta para o mundo.
Seja lá o que aconteça na
vida espiritual, está relacionado ao despertar da kuṇḍalinī. E o objetivo de toda forma de vida espiritual, quer você
a chame de samādhi, nirvāna, mokṣa, comunhão, união, kaivalya,
liberação ou qualquer outro nome, é de fato o despertar da kuṇḍalinī.
Kuṇḍalinī,
Kālī & Durgā
Quando kuṇḍalinī desperta e você não está
preparado para lidar com sua manifestação ela e chamada Kālī. Quando você pode
manuseá-la e está apto para usá-la para efeitos benéficos e você torna-se
poderoso por conta disto, ela é chamada de Durgā.
Kālī é uma divindade
feminina, nua, preta ou da cor de fumaça, usando uma mālā de 108 crânios humanos, representando as memórias dos
diferentes nascimentos. A língua para fora de Kālī, de cor vermelha, significa
o guṇa rajas, cujo movimento circular dá impetuosidade a todas as
atividades criativas. Por este gesto, especificamente, ela está exortando os sādhakas a controlarem seu rajas. A espada do sacrifício e a cabeça
decepada em uma de suas mãos esquerdas são os símbolos da dissolução. Trevas e morte não são, de modo algum, a
mera ausência de luz e vida, ao contrário, são a sua origem. O sādhaka adora o poder cósmico na forma
feminina, pois ela representa o aspecto cinético, o masculino sendo o estático,
o qual é ativado somente através do poder dela.
Na mitologia hindu, o
despertar de Kālī foi descrito em muitos detalhes. Quando Kālī se ergue
vermelha de raiva, todos os deuses e demônios ficam aturdidos e todo mundo fica
em silêncio. Eles não sabem o que ela vai fazer. Eles pedem ao Senhor Śiva para
pacificá-la, mas Kālī joga-o ferozmente para abaixo e de pé sobre seu peito,
com sua boca aberta, sedenta por carne e osso, ruge de fúria. Quando os devas
realizam orações para pacificar Kālī, ela se torna calma e tranqüila.
Em seguida, há o
surgimento de Durgā, o mais elevado, mais refinado e benigno símbolo do
inconsciente. Durgā é uma deusa bela sentada sobre um tigre. Ela tem oito mãos
representando os oito elementos do homem. Durgā usa uma mālā de cabeça de homens para simbolizar sua sabedoria e seu poder.
Estas cabeças são geralmente cinqüenta e duas em número, representando as cinqüenta
e duas letras do alfabeto sânscrito, as manifestações exteriores de śabda-brahma ou Brahma na forma de som.
Durgā é a removedora de todas as más conseqüências da vida e é a doadora do
poder e paz que são liberados a partir do mūlādhāra-cakra. De acordo com a filosofia do Yoga, Kālī, a primeira manifestação do inconsciente, é um poder terrível;
ela domina completamente a alma individual, representada por sua posição sobre
o Senhor Śiva. Às vezes acontece que, pela instabilidade mental, algumas
pessoas entram em contato com seu corpo inconsciente e vêem elementos ferozes e
pouco auspiciosos – fantasmas, monstros etc., quando Kālī, o poder inconsciente
do homem, é desperto, ela eleva-se até encontrar a manifestação mais adiante,
sendo Durgā, o superconsciente, a outorgadora da gloria e perfeição.
A
representação simbólica da kuṇḍalinī
Nos textos tântricos, a kuṇḍalinī é concebida como poder ou
energia primordial. Nos termos da psicologia moderna ela pode ser chamada de
inconsciente no homem. Na mitologia hindu, a kuṇḍalinī é correspondente ao conceito de Kālī. Na filosofia do Śaivismo, o conceito de kuṇḍalinī é representado pelo śiva-liṅga, o pilar de pedra oval com
uma serpente enrolada nele.
No entanto, mais
comumente, a kuṇḍalinī é ilustrada
como uma serpente adormecida, enrolada três vezes e meia. Claro, não há uma
serpente residindo no mūlādhāra, sahasrāra ou qualquer outro cakra,
mas ela sempre foi um símbolo para a consciência eficiente. Em todos os antigos
cultos místicos do mundo você pode encontrar a serpente, e se tiver visto
qualquer pintura ou imagem do Senhor Śiva, notará serpentes em volta de sua
cintura, de seu pescoço e de seus braços. Kālī também está adornada com
serpentes e o Senhor Viṣṇu repousa eternamente em uma enorme serpente
enroscada. Este poder da serpente simboliza o inconsciente no homem.
Na Escandinávia, Europa,
América Latina e países do Oriente Médio, e em muitas diferentes civilizações
do mundo, o conceito do poder da serpente está representado em monumentos e em
antigos artefatos. Isto significa que a kuṇḍalinī
era conhecida por pessoas de todas as partes do mundo no passado. No entanto, podemos
conceber a kuṇḍalinī de qualquer
maneira, pois na verdade, o prāṇa não
tem forma ou dimensão, ele é infinito.
