Fernando Liguori
O ser humano, do ponto de
vista yogī, é extensivo e exaltado. O
Yoga ensina que no âmago de nosso ser
existe uma chispa divina ou realidade espiritual conhecida como ātman, a alma. De acordo com a doutrina
do Yoga, o ser humano é uma entidade
espiritual interagindo no mundo material enquanto utiliza como veículo o
complexo corpo-mente. Este complexo corpo-mente é composto por:
·
Suprimento de energia (prāṇa)
· Sistema sensorial |
perceptivo que detecta as atividades do mundo físico (jñānendriyas)
·
Sentido de egoidade (ahaṃkāra)
·
Memória (citta)
· Mecanismo cognitivo para
acessar as impressões e definir o comportamento (buddhi e manas)
· Mecanismo afetivo
(emoções e sentimentos motivadores) que ativam o comportamento (manas)
·
Órgãos de ação para
interagir ou evitar objetos externos e agir de maneira distinta no mundo (karmendriyas)
As camadas da existência humana
Do ponto de vista yogī, o complexo corpo-energia-mente é
dividido em cinco partes: o corpo grosseiro ou denso, o corpo de energia, o
corpo mental, o corpo de sabedoria e finalmente o corpo de bem-aventurança.
Cada um deles é conhecido pelo nome de kośa
que em sânscrito significa camada ou invólucro.
Então o que são os kośas? Seriam eles camadas ou dimensões da
existência humana?
Cada uma das cinco
camadas reveste, cobre e obscurece a consciência mais sutil que está no
interior. Assim, camada é um bom nome
para descrever estes corpos porque cada kośa
está encoberto pelo próximo. Estes cinco corpos ou níveis cobrem todo espectro
da natureza humana e provê um modelo-base para evolução de todos nós como
espécie.
Os cinco kośas são:
1. Corpo físico – annamaya-kośa
2. Corpo de energia – prāṇamaya-kośa
3. Corpo mental – manomaya-kośa
4. Corpo de sabedoria – vijñānamaya-kośa
5. Corpo de bem-aventurança – ānandamaya-kośa
Eles circundam ou
encobrem o espírito divino em cada um de nós, o ātman.
O corpo físico: annamaya-kośa
(Anna =
alimento)
O primeiro corpo, camada,
invólucro ou nível de experiência é o
corpo físico ou corpo de alimento, o annamaya-kośa. A palavra anna significa alimento e maya significa
constituído de. É o nível grosseiro
da existência e é referido como corpo de
alimento devido sua dependência de comida, água, ar etc. É uma camada que
também necessita de prāṇa. Embora
seja possível viver sem alimento por seis semanas, água por seis dias e ar por
seis minutos, a vida cessa imediatamente no momento em que o prāṇa deixa o corpo.
O termo corpo de alimento nos relembra que
fisicamente nos tornamos aquilo que comemos, portanto, dê atenção a que você
come. É muito importante manter o corpo em um ótimo estado de saúde se queremos
seguir este caminho.
O corpo físico é a camada
material de nossa existência. Como ele é o veículo através do qual interagimos
com o universo criado, o cuidamos e nutrimos para que ele possa nos dar
regozijo na vida e nos permita atingir níveis elevados de consciência sem interrupções
em nosso progresso.
As principais práticas
para se trabalhar o corpo físico são as posturas do Yoga (āsanas). Com elas
ganhamos flexibilidade, relaxamento, tonificação e força muscular, equilíbrio,
alívio do estresse e condicionamento geral. Os āsanas também afetam o outros kośas,
especialmente o prāṇamaya-kośa,
equilibrando a energia, aumentando-a e removendo bloqueios prânicos.1
De fato, é uma verdade
básica revelada pelo Yoga que
qualquer coisa que tenha alguma influência (negativa ou positiva) em qualquer
um dos kośas exercerá influência nos
outros também. Todas essas camadas são tão relacionadas que virtualmente formam
uma única entidade. Isso significa que as práticas que beneficiam os outros kośas também ajudarão o corpo físico, e
nós podemos comprovar isso, por exemplo, com a sensação física de bem-estar
após uma cessão de prāṇāyāma ou o
relaxamento do corpo após uma prática meditativa.
