Swami Satyananda
Saraswati
Texto
extraído do livro A Systematic Course in the Ancient Tantric Techniques of Yoga
and Kriya, p. 569-573. Yoga Publications Trust, 2004.
NÃO cometa o erro de
pensar que os cakras são despertos
apenas por algumas formas de Yoga.
Todos os caminhos do Yoga, de uma
maneira ou de outra, levam ao florescimento e despertar dos cakras, alguns mais diretamente, outros
não. Os métodos mais diretos são o kuṇḍalinī,
kriyā e laya-yoga. No karma, bhakti, jñāna-yoga etc. este despertar ocorre de forma mais indireta, pois
como podemos averiguar, nenhuma menção é feita aos cakras nestes sistemas. Mas isso não significa que através deles os
cakras não são abertos como
conseqüência dos altos níveis de consciência. Os cakras são despertos de forma tão suave que quase não sentimos o
trabalho sobre eles. Nos métodos mais diretos, os cakras são trabalhados na intenção de produzir estados de
consciência correspondentes a sua manifestação dinâmica. Pelo caminho indireto,
os cakras são despertos como
conseqüência, um subproduto de estados mais elevados de consciência. Podemos
dizer que um método vai pela porta da
frente, o outro pela porta dos fundos, mas ambos levam a mesma câmara
secreta.
Os granthis
A palavra sânscrita granthi significa nó. No contexto dos cakras,
a palavra granthi é traduzida como nó psíquico. Eles são três em número,
conhecidos como brahmā, viṣṇu e rudra-granthis. Representam níveis de consciência (nos domínios dos
cakras) onde o poder de ilusão (māyā), ignorância (avidyā) e apego (rāga) as
coisas materiais são mais fortes.
Eles possuem muitos
significados. A seguir daremos uma breve explanação de suas implicações.
1.
Brahmā-granthi. Este nó psíquico atua na região do mūlādhāra-cakra. Implica em apego aos
prazeres físicos e egoísmo exacerbado. Está conectado ao poder sedutor de tamas, i.e. negatividade, letargia e
ignorância.
2.
Viṣṇu-granthi. Este nó psíquico opera na região do anāhata-cakra. Está associado ao apego
as coisas e pessoas em um nível emocional. Também se relaciona ao apego a
visões psíquicas internas e ao poder ativo de rajas, i.e. paixão intensa.
3.
Rudra-granthi. Este nó psíquico atua na região do ājñā-cakra. Está associado ao apego aos
poderes psíquicos como a telepatia, clarividência e outros fenômenos mentais.
Este nó implica em apego a individualidade. O praticante precisa deixar para
trás o sentido de egoidade para ascender no caminho espiritual, da mesma
maneira que uma borboleta deixa o casulo para poder voar. É necessário vencer o
sentido de dualidade na região de rudra-granthi
para que ascensão espiritual efetivamente ocorra.
Estes nós psíquicos são
obstáculos ou bloqueios no caminho até o sahasrāra-cakra.
Eles devem ser progressivamente perfurados ou transcendidos a fim de que o
poder da kuṇḍalinī ascenda através
dos cakras.
Kuṇḍalinī definida
O despertar progressivo
de cada cakra é conhecido como a
ascensão da kuṇḍalinī (às vezes
chamada de kuṇḍali), cujo símbolo é
uma cobra ou serpente. A palavra kuṇḍalinī
é derivada de dois termos sânscritos:
·
Kuṇḍala, que significa encolhida, espiralada ou enrolada, o que indica que o poder da kuṇḍalinī é simbolizado por uma serpente
encolhida residindo no mūlādhāra-cakra.
·
Kuṇḍa, que significa buraco
profundo, fossa, abismo ou depressão, o que indica que a kuṇḍalinī
reside em um local profundo, o mūlādhāra-cakra.
Em português, a kuṇḍalinī pode ser chamada de poder ou energia primordial, mas muitos no Ocidente preferem chamá-la de serpente de poder ou serpente de fogo.