Nas descrições
tradicionais do despertar da kuṇḍalinī,
é dito que ela reside no mūlādhāra na forma de uma serpente enroscada, e quando a serpente desperta
e se desenrola, ela atira-se para cima através da suṣumṇā-nāḍī (a passagem psíquica no centro da medula espinhal), abrindo
os outros cakras conforme ela passa por
eles (veja Sir John Woodroffe, The
Serpente Power). Brahmacarī Swami Vyāsdev, em seu livro Science of the Soul, descreve o
despertar da kuṇḍalinī da seguinte
maneira:
Os sādhakas têm visto a suṣumṇā sob a forma de uma haste
ou coluna luminosa, uma serpente amarelo ouro, ou às vezes como uma serpente
preta brilhante por volta de dez centímetros de comprimento com olhos da cor de
sangue como carvão em brasas, a parte da frente da língua vibrando e brilhando
como um relâmpago, subindo pela coluna vertebral.
O significado das três
voltas e meia da serpente é como se segue: as três voltas representam os matras do oṃ, os quais se referem ao passado, presente e futuro; os três guṇas: tamas, rajas e sattva; os três estados de consciência:
vigília, sono e sonho; e aos três tipos de experiência: experiência subjetiva,
experiência sensual e ausência de experiência. A meia volta representa o estado
de transcendência, onde não se está nem desperto, nem dormindo e nem sonhando. Assim,
as três voltas e meia significam a experiência total do universo e a experiência
de transcendência.
Quem
pode despertar a kuṇḍalinī?
Existem muitas pessoas
que têm despertado a kuṇḍalinī. Não
só os santos e sadhus, mas poetas,
pintores, guerreiros, escritores etc. Qualquer pessoa pode despertar a kuṇḍalinī. Com o despertar da kuṇḍalinī, não apenas as visões de Deus ocorrem,
há o surgimento de uma inteligência criativa e o despertar de faculdades
supramentais. Ao despertar a kuṇḍalinī,
você pode tornar-se qualquer coisa na vida.
A energia da kuṇḍalinī é única, mas se expressa de maneiras diferentes através dos centros
psíquicos ou cakras – primeiro em formas
brutas instintivas e, em seguida, em formas progressivamente mais sutis. O refinamento da expressão desta energia em níveis
mais elevados de vibração representa a ascensão da consciência humana para suas
possibilidades mais elevadas.
A kuṇḍalinī é a energia criativa; ela é a energia da auto-expressão. Assim
como na procriação uma nova vida é criada, da mesma forma, alguém como Einstein
usa esta mesma energia em uma diferente, porém sutil, esfera para criar uma teoria
como a da relatividade. Ela é a mesma energia que se manifesta quando alguém compõe
ou toca uma música bonita. Ela é a mesma energia que se expressa em todas as
partes da vida, seja construindo um negócio, cumprindo os deveres da família ou
alcançando qualquer objetivo que se aspire. Estas são todas expressões da mesma
energia criativa.
Todo mundo, quer seja um chefe de família ou um saṃnyāsin,
deve lembrar-se que o despertar da kuṇḍalinī é a finalidade primordial da
encarnação humana. Todos os prazeres da
vida sensual que estamos desfrutando agora apenas se destinam a reforçar o
despertar da kuṇḍalinī em meio às
circunstancias adversas da vida.
Um
processo de metarmofose
Com o despertar da kuṇḍalinī, uma transformação toma lugar
na vida. Isso tem pouco a ver com uma vida moral, religiosa ou ética. Tem mais a ver com a qualidade das nossas
experiências e percepções. Quando a kuṇḍalinī
desperta, a mente muda e suas prioridades e apegos também mudam. Todos os
seus karmas passam por um processe de
integração. Isso é muito simples de compreender. Quando você era uma criança
amava brinquedos, mas por que agora não os ama? Porque sua mente mudou e, conseqüentemente,
seus apegos também mudaram. Assim, com o despertar da kuṇḍalinī uma
metamorfose ocorre. Existe ainda a possibilidade de reestruturação de todo o
corpo físico.
Quando a kuṇḍalinī desperta, o corpo físico
realmente passa por muitas mudanças. Geralmente elas são positivas, mas se seu
guru não for prudente, elas podem ser negativas também. Quando a śakti acorda, as células no corpo são completamente
carregadas e um processo de rejuvenescimento também se inicia. As alterações de
voz, o cheiro do corpo e as secreções hormonais também mudam. De fato, a
transformação das células no corpo e no cérebro ocorrem em uma taxa muito maior
do que o normal. Estas são apenas algumas observações. No entanto, os
cientistas ainda estão dando seus primeiros passos neste campo.
Por
que despertar a kuṇḍalinī?
Se você deseja praticar kuṇḍalinī-yoga, o mais importante é que
tenha uma razão, um objetivo. Se você quer despertar a kuṇḍalinī pelos poderes psíquicos, então, por favor, vá em frente
com seu próprio destino. Mas se você quer despertar a kuṇḍalinī a fim de desfrutar a comunhão entre Śiva e Śakti, a atual
comunhão entre as duas maiores forças em você, se quer entrar em samādhi e experenciar o absoluto no
cosmos, se quer compreender a verdade por trás das aparências, se o propósito
de sua peregrinação é muito grande, então não há nada que possa se transformar
em um obstáculo a sua jornada.
Por meio do despertar da kuṇḍalinī, você está contrabalançando
com as leis da natureza e acelerando o ritmo de sua evolução física, mental e
espiritual. Uma vez que a grande Śakti desperta, o homem não é mais um corpo
físico grosso operando com uma mente fraca e um prāṇa de baixa voltagem. Em vez disso, cada célula de seu corpo é
carregada com o prāṇa de alta
voltagem da kuṇḍalinī. E quando o
total despertar ocorre, o homem torna-se o mais novo deus, uma encarnação da
divindade.
Tradução
livre de Fernando Liguori
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