Fernando Liguori
Tem havido muita especulação nos tempos recentes acerca daquilo que
popularmente ganhou notoriedade em alguns círculos, a «terapia tântrica». Para
a cultura do Tantra isso não existe! Para o Tantra não existe terapia tântrica
ou terapeuta tântrico. Tal prática nasceu no Séc. XX, aqui no Ocidente, dentro
de uma modalidade também ocidental conhecida como «neotantrismo». Isso precisa
ficar claro.
O Tantra, como cultura, tradição, não oferece workshops ou «cursos» de
formação de terapeutas. Aquele que afirma o contrário está enganando ou sendo
enganado! O Ocidente está inundado de escolas e subescolas neotântricas que vão
de práticas hedonistas a uma terapia de duvidoso resultado.
O Tantra como cultura, tradição, oferece um estilo de vida, uma prática
espiritual que abrange todos os aspectos da vida humana. Essa prática, alinhada
a kripā do Guru, expande a mente e libera um potencial de energia
conhecida como kuṇḍalinī. Podemos entender isso da seguinte maneira: a
mente que utilizamos no dia-a-dia para percepção e cognição ordinária atua
estritamente através dos sentidos. Se pudermos introverter estes sentidos unidirecionando
a mente ao interior, ela manifesta a si mesma como a experiência interna de seu
conteúdo expandido. Assim a matéria se separa da energia, liberando a Śakti
que se une com Śiva, a Consciência, criando uma consciência alerta homogenia.
A liberação deste potencial de energia é um processo de cura interior.
Dando ênfase nesse aspecto da prática, a terapia, o Tantra e a Āyurveda
compartilham um método terapêutico cuja ênfase está no despertar da kuṇḍalinī
e seu percurso através dos cakras. Isso nós chamamos de kuṇḍalinī-terapia.[1]
Para
alcançar saúde total, podemos tocar nesta energia através de āsanas, pāṇāyāmas, mudrās e bandhas que estimulam certas glândulas
endócrinas. Estas, por sua vez, liberam a energia dos cakras e reequilibram o sistema nervoso, afetando todos os órgãos
do corpo. Quando estimulamos o mūlādhāra-cakra, a energia sobe pela
medula espinhal e entra no complexo cérebro-mente. Mas este não é o despertar
da kuṇḍalinī, é apenas uma gota da
seiva da vida que doa energia ao corpo, removendo e prevenindo a doença. Ao
mesmo tempo o corpo está se preparando para receber o enorme influxo de energia
que irá subir pela coluna quando a kuṇḍalinī
despertar.
Kuṇḍalinī-terapia é uma forma de lidar com a vida,
ao invés de evitá-la. Ela lhe dará a força necessária para enfrentar todos os
problemas com serenidade. Mesmo que o objetivo final de consciência
transcendental ainda esteja longe, na medida em que seguir este caminho, irá se
tornar mais saudável e mais forte. A vida tomará um novo significado e você
terá mais energia a cada novo dia.
A relação entre as
glândulas endócrinas e os cakras
As
glândulas endócrinas fabricam certos compostos químicos chamados de hormônios
que regulam todas as funções do corpo. O corpo e a personalidade são
dependentes do bom funcionamento das glândulas endócrinas para a manutenção da
boa saúde. Por exemplo, uma secreção excedente de tiroxina nos faz irritados,
tensos, muito emocionados e anciosos. Pensamentos se intensificam e nosso
metabolismo se acelera. Esta é a imagem oposta de uma baixa taxa de secreção.
Para alcançar uma saúde perfeita, cada glândula deve trabalhar de forma
eficiente e em harmonia com as outras glândulas. Juntas, elas formam um eixo
controlado pela glândula mestre no cérebro, a pituitária.
As principais
glândulas endócrinas formam a base da kuṇḍalinī-terapia. Elas estão intimamente ligadas
com os cakras: gônadas (swādhisṭhāna), supra-renais (maṇipūra), timo (anāhata), tireóide (viśuddhi), pineal (ājñā) e hipófise (sahasrāra). O mūlādhāra-cakra não tem uma
glândula endócrina equivalente. No entanto, ele é associado ao corpo perineal,
uma glândula vestigial que perdeu a sua função no homem e deve ser reativada
para que ele possa despertar a kuṇḍalinī
adormecida. Isto se consegue através das práticas do Yoga.
