Por Fernando Liguori
Para praticar Yoga em concordância com sua natureza,
você deve ser capaz de determinar quem verdadeiramente é. No presente capítulo* vamos examinar os tipos constitutivos segundo o Yoga e a Āyurveda para
que você consiga fazer isso.
Existem dois níveis de
tipologia yogī. O primeiro e mais
importante a partir de uma perspectiva espiritual é o nível dos três guṇas (sattva, rajas e tamas). O segundo e mais importante nos
termos da saúde, é o nível dos três doṣas
(vāta, pitta e kapha). Os guṇas apresentam um modelo mental-espiritual
que nos auxilia a compreender nossas capacidades volitivas superiores e sua
aplicação nas práticas yogīs mais
avançadas. Os doṣas refletem o modelo
psicofísico que nos ajuda a equilibrar as condições do complexo corpo-mente.
Ambos os modelos são essenciais para uma estimativa apropriada de nossa real
natureza e capacidades. Ambos provêm os fundamentos para prática yogī que reflete tanto a dinâmica
particular da tipologia mente-corpo quanto o nível de desenvolvimento
espiritual de cada praticante.
Tipos mentais de acordo com os guṇas
O Yoga e a Āyurveda definem
a psicologia humana de acordo com três grandes qualidades da Natureza
Primordial (prakṛti): os guṇas sattva (equilíbrio), rajas
(agressão) e tamas (inércia). A
natureza individual da mente é sattvíca, quer dizer, possui claridade, paz e
harmonia. Contudo, sob a influência que vem do exterior através dos sentidos, a
mente torna-se perturbada (rajas),
perdendo seu foco interior, o que leva a uma busca frívola pela felicidade
através dos sentidos. Essa perturbação muitas vezes resulta em uma longa
inércia ou resistência (tamas), que é
o apego ao mundo exterior dos sentidos e a cegueira para o mundo interior da
consciência.
Nossa condição mental
ordinária é a combinação de nossos estados de clareza (sattva), agitação (rajas)
e embotamento (tamas). O Yoga se preocupa em trazer a claridade
original (sattva) da mente para que
ela possa ser o veículo da consciência pura. É por isso que o Yoga Clássico
enfatiza o desenvolvimento de sattva.
Para desenvolver a consciência interior é necessário aumentar o caudal de sattva no organismo.
No processo da doença,
podemos ver o estado de tamas como a
condição negativa da doença que queremos corrigir – o estado de inércia ou
atitude incorreta que cria e sustenta os problemas na saúde. Rajas é a atividade necessária para se
corrigir o problema – as várias terapias e mudanças que precisamos empregar
para interromper o padrão da doença. Sattva
é o novo estado de harmonia que procuramos criar que está livre de doenças – o
estado de equilíbrio ou liberdade da doença.
Tipos mentais do Yoga & Āyurveda
·
Tipos sattvícos são pessoas pacíficas,
calmas e de mente centrada. Possuem bons pensamentos e boas intenções.
Espontaneamente executam boas ações. Têm consideração, são compassivas e
abnegadas, colocando as necessidades dos outros acima delas mesmas.
Emocionalmente, possuem muito amor, fé, devoção e contentamento.
·
Tipos rajásicos são pessoas de mente
ativa e agitada, saltando de uma coisa para outra enquanto perseguem seus
desejos. Eles têm muito entusiasmo, ambição e asserção, mas pouca paz ou calma.
Pro-
movem seus próprios interesses, protegem aqueles que os
servem e são hostis em relação aqueles que se opõem as suas idéias.
Emocionalmente, são coléricos e não gostam de ser obstruídos naquilo que fazem.
·
Tipos tamásicos sofrem de embotamento
mental, inércia e letargia. Têm pouca motivação em conquistar objetivos
materiais ou espirituais. Emocionalmente, possuem muitos bloqueios que os incapacitam
de se expressar harmoniosamente, o que os leva a violência e ilusão. Suas vidas
geralmente parecem estagnadas, pois eles têm com pouca habilidade em se
transformar ou improvisar.