O Corpo de energia: prāṇamaya-kośa
(Prāṇa =
energia)
O segundo corpo é o prāṇamaya-kośa, o campo de energia do
indivíduo. O nível de experiência aqui é mais sutil que o corpo físico, o qual
ele permeia e suporta. Por sua vez, o prāṇamaya-kośa
é suportado pelos kośas mais sutis.
Juntos, os corpos físico e prânico constituem a base da estrutura humana,
referida como ātmapuri (cidade da
alma). Eles formam a base para experiências dos corpos superiores.
Prāṇa é a força vital que
permeia o corpo e toda matéria. Ele energiza todos os outros kośas e é vital para vida em todos os níveis. Contudo, existe uma energia
específica no prāṇamaya-kośa. O Yoga vê o corpo de energia de forma
diferente do ponto de vista ocidental. A ciência da fisiologia acredita que a
energia produzida nas células do corpo pelo processo de queima da glicose é a
única fonte de energia disponível para nós. Os yogīs acreditam que essa é a fonte, mas alegam que o veículo
corporal, energético e mental obtem sua energia de outras fontes, incluindo a
respiração, a comida, a água e até mesmo diretamente da energia do universo.
Assim como todos os níveis de prāṇa,
o prāṇamaya-kośa é parte do vasto
campo de energia do universo (mahā-prāṇa).
O Yoga vê o corpo de energia como uma entidade discreta que toma o
mesmo espaço que o corpo físico, existindo como uma superposição sobre ele, um
envoltório. Nele, as energias fluem através de canais denominados nāḍīs. Estes canais não são os nervos.
São fluxos distintos de prāṇa
independentes da estrutura física. Existem muitas similaridades entre as nāḍīs e os meridianos da acupuntura e um
estudo avançado na comparação direta destes sistemas está em andamento. As
escrituras dizem que existem aproximadamente 72.000 nāḍīs, mas esta é uma estimativa até mesmos nos śāstras. Portanto, é muito difícil
saber, com certeza absoluta, a quantidade de nāḍīs.
Iḍā, piṅgalā e suṣumnā
As três nāḍīs mais proeminentes são
representadas ao longo do eixo espinhal. O canal ou nāḍī central é conhecido como suṣumnā. As outras duas nāḍīs, iḍā e piṅgalā, percorrem todo eixo ao lado de suṣumnā. Esta nāḍī representa o equilíbrio e iḍā
e piṅgalā, a lua e o sol como aspectos
da natureza, os opostos da vida humana.
·
Iḍā: é a força mental, associada com a atividade mental,
criatividade, introversão, feminilidade, força lunar, a cor azul, o lado
direito do cérebro e a narina esquerda.
·
Piṅgalā: é a atividade física, energia solar,
extroversão, masculinidade, a cor vermelha, o lado esquerdo do cérebro e a
narina direita.
·
Suṣumnā: se torna ativa quando iḍā e piṅgalā estão equilibradas. Este é o melhor momento para práticas
espirituais, meditação etc. Quando ela está ativa, o fluxo de energia conhecida
como kuṇḍalinī é capaz de ascender
através dela.
Suṣumnā percorre o eixo espinhal pelo centro e
iḍā e piṅgalā são representadas como nāḍīs
gêmeas que percorrem lados opostos de suṣumnā,
cruzando-a nos seis pontos representados pelos cakras. Muitas práticas de Yoga
têm como objetivo equilibrar a quantidade de ar que flui através das narinas,
influenciando assim diretamente iḍā e
piṅgalā.2
Os cakras
Os seis pontos ao longo
da suṣumnā onde iḍā e piṅgalā se cruzam são os cakras.
A palavra cakra significa roda ou vórtice. Os seis principais cakras
são os centros psíquicos no corpo sutil que possuem representação em todos os kośas – o corpo físico, o corpo de
energia, o corpo mental, o corpo de sabedoria e o corpo de bem-aventurança. No
corpo de energia (prāṇamaya-kośa) é
dito que eles são caixas de junção
distribuindo energia por todo o corpo. O assunto dos cakras será abordado com detalhes em breve.