Na maioria das pessoas, a
kuṇḍalinī jaz adormecida no mūlādhāra-cakra. Neste nível de
consciência, o indivíduo está desperto para o mundo, mas dormindo para si
mesmo. Existe pouca realização e expressão de seu potencial mental. Quando a kuṇḍalinī começa a despertar e ascender
através dos cakras, então o homem se
torna cada vez mais consciente. Eventualmente, quando a kuṇḍalinī está completamente desperta, então o homem também está
completamente consciente, vivendo em um estado de super-consciência. Ele está,
em um sentido, dormindo para o mundo e em um estado de yoga-nidrā (sono psíquico).
Portanto, a kuṇḍalinī simboliza o despertar do
potencial contido na mente, a realização máxima do potencial contido em cada
ser humano.
Suṣumṇā definida
A suṣumṇā é uma passagem psíquica (nāḍī) que conecta todos os cakras
principais. Quer dizer, considera-se que a suṣumṇā
conecta todos os diferentes níveis de consciência. É um canal psíquico através
do qual a kuṇḍalinī ascende em seu
caminho do mūlādhāra ao sahasrāra.
A etimologia da palavra suṣumṇā não é certa. Os dicionários mais
sérios de sânscrito definem o termo como algo
gracioso e gentil, um dos sete principais raios do sol que ilumina e leva calor
a lua. Essa definição abre um leque para inúmeras interpretações, mas é
significante que o número sete apareça (os seis cakras mais o sahasrāra).
O sol pode representar o sahasrāra,
que provê luz (consciência) ao homem (a lua). Mas o sol também pode representar
o maṇipūra-cakra (ou a região
conhecida como agni-maṇḍala) que
ilumina e envia calor (o bindu
transmutado) a região da lua (bindu-visarga).
Também, suṣumṇā é tida como graciosa
porque facilita a ascensão da kuṇḍalinī
resultando em bem-aventurança e conhecimento divino.
Na Śandiliya-upaniṣad a suṣumṇā
é chamada de caminho real (rājapath). A palavra tarot deriva-se de duas palavras
egípcias: tar que significa caminho e rot que significa real.
Portanto, ao que parece, o significado da palavra tarot é o caminho real e
é o propósito das cartas do tarot nos
conduzir a este caminho. Este caminho é suṣumṇā,
a estrada do conhecimento e bem-aventurança.
A suṣumṇā é muito mais sutil que o veículo físico. Contudo, para
atender aos propósitos da prática yogī,
considera-se que ela esteja localizada no centro da espinha dorsal, do topo a
parte mais inferior. As escrituras tântricas enfatizam isso muito bem. O Sammohana-tantra (VI: 5-6) diz: A suṣumṇā se estende do mūlādhāra-cakra a
morada de Brahman [sahasrāra]. Ela localiza-se dentro da espinha e é o
verdadeiro meio para todo conhecimento.
A suṣumṇā é o canal central entre iḍā
e piṅgalā-nāḍīs. Essas nāḍīs
possuem muitas implicações e representam os aspectos internos e externos da
existência. Suṣumṇā é o equilíbrio
entre elas. Quer dizer, a kuṇḍalinī
ascende quando existe uma harmonia perfeita entre os mundos interno e externo.
A suṣumṇā é considerada um tubo oco que encerra mais três tubos
concêntricos. Cada um é progressivamente mais sutil que o anterior e contém em
si os tubos anteriores. Eles representam os três aspectos da Natureza (guṇas): tamas, rajas e sattva e a consciência.
Os tubos ou nāḍīs são como seguem:
1.
Suṣumṇā – tamas
2.
Vajrā ou vajrinī – rajas
3.
Citrinī – sattva
4.
Brahma – consciência
Resumidamente, tamas indica ignorância, preguiça,
indolência e negatividade; rajas
indica paixão e atividade; sattva
representa pureza, harmonia, equilíbrio e conhecimento. Estes três aspectos se
interagem através da natureza, nas plantas, nos minerais, nos animais e no
homem. No indivíduo, um destes aspectos é predominante por certo período de
tempo. Para elevar o nível de consciência tamas
tem de ser transubstanciado na subida da kuṇḍalinī
através do canal central mais sutil, brahma-nāḍī.
A abertura da suṣumṇā no mūlādhāra-cakra encontra-se fechada. Essa abertura chama-se brahma-dwara – o portal de Brahman. Este
é o primeiro portal a ser aberto a fim de que a kuṇḍalinī possa subir através da suṣumṇā.