Contudo, nós temos que
notar que a qualidade de rajas tem um
potencial duplo. Ele pode se movimentar para cima em direção a sattva ou para baixo em direção a tamas. Atividade nos possibilita
alcançar um elevado estado de harmonia e bem-estar ou pode criar uma condição
negativa de inércia e dissipação. O manejo
de rajas é, portanto, a chave mestra para se operar com os guṇas. Isso
ficará mais claro no próximo capítulo.
Āsana e os três guṇas
De acordo com a Haṭhapradīpikā, a principal função da
prática de āsanas é reduzir a qualidade de rajas. Isso
significa reduzir calor, agitação e agressão, o que produz calma, paz e harmonia no corpo e na mente.
Isso se faz movendo-se da atividade física tensa e ansiosa ao estado de
relaxamento e descanso, onde nos tornamos capazes de sentar e meditar.
Contudo, utilizar āsanas para se mover de rajas para sattva, implica que a pessoa execute posturas que já reduziram a
qualidade de tamas em seu organismo,
quer dizer, que elas eliminaram a inércia e o embotamento do corpo e mente. Mas
este não é o caso da maioria das pessoas hoje em dia. Muitos de nós sofrem de tamas devido a um estilo de vida
sedentário, uma dieta pesada e outros fatores. A energia de tamas está por trás da maioria dos casos
de obesidade, depressão e baixa taxa de energia que acometem as pessoas de
hoje.
Se uma pessoa tem tamas em excesso no organismo, primeiro
ela deve orientar uma prática para reduzir este excesso. Isso requer o aumento
de rajas através de fortes exercícios
físicos, o que inclui não somente a prática de āsanas ativos, mas caminhadas, corridas e serviço voluntário
abnegado (seva ou karma-yoga). Por exemplo, se uma pessoa
tamásica não executar āsanas que
energizam seus movimentos, quando tentar meditar irá acabar caindo no sono ou ceder
a sua própria inércia e embotamento.
Aqueles que possuem a
mente sattvíca ou limpa usualmente não necessitam da prática de āsanas. Pessoas assim facilmente assumem
posturas meditativas e geralmente têm o corpo flexível, livre de toxinas. Suas
mentes se encontram em paz. Suas energias mentais e prânicas se movem pelo
corpo como luz. Contudo, tais pessoas são raras, particularmente nesta era
rajásica onde estamos excessivamente ocupados e estimulados.
Contudo, pessoas que
trabalham demais com a cabeça e negligenciam o corpo podem desenvolver sattva na mente, mas permitindo que tamas continue no corpo. Geralmente,
nestas condições, o corpo permanece travado, com muita falta de flexibilidade,
particularmente no pescoço e nos ombros. Pessoas assim precisam de uma prática
forte e regular de āsanas para
diminuir a quantidade de tamas no corpo,
afim de que ele possa acompanhar o desenvolvimento de sattva na mente.
Aqueles que possuem a
mente rajásica, particularmente as pessoas heroicamente impelidas, precisam de āsanas para relaxarem a intensa
fabricação de energia e a agressividade da mente. Pessoas assim precisam
controlar o prāṇa turbulento
desenvolvendo maestria sobre as posturas meditativas. Entretanto, tipos rajásicos
podem se envolver excessivamente na prática física, utilizando os āsanas como outra maneira de se produzir
tensão através de movimentos dinâmicos-estressantes (rajásicos). Devemos nos
lembrar sempre que a prática de āsanas
não tem nada a ver com conquistas
pessoais, mas ao contrario, revelar a verdadeira natureza do Ser, deixando
o ego de lado.
A construção do sādhanā em relação aos guṇas
Como cada um de nós
possui todos os três guṇas, o objetivo da primeira etapa do sādhanā é
diminuir tamas. Isso consiste de 1. executar alguma prática de purificação (ṣaṭ-karmāṇi) e; 2. ativar ou estimular
posturas para remover a fadiga, o embotamento e expelir as toxinas. É
necessário trazer toda atenção ao corpo físico para remover a inércia que se
acumulou nele. Por exemplo, na hora da manha, após o sono, tamas é essencialmente predominante, por isso acordamos sempre em
um estado tamásico. Āsanas, prāṇāyāmas e kriyās estimulantes são necessários na prática da manhã para conter
tamas em excesso no organismo.
