Cura, Sabedoria &
Paz
Swāmi
Niranjanānanda Saraswatī
O texto
é um artigo de Swāmi Niranjan publicado na revista Yoga Magazine em maio de
2000. Segundo a tradição Satyananda Yoga, há três mantras que são muito
benéficos para todos os aspectos da vida: mahā-mṛtyunjaya-mantra para saúde e
bem-estar, o gāyatrī-mantra para tranquilidade mental e sabedoria e o praṇava
oṃ para paz e o despertar espiritual.
Mahā-mṛtyunjaya-mantra:
cura e bem-estar
oṃ
trayambākaṃ yajāmahe
sugandhiṃ
puṣṭivardhanam
urvārūkamivābandhanān
mṛtyor
mukṣiya māmṛtāt
om tra-yam-BA-kam ya-jaa-MA-he
su-gan-dhim push-ti-var-dha-NAM
ur-vaa-ru-ka-mi-va ban-DHA-naat
mrit-yor-muk-shee-ya
maam-RI-taat
Oṃ, nós veneramos Aquele de Três Olhos
(Śiva)
cuja fragrância é maravilhosa e nutre todos
os seres.
Como um pepino que cai de seu talo,
liberte-nos da morte,
mas não da imortalidade.
Durante o evento de Sītā
Kalyanam de 1998, Paramahaṃsajī [i.e. Swāmi Satyānanda] recomendou a todos
nós o mahā-mṛtyunjaya-mantra e o gāyatrī-mantra. Ele disse que aqueles
que desejam saúde e cura devem cantar o mahā-mṛtyunjaya-mantra
pelo menos 24 vezes por dia: eu lhes
garanto que se fizerem isso com tamanha concentração, vontade, pureza de
coração e sentimento verdadeiro, não há dúvida de que a saúde e a cura vão se
manifestar, tanto para você quanto para os outros.
Se perguntarem pelo significado do mahā-mṛtyunjaya-mantra, a maioria das pessoas irão dizer que é um mantra dedicado a Śiva e darão uma
definição literal de acordo com o significado de cada palavra. Porém, o mais
importante é a vibração que se cria ao vocalizá-lo. No mantra, a combinação dos sons cria uma vibração específica no
corpo. Nosso corpo também tem uma dimensão vibratória e todas as células e
átomos estão vibrando em harmonia uns com os outros. No momento em que essa
harmonia se rompe começa a deterioração do corpo e começamos a morrer. Na
morte, as pulsações do corpo param, a atividade das células cessa e a energia
vital abandona o corpo.
As vibrações são os sinais manifestos da força vital. Estas
vibrações se representam simbolicamente nos cakras ou centros psíquicos. Quando usamos uma combinação de mantras ou sons silábicos, estamos
ativando e carregando o potencial destas vibrações que existem em forma
inerente no corpo. Utilizam-se algumas vibrações como o oṃ, por exemplo, para alcançar um estado de meditação profunda. A
prática do mantra oṃ tem como efeito a internalização da
consciência. De um ponto de vista científico, oṃ aumenta as ondas alfa e diminui as ondas beta. Além da
internalização da consciência, o foco cresce, o que trás paz e tranqüilidade.
Quando usamos uma cadeia de vibrações como o mahā-mṛtyunjaya-mantra, ocorre um realinhamento das perturbações
do sistema vibratório.
As doenças e enfermidades podem ser tratadas de forma
específica com este mantra. Em
nossos aśrams praticamos este mantra de cura todo sábado à noite,
acompanhado de um saṅkalpa
(resolução, propósito), um sentimento de que os poderes curativos do mantra curem nosso corpo e o corpo
daqueles que estão sofrendo.1 Se desejarmos incorporar em nossa
rotina prática de mantras o mahā-mṛtyunjaya-mantra, tenha certeza
de que ele irá proporcionar cura a nós e todos aqueles que direcionarmos nossa
intenção de curativa. Cada sábado pratique pelo menos um mālā para seu bem-estar pessoal e para o de cada pessoa que o
rodeia.