Kuṇḍalinī na mitologia
A mitologia de muitas
culturas por toda parte do globo é repleta de histórias que envolvem serpentes.
Muitas delas se referem diretamente a kuṇḍalinī.
Aqui nós iremos expor apenas alguns exemplos, pois não desejamos nos perder nos
meandros dos contos mitológicos.
Os antigos egípcios
simbolizavam a kuṇḍalinī como uma
serpente subindo através da espinha (suṣumṇā).
Os místicos egípcios utilizavam um adorno de cabeça com uma serpente (uraeus) fixa no ponto entre as
sobrancelhas. Este centro é conhecido como bhrūmadhya no Yoga e está conectado com o ājñā-cakra
no topo da espinha. Portanto, a serpente uraeus simboliza a ascensão da kuṇḍalinī. Um adorno de cabeça similar
ao dos egípcios é utilizado em vários outros grupos espirituais do planeta,
incluindo os índios americanos.
Muitos profetas do Velho
Testamento como Moisés eram retratados carregando sempre um cajado na forma de
serpente que representava a kuṇḍalinī
e a suṣumṇā.
A maioria das pessoas no
Ocidente conhece a história de Adão e Eva no Jardim do Éden e como Eva foi
tentada pela serpente. A serpente é a kuṇḍalinī,
que representa a consciência. De acordo com o Gênese (3:1) a serpente era mais
sutil do que qualquer besta, quer dizer, era a consciência. Originalmente, Adão
e Eva viviam em elevados estados transcendentais, o céu na terra, o Jardim do
Éden. Mas por seu interesse por assuntos mundanos eles comeram o fruto da
árvore do conhecimento do bem e do mal. Por conta disso, desceram ao nível do mūlādhāra-cakra. Foi o seu ímpeto pelas
coisas do mundo que fez com que eles caíssem. Conseqüentemente, a árvore da
vida no Jardim do Éden representa suṣumṇā.
O simbolismo da kuṇḍalinī se perde nas brumas do tempo.
Algumas pessoas acreditam que o livro mais antigo do mundo é o Bopal Vuh, escrito há milhares de anos
pelos Maias da antiga América Central. O livro contém a imagem da deidade
chamada Quetzalcoatl, que possui um sol esplendoroso multi-raiado pintado na
coroa de sua cabeça. Nessa imagem também pode-se ver uma magnífica serpente.
Esse sol e a serpente representam o sahasrāra-cakra
e a kuṇḍalinī.
A serpente foi adorada
por quase todas as sociedades místicas do passado, incluindo os Druidas, os
Mistérios Órficos etc. Os ancestrais acreditavam que a serpente era um símbolo
de sabedoria e salvação. Até Cristo estimulava seus discípulos a serem sábios
como uma serpente. Todos estes símbolos e seus atributos estão diretamente
conectados com a kuṇḍalinī.
A serpente também era
associada com energia e poder. Por si mesma, a serpente não sugere essas
qualidades, mas aquilo que ela simboliza, a kuṇḍalinī,
sim.
Mas a serpente também foi
associada ao mal. Essa identificação parece contraria a sabedoria, mas isso é
fácil de se explicar. A descida da kuṇḍalinī
ao mūlādhāra implica em níveis baixos
de consciência, geralmente limitados e desarmônicos, o que sugere a decadência
e a malignosidade. A subida da kuṇḍalinī
significa conhecimento, sabedoria. Assim, as características atribuídas a kuṇḍalinī (serpente) dependem do ponto
de vista: do mūlādhāra para cima ou
do ājñā para baixo. É sua descida que
é associada com o mal.
Existem mitos que contam
a descida de serpentes a terra durante a criação do mundo, que simboliza a
manifestação de todas as coisas de nome e forma, incluindo o homem, através da
descida da kuṇḍalinī através dos
diferentes níveis de consciência representados pelos cakras. No homem a kuṇḍalinī
reside no mūlādhāra; em outros seres
e objetos, a descida se dá em níveis mais baixos.
As implicações da kuṇḍalinī
É muito fácil se apegar a
descrições vagas e superlativas sobre a kuṇḍalinī.
Ela é inefável, portanto, vamos nos ater a uma descrição simples e de fácil
entendimento.
No Tantra e no Yoga,
considera-se que a kuṇḍalinī seja
feminina, recebendo o nome de Śakti.