O objetivo da segunda etapa do sādhanā é reduzir a agitação,
acalmando rajas. Para isso, pratica-se āsanas e prāṇāyāmas que acalmam e relaxam. Nesta etapa, o foco da
concentração sai do corpo e se estabelece na mente. É o que chamamos de āsana-pratyāhāra. A prática de āsana-pratyāhāra atua diretamente no manomaya-kośa, o que nos permite
conhecer o movimento, natureza, qualidade, intensidade, resistência, força e
fraqueza da mente. A experiência inicial é um profundo relaxamento
experimentado durante a execução das posturas e a tranqüilidade e paz de
espírito que se desenvolve lentamente com a prática. Os āsanas começam a trabalhar todas as tensões armazenadas no corpo e
na consciência, liberando-as gradativamente. Com o progresso na prática ocorre
o desvelar dos condicionamentos de nossa mente e a partir daí nos tornamos mais
conscientes dos padrões condicionados que regem nossa vida, podendo
trabalhá-los de forma progressiva e terapêutica. Este autoconhecimento permite
que nós possamos sair do modo de reação e começar a trabalhar a consciência em
outros níveis para despertar as potencialidades internas de nosso Ser. A
execução de prāṇāyāma (que em si é
uma forma de pratyāhāra) é importante
nesta etapa, junto com mantras e
práticas como yoga-nidrā e antar-mouna.
A terceira etapa do sādhanā envolve o aumento de sattva, o que ocorre através de uma meditação calma e focada na
qual o corpo é completamente esquecidos e o prāṇa
é restaurado e harmonizado em todas as suas funções. Este é um alto nível da
prática de Yoga que ocorre na mais
pura condição de sattva em que o
praticante entra em contato com seu Ser mais elevado.
A constituição mental de acordo com os três guṇas
A Āyurveda e o Yoga
utilizam os três guṇas para
determinar nossa natureza mental ou espiritual. Isso ficará mais claro no
próximo capítulo. Geralmente, um guṇa
predomina em nós. Nós somos, fundamentalmente, tamásicos, rajásicos ou
sattvícos. Contudo, ao passo que definimos indivíduos de um tipo constitutivo
ou outro, devemos nos lembrar que todos nós possuímos aspectos de cada um dos guṇas. Nós temos nossos períodos de paz
(sattva), nossas perturbantes
flutuações (rajas), nossa inércia,
embotamento e cegueira (tamas). A chave é aumentar nossas qualidades
sattvícas e reduzir rajas e tamas. Precisamos evoluir de tamas (potencial latente) para rajas (desenvolvimento ativo) e para sattva (maestria completa).
Conduta física
|
|
Corpo sattvíco
|
Limpo,
flexível, desapegado, exercício corporal suave.
|
Corpo rajásico
|
Enfeitado,
ostentação, auto-indulgência, exercício corporal forte.
|
Corpo tamásico
|
Sujo,
falta de cuidado com aparência, preguiçoso, falta de exercício.
|
Estado emocional
|
|
Emoções sattvícas
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Amor,
fé, devoção, compaixão, lealdade.
|
Emoções rajásicas
|
Ambição,
asserção, raiva, paixão, orgulho.
|
Emoções tamásicas
|
Ódio,
paranóia, violência, megalomania.
|
Estado mental
|
|
Mente sattvíca
|
Em
paz, verdadeira, receptiva, limpa, perceptiva.
|
Mente rajásica
|
Impaciente,
agitada, assertiva, argumentativa.
|
Mente tamásica
|
Ignorante,
torpe, falsa, obstinada.
|
Nível espiritual
|
|
Alma sattvíca
|
Espiritual,
compassiva, amorosa, iluminada.
|
Alma rajásica
|
Egoísta,
impetuosa, ambiciosa, manipuladora.
|
Alma tamásica
|
Inconsciente,
perniciosa, falsa, criminosa, pervertida.
|
Constituição ayurvédica
Os três doṣas não são apenas fatores gerais
responsáveis pelas reações físicas. Eles são fatores específicos que criam
diferentes tipologias energéticas nos seres humanos. Os tipos constitutivos,
nos termos dos doṣas, podem ser mais
bem compreendidos de acordo com seus equivalentes elementais. Os tipos vāta são dominados pelo ar, mas possuem
um componente secundário que é o éter como espaço, principalmente nos ossos e
juntas, que contêm vāta no corpo. Os
tipos pitta são dominados pelo fogo,
mas têm o componente secundário da água como líquidos quentes como sangue e o
suco gástrico, que acumulam pitta. Os
tipos kapha são dominados pela água,
mas possuem o componente secundário da terra na forma da pele e membranas
mucosas, que contêm kapha.