Gāyatrī-mantra:
sabedoria
oṃ
bhūr bhuvaḥ svaḥ
tat
savitur vareṇyaṃ
bhargo
devasya dhīmahi
dhiyo
yo naḥ prachodayāt
om bhoor-bhu-vah SVA-ha
tat-as-vi-tur-va-ren-YAM
bhar-go de-va-sya dhee-MA-hi
dhi-yo yo nah pra-cho-DA-yaat
Oṃ, nos planos físico, da mente e da
consciência,
meditemos na divina refulgência
desse vivificador [o sol] formidável.
Que ele ilumine [inspire] nossa
inteligência.
Outro mantra que
Paramahamsajī recomendou praticar diariamente é o gāyatrī-mantra. Tradicionalmente ele é utilizado para desenvolver
a inteligência, conhecimento e sabedoria, assim como expandir a consciência. O
gāyatrī-mantra é ensinado para
crianças na idade de oito anos, no início de sua educação acadêmica. Com isso
se aprofundam a atenção e a percepção, aumentando a capacidade de retenção,
memória e inteligência.2
Para o desenvolvimento da consciência, a sabedoria e a
compreensão, Paramahaṃsajī recomenda praticar o gāyatrī-mantra 24 vezes todos os dias. Ele nos disse também que
não podemos subestimar o poder dos mantras.
Não é necessário entender seu
significado, mas conectar-se com a vibração que se cria ao recitá-lo. Se
vocês forem capazes de se conectar a essa vibração, então, com o tempo também
poderão aprender quais são os pontos em que necessitam concentrar-se durante o
canto de diferentes mantras. Desta
forma, essa prática se converterá em uma valiosa ferramenta para o seu
crescimento e desenvolvimento espiritual.
Praṇava oṃ:
espiritualidade e o despertar da consciência
O terceiro mantra
mais importante é o praṇava oṃ. Ele
é a síntese de todos os mantras e
conduz a um estado iluminado de consciência. A tradição descreve três formas
diferentes de repetição de mantras:
em voz alta, sussurrando e mental. A repetição mental é a mais potente, desde que sejamos capazes de manter nossa
mente estável, livre de distrações que tirem a atenção da repetição do mantra
e livre da sonolência que sobrevém ao se internalizar a consciência. Tudo
isso é muito comum que ocorra durante a prática de mantra.
Há uma ênfase na repetição mental. Contudo, caso a mente
encontre-se inquieta e instável, nos fazendo perder a consciência do mantra e trazendo sonolência, a
tradição nos recomenda começar a sussurrar o mantra de forma a manter a atenção. O sussurro é um simples
movimento dos lábios e deve ser ouvido somente por nós mesmos e ninguém mais.
Se ainda assim houver adormecimento e não pudermos controlar a introversão da
mente, então é melhor vocalizar o mantra
em voz alta. Mesmo com a repetição em voz alta, há pessoas que não conseguem
manter sua mente tranqüila e concentrada em um ponto. Nestes casos, usa-se um
símbolo psíquico como um auxiliar para manter a atenção focada.
Símbolo psíquico
Paramahaṃsajī costumava nos dar o exemplo de um pássaro
voando sobre o oceano em busca de algum lugar onde poderia pousar e descansar.
O pássaro encontrava então um pedaço de árvore flutuando na água e pousava
sobre ele. Depois do descanso o pássaro alçava vôo novamente, mas recordava
exatamente a localização daquele pedaço de madeira para próxima vez que dele
necessitasse. Este exemplo tem a ver com o uso do mantra na forma de um símbolo psíquico.
O símbolo psíquico pode ser qualquer coisa. Pode ser um
ponto, uma figura ou uma imagem na qual nos concentramos e mantemos a atenção
(porque o mantra se pratica
geralmente na forma mental).