Ela é nossa conexão com a consciência mais elevada e bem-aventurança. Ela é a
reveladora de todos os mantras e o
meio pelo qual a bem-aventurança goteja da fonte eterna, o sahasrāra-cakra, nos seres humanos.
A kuṇḍalinī é a criadora, a sustentadora e a destruidora de todos os
seres, incluindo o homem. Ela cria quando desce pelos diferentes cakras ou níveis de consciência (śriṣti-krama: o processo de criação);
sustenta fazendo do mūlādhāra-cakra
sua morada; e dissolve ascendendo através dos cakras (laya-krama: o
processo de absorção).
Quando a kuṇḍalinī desce aos cakras inferiores, torna-se a causa da ilusão, limitação e falta de
conhecimento: māyā. Ela é conhecida
como jagan-mohinī, o mundo
desorientado, fazendo com que o homem se torne preso, seduzido, enganado e
iludido pelas coisas externas do mundo de nome e forma. Na medida em que desce,
a kuṇḍalinī se torna progressivamente
mais grosseira, perdendo seu poder e sutilidade.
Nos animais, insetos,
plantas e todos os assim chamados objetos inertes, a kuṇḍalinī reside e sustenta nos níveis abaixo do mūlādhāra-cakra. De fato, as escrituras
tântricas enumeram mais sete cakras
que existem abaixo do mūlādhāra-cakra:
atāla, vitāla, sutāla, talatāla, rasatāla, mahātāla e o
menor é patāla.
Nestes níveis existe a
falta total de auto-consciência que distingue o homem de seres inferiores na
cadeia de evolução. A faculdade de auto-consciência não surge até que os seres
que se encontram nestes níveis atinjam o mūlādhāra-cakra.
Não discutiremos aqui estes cakras
inferiores e seus respectivos níveis de consciência porque eles não são importantes
no que concerne as aspirações humanas e práticas yogīs.
No homem a kuṇḍalinī normalmente habita e suporta o
mūlādhāra-cakra. É dito que neste
nível a kuṇḍalinī se encontra
sonhando. Este é o sonho do dia-a-dia no estado de vigília. Enquanto ela dorme
o homem mantém um forte sentido de individualidade e egoidade; ele está
desperto apenas para o mundo de nome e forma e completamente inconsciente do
potencial armazenado que representa sua herança espiritual. Neste nível, o
homem se encontra realmente adormecido; é um estado tamásico de ser. A situação
pode ser sumarizada como se segue: quando a kuṇḍalinī
se encontra adormecida no mūlādhāra-cakra,
então o homem está desperto nos níveis normais de existência; isso é um sono
profundo. Quando a kuṇḍalinī
desperta, o homem como indivíduo começa a acordar dessas vinte e quatro horas
de vigília sonolenta.
A subida da kuṇḍalinī através dos cakras representa a reversão da criação.
Ela se torna a causa do despertar, bem-aventurança e realização. A Śakti retorna a sua fonte no sahasrāra. Na medida em que a kuṇḍalinī progressivamente ascende
através dos cakras os véus de māyā são removidos. É māyā que encobre a consciência. Māyā torna-se espessa nos cakras inferiores, mas no sahasrāra ela não existe. Na medida em
que a kuṇḍalinī desperta, as
barreiras da individualidade começam a ser destruídas e se evaporam como uma
miragem. Nossa auto-identificação se expande ao ponto de incluir toda criação.
Eventualmente a kuṇḍalinī se integra com mahā-kuṇḍalinī (a grande kuṇḍalinī ou kuṇḍalinī cósmica) – o sahasrāra.
Ela se integra com Śiva (consciência), com quem ela é idêntica. Em sua forma
sem forma ela é consciência; em sua forma com forma ela é Śakti, o poder da manifestação.
Os últimos parágrafos
podem ser sumarizados da seguinte maneira: a descida da kuṇḍalinī implica em separação, desidentificação e falta de
conhecimento. Sua subida implica em integração, identificação, bem-aventurança
e mais harmonia, uma visão mais ampla sobre o ser e sua relação com a vida e
com aqueles que o cercam. A kuṇḍalinī
como centro de consciência e poder, habita no mūlādhāra-cakra no homem. Ela habita no sahasrāra quando a individualidade e a mente são transcendidas. Ela
ocupa níveis de consciência ou cakras
intermediários de acordo com a consciência e sua identificação com o ego. É o
mesmo poder da kuṇḍalinī, mas visto
de diferentes níveis de consciência, entendimento e identificação.