Em
um nível mais sutil, as glândulas são canais que permitem que a energia prânica
entre no corpo através dos cakras. De
acordo com William A. Tiller, Ph.D. e Professor de Ciências de Materiais da
Universidade de Stanford, os pares sistema endócrino e cakras são transdutores que permitem que a energia entre no corpo.
Quando há equilíbrio entre os dois sistemas, a energia aproveitada é coerente e
sincronizada. No entanto, se os cakras
ou as glândulas estão ainda um pouco fora de equilíbrio, essa energia é
dissipada ao invés de utilizada totalmente, causando uma desfunção dos órgãos
do corpo, o que altera o sistema como um todo.
Os cakras podem ser visualizados como vibrantes
vórtices giratórios de energia, mas na maioria das pessoas, eles não estão
girando e nem estão alinhados. O objetivo da kuṇḍalinī-terapia é,
portanto, operar em dois níveis. No nível psíquico ela abre os cakras para que mais energia possa ser
transmitida através deles. No nível físico ela reequilibra as glândulas
endócrinas para que esta energia possa ser recebida e devidamente direcionada
para a promoção da saúde e vitalidade de todo o complexo corpo-mente.
Com
o despertar da kuṇḍalinī, novos
hormônios são liberados pela hipófise e o equilíbrio dos cakras e glândulas endócrinas se aproxima da perfeição. Assim,
todas as funções do corpo são ordenadas e resultados é a saúde integral.
O sistema nervoso
central
O
cérebro, que controla todo o sistema nervoso, é o correlato físico do sahasrāra, o cakra mais elevado. Ele é o controlador de
todos os outros centros do complexo corpo-mente. Para alcançar a saúde integral
é importante que todos os circuitos do cérebro sejam integrados, ordenados e
harmonizados. Dentro do cérebro estão todas as potências e faculdades da
consciência mais elevada esperando para serem ligadas no momento certo.
O
cérebro é como uma flor e a medula espinhal seu talo. Quando a energia ascende por
dentro da medula espinhal desde o mūlādhāra, levanta-se como
uma faísca, atravessando os vários cakras.
Eventualmente, ela chega ao cérebro e lá abre muitos centros adormecidos,
ampliando a nossa consciência. A finalidade da kuṇḍalinī-terapia é
trazer as faculdades inconscientes do cérebro inferior para consciência, assim
como o lótus desdobra suas pétalas. Isto irá aumentar o seu potencial para a
vida e lhe dará controle sobre as funções corporais e as circunstâncias do dia-a-dia.
O
sistema nervoso central é o controlador mestre do corpo, em uma fração de
segundos ele responde as reações e necessidades internas e externas do organismo.
O sistema endócrino é muito mais lento, sendo destinado a regular o metabolismo
do corpo e outras funções durante um período de minutos e dias. Os sistemas
endócrino e nervoso estão ligados e ambos se conectam aos cakras para um controle mais completo de todo o sistema. Um aumento
de prāṇa no corpo ajuda a
reequilibrar a interação neuro-endócrina que, por sua vez, estimula os órgãos
do corpo a funcionar mais eficientemente. Este é um processo delicado e exige o
toque do mestre.
Tenha
em mente que a kuṇḍalinī não é apenas
energia no sistema nervoso; ela é a soma total da energia cósmica. Esta energia
é transmitida através do sistema nervoso. Assim você pode imaginar o quão forte
precisa estar para lidar com essa força. O despertar da kuṇḍalinī é como estar sentado em cima da explosão de uma bomba
atômica.
O terceiro olho
O ājñā-cakra está situado no
centro da sobrancelha. Seu correlato físico é a glândula pineal. Quando este cakra começa a funcionar, através de
práticas como mūla-bandha, śāmbhavī-mudrā, meditação e assim por diante, visões internas
acontecem. Esta é a abertura do terceiro olho, o olho da intuição.