Por exemplo, o símbolo pode ser nosso iṣṭā-devatā (divindade pessoal), que representa uma qualidade da
divindade. Pode ser uma imagem que traga um sentimento de segurança ou
afinidade, ou ainda um símbolo que não denote nem um estado positivo e nem um
estado negativo da mente, ou seja, um símbolo neutro. Ao mesmo tempo, o
símbolo pode inconscientemente inspirar a psique, a mente, a realizar o
potencial da consciência. Símbolos poderosos são o sol, a figura do oṃ ou um yantra (seja um triângulo, um círculo, triângulos entrelaçados ou
uma figura geométrica complexa). Também pode ser a imagem do guru que
representa uma fonte de inspiração. Pode ser a imagem de Jesus, um santo,
Buda, Rāmā, Kṛṣṇa, Śiva, Devī em suas inúmeras manifestações etc. Pode ser
qualquer coisa, porém, não deve estar relacionado a questões pessoais.
Se uma pessoa imagina
algum membro de sua família, haverá uma associação emocional que não deveria
estar presente. Por isso, é
recomendável usar imagens de santos, gurus e avatares, um yantra ou ainda imagens simples como o sol, a lua e as estrelas.
Cada pessoa tem um símbolo específico no qual pode se concentrar junto com o mantra.
O mantra se torna a
mente e ela se apresenta como um pássaro que voa sobre o oceano. O oceano é a
consciência e neste vasto espaço do oceano da consciência é necessário um
ponto de apoio, uma base que esteja além das interações sensoriais. O yantra é o pedaço de árvore flutuando no oceano. Quando a mente
está cansada de vagar em direções desconhecidas, ela pode voltar e descansar
sobre este ponto por alguns instantes até recomeçar seu vôo. Este é o conceito
de mantra e yantra.
Não é suficiente a simples repetição do mantra, seja na forma verbal ou mental.
O mantra deve ter um fim, um
propósito. O poder do mantra deve ser
canalizado para um objetivo para que sua energia não se dissipe. Quando a
luz está concentrada se transforma em um raio laser. O mesmo acontece com o mantra, deve haver um objetivo ao se
executar o mantra-sādhanā.
Tradicionalmente se tem associado distintos propósitos para cada mantra, como estamos indicando.
Paz: a base do
crescimento espiritual
O canto do mantra oṃ
é o mais fácil e simples porque tem um só som: OṂ! O propósito do praṇava-sādhanā [prática espiritual com
o mantra oṃ] é transcender a consciência
corporal, conectar-se com a consciência cósmica e realizar nosso potencial
espiritual. Ao vocalizar o mantra oṃ
deveríamos ter o sentimento e a consciência do desenvolvimento espiritual.
Para poder compreender o processo de crescimento espiritual
começamos com a paz: ṣāntiḥ. O estado de paz é a base da experiência
espiritual. Na ausência de paz interna não pode haver crescimento ou
desenvolvimento interior. Essa é a realidade. O propósito do oṃ é despertar o estado de paz interior
nos vários níveis da natureza, personalidade e mente.
Talvez seja impossível identificar os diferentes aspectos
da mente, mas é possível identificar símbolos que representam distintos
estados dela. Estes símbolos são os cakras
ou os centros psíquicos. Sempre que entoamos o oṃ, necessitamos focar nossa atenção em diferentes centros
psíquicos. Quando entoamos o oṃ três
vezes ao começo de qualquer atividade, geralmente a indicação é de se
concentrar entre as sobrancelhas. Para aqueles aspirantes que desejam
aprofundar seu sādhanā, há três
locais onde devem se concentrar durante a visualização de cada oṃ. Estes locais são os três granthis [nós psíquicos] que existem em
nosso corpo.
Praṇava-sādhanā
Os estudantes perguntam com frequência por que entoamos o oṃ três vezes no começo e no final da
prática, e tenho escutado os instrutores darem diferentes respostas. Alguns
dizem que é para paz na dimensão física, mental e espiritual. Outros dão
outras explicações, mas a verdadeira
razão é a concentração nos granthis.
O Yoga reconhece
três granthis ou nós psíquicos em nosso corpo. O
primeiro é brahma-granthi, o nó de
Brahma (energia da criação) localizado no mūlādhāra-cakra.
Quando fizer a primeira vocalização do oṃ
sempre leve sua atenção ao mūlādhāra-cakra.