A kuṇḍalinī tanto aprisiona quanto libera. Ela é tanto a causa da
queda quanto a causa da iluminação. No Hevajra-tantra,
uma importante escritura tântrica, é dito explicitamente: O buscador deve subir através daquilo que o faz cair. Quer dizer, a
kuṇḍalinī somente se mostra para
aqueles que a buscam. A estes ela dá a liberação; a outros ela é a causa da
escravidão.
A fim de quebrar o apego
ao entendimento lógico acerca da kuṇḍalinī,
nós agora iremos expor algo que parece contradizer tudo o que até o presente
foi dito, mas em verdade não é bem assim. A kuṇḍalinī,
em um sentido mais amplo, não faz do mūlādhāra
sua morada real ou faz morada em qualquer lugar. Ela sempre habita no sahasrāra-cakra. Ela não ascende através
dos cakras. Cada cakra está conectado ao sahasrāra
e cada um deles, por sua vez, pode experimentar o poder da kuṇḍalinī no sahasrāra.
Os cakras são interruptores que fazem
com que a kuṇḍalinī pareça estar
subindo, mas na verdade ela permanece no sahasrāra,
o reservatório. A kuṇḍalinī que é
dita permanecer no mūlādhāra em cada
ser humano é um reflexo daquela que sempre habitou o sahasrāra. Contemple este aparente paradoxo. Engaje-se no caminho
do jñāna-yoga neste momento. Se você
descobrir a resposta notará que não existe contradição: a kuṇḍalinī está tanto no mūlādhāra
quanto no sahasrāra. Mas por favor,
não tome nossas palavras como verdadeiras, descubra por si mesmo.
A kuṇḍalinī também é associada a energia sexual. De fato, no Tantra, sob específicas condições, a
energia é utilizada como um método de elevar a kuṇḍalinī e expandir os níveis de consciência. Isso pode ser feito
de duas maneiras: i. pelo intercurso sexual executado de maneira prescrita ou;
ii. pela total abstinência sexual. Em ambos os casos a energia sexual é
transmutada. O processo de transmutação é conhecido como ūrdhvareta, que dirige o poder e a energia sexual para cima a
fim de se induzir estados alterados de consciência.
Muitas
pessoas tentam identificar a energia sexual diretamente com a kuṇḍalinī, mas
isso é uma falha em compreender seu verdadeiro significado, pois ela é muito
mais do que a energia sexual. A energia sexual é apenas uma pequena parte ou
aspecto do total poder da kuṇḍalinī.
O despertar da kuṇḍalinī indica elevados níveis de
consciência. Na medida em que ela sobre através dos cakras, a mente se torna mais unidirecionada. As flutuações da
consciência diminuem. A mente se torna um oceano plácido e calmo ao invés de um
oceano tempestuoso e turbulento. A consciência começa a fluir suavemente como o
fluxo do óleo que escorre de um vasilhame. Nos tornamos mais conscientes
daquilo que continuamente prende nossa atenção. Todo o conteúdo mental começa a
fluir em uma única direção e se torna um veículo de bem-aventurança ao invés de
infelicidade. Este é o benefício de se abrir todos os cakras e despertar a kuṇḍalinī.
O propósito do Yoga é retrilhar o caminho de volta a
origem. Em outras palavras, o objetivo é ascender a kuṇḍalinī (Śakti) a fim
de que ela se una com seu esposo (Śiva) no sahasrāra.
Poeticamente, é dito que através da prática do Yoga, a kuṇḍalinī
desenvolve um desejo irresistível de união com seu esposo e por essa razão ela
desperta de seu sono no mūlādhāra-cakra.
O despertar transforma o dia-a-dia em bem-aventurança. O mundo permanece o
mesmo, mas mudamos nossa percepção, atitude, sentimento e consciência,
transformando cada minuto em uma experiência jubilosa.
Som e kuṇḍalinī
Várias sociedades
místicas da antiguidade concebiam que o mais elevado céu (sahasrāra) possuía o mesmo tom musical da terra (mūlādhāra), com diferença apenas na
freqüência. Desde que existem sete notas básicas na escala musical, elas estão
relacionadas diretamente com os cakras.