Tipos constitutivos da Āyurveda
·
Tipos vāta
Em um nível físico, tipos vāta são
mais altos ou mais baixos que a maioria das pessoas. São magros com tendência a
perder mais peso. Têm pouca circulação, pele seca, veias proeminentes e pouco tecido
adiposo. A digestão é nervosa e variável, por isso facilmente ficam
constipadas. Sofrem quando são expostas ao vento, tempo seco e frio.
Em um nível psicológico, são pessoas nervosas, impacientes, agitadas, ativas,
expressivas e criativas. São emocionalmente sensíveis com predisposição ao medo
e ansiedade. Sofrem de mudança de humor e opinião.
Concernente ao
yoga-sādhanā, os tipos vāta se atraem por práticas energizantes
que incluem āsanas, prāṇāyāmas e mantras. Gostam de ser ativas para fazer coisas que possam mudar
suas vidas.
·
Tipos pitta
Em um nível físico, os tipos pitta
têm a altura mediana. Possuem boa circulação, aparência radiante, extremidades
quentes, pele oleosa e também quente. Têm muito apetite e sede e sua capacidade
de eliminação é muito boa, mas geralmente o intestino é solto demais. Sofrem
quando expostas ao calor, luz do sol e fogo.
Em um nível psicológico, são agressivos, dinâmicos, obstinados, focados e
determinados. Emocionalmente aguçados, são assertivos, de opiniões fortes e com
tendência a elevados estados de raiva.
Concernente ao
yoga-sādhanā, os tipos pitta se atraem pela meditação e o
trabalho com a mente. Naturalmente buscam a iluminação como o objetivo final de
suas vidas. Utilizam os yogāsanas
como mecanismo de desenvolvimento energético.
·
Tipos kapha
Em um nível físico, tipos kapha são
geralmente mais baixos que a maioria das pessoas, mas podem ser altos também.
Como crescem de forma corpulenta, têm a tendência de acumular água e são geralmente
bem pesados. Têm pouca circulação e pele grossa, bem úmida. Seu apetite é
constante, mas seu metabolismo é lento e o intestino preguiçoso. Sofrem quando
exposto a umidade e frio.
Em um nível psicológico, são emocionalmente fortes com sentimentos estáveis.
Calmos, contentes, leais e consistentes. Podem desenvolver profundos apegos,
com muita dificuldade em deixá-los.
Concernente ao
yoga-sādhanā, os tipos kapha preferem práticas devocionais, kīrtans, orações, adoração de deidades.
Só se envolvem com a execução de āsanas
se forem convencidos de que ela é essencial na manutenção de sua saúde.
Os doṣas e os fatores constitutivos
Os três doṣas (vāta, pitta e kapha) criam três diferentes tipos
primários de constituições individuais de complexos mente-corpo. Nenhum deles é
necessariamente melhor do que o outro. Cada tipo constitutivo apresenta suas
qualidades e fraquezas. Cada um precisa do ajuste ou da adaptação necessária
para se manter em equilíbrio. Portanto, torne-se consciente tanto das
qualidades quanto das fraquezas de sua constituição.
·
Com sua natureza aquática
e terrestre, tipos kapha possuem um
corpo forte que armazena muita energia vital, mas podem ter falta de motivação
e dificuldade de adaptação para usar apropriadamente essa energia.
·
Com sua flutuante
natureza aérea, tipos vāta têm um
corpo fraco e pouca energia, mas possuem grande capacidade de mudança e
adaptação afim de protegê-lo.
·
Com sua natureza ígnea,
tipos pitta possuem força física e
energia moderadas, mas têm vigor mental e emocional, com uma determinação que
os fazem perseguir fortes fatores causadores de saúde ou doença, dependendo de
seus valores.
* Texto
retirado da apostila do Curso de Aprofundamento em Yoga & Āyurveda ministrado pelo Instituto Kaula.
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