Os cinco prāṇas
De acordo com os
ensinamentos do Yoga, em algumas
áreas do corpo o prāṇa atua em
diferentes funções e em concordância com elas, recebe nomes diferentes: udāna, prāṇa, samāna, apāna e vyāna. Com as práticas do Yoga
estas diferentes funções são equilibradas e otimizadas para manter boa saúde de
todo complexo corpo-mente. Suas áreas físicas correlatas são:
·
Udāna – cabeça, braços e
pernas
·
Prāṇa – peito
·
Samāna – parte superior do
abdômen
·
Apāna – parte inferior do
abdômen e pélvis
·
Vyāna – todo o corpo, reserva
suplementar energética para todos os outros prāṇas.
O Corpo mental: manomaya-kośa
(Mana = mente)
O terceiro corpo é o manomaya-kośa, a dimensão mental. É o
nível de experiência da mente consciente que mantém os dois corpos mais densos
(annamaya e prāṇamaya-kośas) unidos como um todo integrado. É a ponte entre os mundos interno e externo,
cobrindo as experiências e sensações do mundo exterior e do corpo de intuição
ou sabedoria, bem como as influências dos corpos causal e intuitivo no corpo
físico.
O manomaya-kośa é o nível mental que lida com os desejos e
necessidades institivas mais básicas do indivíduo. Essas necessidades são:
proteção do perigo, obtenção de alimento e o encontro de um cônjuge para a
criação de uma prole. Ele atua em resposta as impressões captadas por nossos
sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), que estão constantemente
monitorando o mundo exterior nos orientando sobre qualquer circunstância que
possa interessar a nossa segurança, alimentação disponível, sexo ou perigo para
nossa prole.
Assim, a mecânica do
corpo mental atua relativamente em um nível básico, equivalente a mente
instintiva de um animal, mas essa mecânica é processada pelos níveis superiores
da mente humana para que melhores decisões sejam tomadas, para que melhores
respostas perceptivas possam ser experienciadas e para que resulte em uma
qualidade melhor de comportamento.
O corpo mental consiste
de quatro partes que consistentemente interagem entre si, formando um conjunto
de ação eficiente:
1. A mente instintiva (manas).
2. O sentido de egoidade (ahaṃkāra).
3. Memória (citta).
4. Nível inferior da mente intelectual (buddhi).
1. A mente instintiva (manas).
Seu trabalho é dar sentido ao mundo na forma em que o experienciamos. Ela
responde as percepções sensoriais e chega a conclusões como esta: o que é isto? Isso é bom ou mal para mim? Isso
irá me ferir? Isso é uma refeição? Essa é uma possível parceira? Se
deixarmos manas por seus próprios
recursos e se ela estiver em alerta sobre qualquer circunstância, usualmente
será motivada a responder de três maneiras: luta, fuga ou amizade.
2. O sentido de egoidade (ahaṃkāra).
Obviamente, se nós temos de proteger a nós mesmos ou tirar algum proveito do
mundo, devemos ter um sentido que nos mantenha a parte dele. É aqui que o eu se separa do aquilo. Esse é o sentido de egoidade que os yogīs chamam de ahaṃkāra.
3. Memória (citta). Imagine
um animal na selva – os olhos detectam algo se movimentando que é separado do eu. Manas
quer saber: o que é isso? Ela
imediatamente pergunta a memória: eu já vi um destes antes? De acordo com
a resposta a mente decide se vai correr, se vai atrás da presa e comê-la ou
ainda, se vai deixá-la passar pois é amiga. Este
é o papel da memória neste nível. A memória é o armazém de nossos encontros
passados e das experiências que tivemos com eles. Essa informação é crucial
para nos ajudar a decidir o que fazer na hora certa.
4. Mente intelectual (buddhi).
Em seu nível básico de funcionamento, buddhi
fornece um ajuste intelectual que auxilia manas
a tomar melhores decisões para nossas interações com o mundo. Buddhi está em ação nos níveis mentais
mais elevados, alinhado com a sabedoria imperturbável do corpo de
bem-aventurança (ānandamaya-kośa).
Mas aqui nós vemos buddhi no nível
inferior do pensamento racional a serviço de manas – muito abaixo de suas habilidades exaltadas, mas muito
valioso no manejo de nossas atividades diárias.
Assim, nós vimos às
respostas físicas, vitais e mentais do indivíduo operando juntas, mas como
humanos nós somos capazes de alcançar funções muito mais elevadas. É claro,
existem pessoas que, por alguma razão ou outra, habitualmente funcionam no
nível de animais inteligentes (e às
vezes nem tão inteligentes assim). Mas de acordo com os yogīs, até mesmo essas pessoas são espíritos em essência, habitando um veículo corpo-energia-mente
para desenvolver suas qualidades e potenciais superiores.