De acordo com o Tantra, tudo é uma manifestação de śabda, a sutil vibração sonora. Na
verdade, essa é outra maneira de definir a kuṇḍalinī.
Sons na forma de mantras também podem
ser utilizados para ascender a kuṇḍalinī.
Portanto, não é de se surpreender que o som cósmico auṃ simbolize a kuṇḍalinī.
Auṃ surge no reino do sahasrāra e desce através dos vários cakras ou níveis de consciência até que
se manifesta na matéria grosseira, a vida orgânica, o homem. Na Yoga-chudamani-upaniṣad (v. 73) é dito: Auṃ reside em todas as criaturas (i.e.
ele é a kuṇḍalinī). Geralmente, ele permanece em declínio
gozando do mundo material. No homem, auṃ
ou a kuṇḍalinī reside no mūlādhāra-cakra.
As letras do auṃ representam muitas coisas, mas
particularmente elas representam tamas,
rajas e sattva. Dessa maneira: A – sattva,
U – rajas e Ṃ – tamas. Tamas é predominante
nos cakras inferiores, rajas predomina nos cakras médios e sattva os
cakras superiores. Portanto, auṃ simboliza a progressiva ascensão da kuṇḍalinī através dos cakras. O símbolo do auṃ como um todo simboliza o sahasrāra. Mas ele não é apenas um
símbolo, pois pode ser utilizado com um mantra
para elevar a kuṇḍalinī quando
executado sob circunstâncias adequadas.
É muito significante que
a bem conhecida escritura do haṭha-yoga,
a Haṭhapradīpikā, exalte o nāda-yoga como um método poderoso de
ascensão da kuṇḍalinī. As seguintes
passagens são: Saudações à suṣumnā, à kuṇḍalinī, àquele que se origina de candra [bindu], à manonmanī [Brahman, o absoluto], à mahā-śakti
e ao cidātma, a fonte do
supremo poder e consciência.
Agora descreverei o nādopāsana como foi ensinado
por Gorakṣanātha, que pode ser
atingido até mesmo pelos iletrados que não são capazes de entender os tattvas. Śrī Ādinātha menciona 1,25 milhões de tipos de laya [métodos para ascender a kuṇḍalinī], mas o nādānusandhāna [a descoberta da fonte
do nāda] é dito ser o melhor de todos eles. O yogī, sentado em muktāsana, concentrado em śāmbhavī-mudrā, deverá ouvir
atentamente o nāda que soa em
seu ouvido direito. Fechando ouvidos, nariz, boca e olhos, então ouvirá
claramente o nāda se movendo na
suṣumnā purificada. (IV:
64-68) O brahma-granthi é perfurado e ānanda surge de śūnya.
Sons maravilhosos intocados são ouvidos no corpo. Quando o yogī experiência ārambha com coração pleno de śūnya, o corpo torna-se divinamente
radiante, com cheiro celestial e saudável. (IV: 70-71) No segundo estágio é
alcançado quando vāyu [i.e. o prāṇa] está no meio [i.e. entra na suṣumṇā]. O yogī sábio, firme
no āsana, é comparado com um deva. Quando o viṣṇu-granthi é perfurado, paramānanda se revelará. Então ocorre
excesso de śūnya que é ouvido
como o ressoar do timbale. (IV: 72-73)
Quando o rudra-granthi é
perfurado, o vento sobe para o lugar de Śiva.
Então no estágio de niṣpatti ouve-se
um tinido como o som de uma vina. (IV: 76) Isso descreve o processo de
ascensão da kuṇḍalinī. A prática do nāda-yoga é uma excelente técnica e se
você é inclinado a sua execução, nós sugerimos que a pratique com determinação.
A música é um meio
poderoso de provocar mudanças nos estados da mente. Sob certas condições, ela
influencia diretamente os cakras. Mas
isso depende da sensibilidade de cada um. É um fato comprovado que muitos
músicos atingem elevados estados de consciência através da música por sua
refinada sensibilidade. A música pode se tornar um método particularmente
poderoso para ascender a kuṇḍalinī
quando é combinada com bhakti-yoga.
Tradução livre de
Fernando Liguori.
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