Eventualmente, quando o ājñā é aberto completamente,
você recebe visões do cakra em si
mesmo como um círculo com o símbolo auṃ
no centro e duas pétalas de cor fumaça-acinzentada de cada lado. Para que as
duas pétalas apareçam, os dois lados do cérebro devem estar funcionando e
cooperando um com o outro em um relacionamento ideal. O símbolo aparece quando
o cérebro e a mente estão integrados, bem como o sistema nervoso e as funções
corporais estão equilibrados.
Dentro
de cada lado do cérebro existe uma cavidade preenchida por um líquido. Essa
cavidade é chamada de ventrículo. Quando o cérebro é visto de frente, esses
ventrículos se parecem com as duas pétalas do ājñā-cakra. Seu fluido é de uma
cor esfumaçada. A glândula pineal está no centro da cabeça e é representada
pelo círculo central do cakra.
É assim
que o ājñā-cakra, o receptor da intuição e as instruções da mais elevada
consciência, se manifesta no nível físico. As duas pétalas são os ventrículos
contendo o líquido cefalorraquidiano e o auṃ
no centro é a glândula pineal. Quando abrimos o nosso terceiro olho através do kuṇḍalinī-yoga, começamos a perceber as coisas em um nível psíquico. Por
conta dos planos psíquico e físico estarem intimamente relacionados, a forma
mental é um reflexo da matéria física.
Através
das práticas do Yoga você pode
despertar o terceiro olho, afetando assim o correcto funcionamento e integração
do complexo hipófise-pineal no cérebro. Quando isso ocorre, todo o complexo
mente-corpo se torna mais saudável, pois você passa a controlar conscientemente
o sistema nervoso e secreções hormonais.
Viajando através do
décimo portal
Durante
a última fase do despertar da kuṇḍalinī,
o aspirante vai do ājñā ao sahasrāra, logo acima da
cabeça. Esta é a fase mais difícil do Yoga
e exige a orientação de um guru para que a jornada ocorra com sucesso através
do labirinto. O aspirante deve viajar a partir da glândula pineal através do
labirinto de quinze bilhões de neurônios para ter acesso ao sulco central, o
espaço entre os dois lados do cérebro. Em seguida, ele viaja através do fluido
no sulco e perfura o topo do crânio para atingir o sahasrāra. Algumas escolas
de Yoga afirmam que o crânio, na
verdade, se abre e quando isso ocorre, o yogī
pode deixar seu corpo a qualquer momento que desejar. Ele não é mais dependente
do corpo físico e órgãos dos sentidos para manter a consciência.
Técnicas
Todas
as técnicas do Yoga fazem parte da kuṇḍalinī-terapia, o caminho para uma saúde perfeita, desde o mais simples āsana. Algumas técnicas, no entanto, são
mais diretas do que outras.
Āsanas como padmāsana e siddhāsana criam circuitos magnéticos que se concentram mais
especificamente na coluna vertebral. Āsanas
e prāṇāyāmas removem obstruções ao
fluxo da consciência através das nāḍīs.
Bandhas como jālaṃdhara-bandha (trava da
garganta), uḍḍīyāna-bandha (trava do umbigo) e mūla-bandha (trava do períneo)
são métodos poderosos para estimular as glândulas endócrinas e os cakras. Eles liberam grandes quantidades
de energia.
Mudrās, gestos ou
símbolos arquetípicos com significados profundos, são métodos para controlar o
fluxo de energia. Através das mudrās
podemos controlar a quantidade de energia que entra no corpo e nos tornar mais conscientes
das energias internas como prāṇas e vāyus.
Āsanas, prāṇāyāmas, mudrās e bandhas foram
integrados em um sistema chamado kriyā-yoga. Este poderoso método aumenta e direciona
o fluxo prânico da consciência para os centros psíquicos do corpo e desperta-os
de seu estado dormente.
As
técnicas acima só devem ser praticadas sob a orientação de um mestre ou
professor qualificado que está ciente dos perigos que esperam muitos incautos, na
grande maioria das vezes impacientes ou não qualificados. O mestre sabe que
órgãos devem receber mais influxo de prāṇa
a fim de equilibrar a personalidade como um todo. Em seguida, as faculdades psíquicas,
espirituais e ocultas começam a se manifestar espontaneamente e melhorar nossas
vidas.
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