O corpo de sabedoria: vijñānamaya-kośa
(Vijñāna =
sabedoria)
O quarto corpo é o vijñānamaya-kośa, o nível da experiência
psíquica que se relaciuona com a mente subconsciente e inconsciente. Essa
esfera permeia o manomaya-kośa, mas é
bem mais sutil que ele. O vijñānamaya-kośa
é a conexão entre a mente individual e a mente universal. O conhecimento
interior alcança a mente consciente neste nível. Quando este corpo é desperto,
o praticante começa a experienciar a vida em um nível mais intuitivo, vê a
realidade subjacente por trás das aparências. Isso leva a sabedoria.
Este é o nível superior
de buddhi – bom intelecto, intuição,
sabedoria, conhecimento superior e habilidades psíquicas que brilham do ānandamaya-kośa. No nível do vijñānamaya-kośa nós experienciamos as
qualidades elevadas de citta onde
muitas impurezas são purgadas da mente inconsciente. O ahaṃkāra neste nível é o sentido do eu que faz parte do todo que é um
em todos nós. Nossos sentimentos não são mais emoções brutas de sobrevivência e
exploração, mas formas evoluídas de amor, compaixão, regozijo, segurança,
realização e relações sadias e maduras em todos os sentidos.
Com o Yoga nós aumentamos o acesso e
desenvolvemos o vijñānamaya-kośa
trabalhando com os três kośas inferiores
eliminando os caminhos que bloqueiam sua expressão, reduzindo nossa
identificação com eles. Mas nós podemos também trabalhar diretamente com esta
mente superior; nós podemos exercitá-la dando-lhe boas atividades para fazer
(interrompendo o enfadonho monólogo interno da mente inferior). Podemos
explorar novas possibilidades, novos filósofos, ler mais e praticar todas as
áreas do Yoga. Podemos nos associar a
pessoas que se encontram em níveis mentais superiores, pensadores, pessoas
humildes, karma-yogīs etc. Podemos
trabalhar duro, fazer coisas boas e continuar sempre na busca por uma
consciência mais elevada.
O corpo de bem-aventurança: ānandamaya-kośa
(Ānanda = bem-aventurança)
O quinto corpo é o ānandamaya-kośa, o nível da
bem-aventurança e beatitude. É o corpo causal ou trancendental, a abóboda do prāṇa mais refinado. Este é o kośa que está em contato mais íntimo com
o espírito puro – o ātman –, a
emanação do divino. A bem-aventurança não é apenas uma emoção. É uma inefável
experiência de paz, amor e êxtase do ser que está em contato com a consciência
última.
O que nós podemos dizer
sobre este nível de experiência humana? Não existem palavras para isso! Como
nós podemos imaginar o estado de unidade com o Absoluto com nosso nível
ordinário de consciência? Como podemos conceber a segurança total, a
bem-aventurança transcendental, o vasto poder de Deus, o amor cósmico, a
onisciência e a comunicação total com o espírito universal que uma pessoa neste
estado está experienciando?
Mas os yogīs que estão neste nível nos dizem
que esta é a verdadeira realidade e, de fato, que todos nós já estamos neste
mesmo nível. Que cada um de nós já alcançou este nível elevado de consciência –
que já somos puros em espírito. Contudo, estamos presos nos níveis inferiores
de consciência. Estamos tão distraídos com os dramas de nossas vidas que não percebemos quem verdadeiramente
somos. Necessitamos transcender estes dramas
para que possamos resgatar nossa verdadeira herança espiritual.
Raio X do homem
O seguinte quadro
comparativo tem a finalidade de facilitar a identificação dos corpos segundo os capítulos 1 e 2.
Corpo (śarīra)
|
Invólucro (kośa)
|
Estado de consciência
|
Corpo
físico: śthūla-śarīra
|
Annamaya-kośa
|
Vigília
|
Corpo
de energia: sūkṣma-śarīra
|
Prāṇamaya-kośa
Manomaya-kośa
Vijñānamaya-kośa
|
Sonho
|
Corpo
causal: karāṇa-śarīra
|
Ānandamaya-kośa
|
Sono
profundo
|
0 comentários:
Postar um comentário