O mūlādhāra é o responsável pela
criação. O segundo nó é o viṣṇu-granthi
no anāhata-cakra. Quando vocalizar
pela segunda vez, leve sua consciência para o anāhata. O terceiro é rudra-granthi
ou o nó de Rudra, aquele que transforma, destrói e representa o renascimento
da consciência. Quando entoar o oṃ
pela terceira vez, direcione sua atenção ao ājñā-cakra, o ponto entre as sobrancelhas.
Essa é uma maneira de potencializar a prática do oṃ quando três vezes entoado e os
instrutores de Yoga deveriam ter
isso em mente. Faça uma pausa de pelo menos cinco segundos em cada um dos três
cakras e esteja consciente da luz
ali. Com o tempo, a qualidade de sua experiência vai mudar. Pode levar uma
semana ou um mês, mas você notará a diferença.
Quando entoamos o oṃ
sete vezes, a instrução geral para os novatos é concentrar-se no ājñā-cakra. Mas para os mantra-sādhakas [iniciados que executam
anuṣṭhana-mantra-yoga], cada
vocalização do oṃ pode ser realizada
nos sete cakras, com uma pausa de
cinco segundos em cada cakra.
Existem diferentes formas de entoar o oṃ.
Normalmente as pessoas só usam os sons O e Ṃ, mas isto só induzirá a um
efeito.
Algumas pessoas praticam-no como A-U-Ṃ. Quanto se vocaliza
três vezes nos cakras mūlādhāra, anāhata e ājñā, usa-se
somente o oṃ. Quando se vocaliza por
sete fôlegos usa-se o auṃ. No kriyā-yoga ainda utiliza-se o oṃ de outra maneira: faz-se um O
explosivo seguido de um Ṃ longo (mmmmm).
Essas variações produzem uma grande diferença em nossa prática e na qualidade
de nossa experiência.
Tradução livre de Fernando Liguori.
Notas
do tradutor:
1. O mahā-mṛtyunjaya-mantra é o canto devocional dedicado a Rudra
(Śiva) mais antigo do Ṛg-Veda (VIII:
61.12), atribuído ao ṛṣi Vasiṣta, o
mais notório de todos os sábios védicos.
Ele significa o grande (mahā) meio
de conquistar (jaya) a morte (mṛtyu). É o mantra védico mais importante para curar o corpo e a mente, bem
como para lidar com toda negatividade e sofrimento possíveis na vida, seja
proveniente de outras pessoas, animais selvagens, as forças da natureza ou as
forças espirituais. Embora seja um hino mântrico dedicado a Rudra-Śiva, ele é
a personificação do yajña, o
sacrifício védico, o qual
externamente é o movimento kármico do universo e, internamente, é o movimento yogī da transformação da mente e
coração da escuridão para luz. Recitar este mantra ajuda a remover karmas
negativos, principalmente àqueles que se devem às influências planetárias de
Saturno. Também promove o despertar da kuṇḍalinī
ou fogo prânico mais elevado. Como yajña,
este mantra é associado ao ritual de
fogo (homa ou agni-hotra).
2. O gāyatrī é o mantra mais
conhecido e praticado de todos os mantras
védicos. Como diz a Bhagavadgītā
(X: 35): das métricas, eu sou o gāyatrī.
Ele aparece pela primeira vez no Ṛg-Veda
(III: 62.10) e seu nome é formado pelas raízes verbais gai, que significa louvar
e trai, que significa salvar, indicando aquilo que, ao ser
cantado, leva à salvação. Seu cantar tem sido a pedra angular da evolução
espiritual na cultura védica desde
tempos imemoriais. Por milhares de anos, todos os que renasceram (dvijas) na verdade da unidade da
consciência cantam e meditam nele três vezes ao dia (tri-sandhya): na alvorada, ao meio-dia e ao crepúsculo. Isso é
feito, indistintamente, por todos os brâmanes e iniciados no hinduísmo, sejam
eles vaiṣṇavas, śaivas, śāktas ou smartas (advaitas). O nome gāyatrī
indica um tipo específico de métrica védica,
constituído de 24 sílabas organizadas em um terceto de oito sílabas cada.
Todas as deidades de adoração (iṣṭā-devatā)
possuem seus respectivos mantras
gāyatrīs (Rudra-gāyatrī, Viṣṇu-gāyatrī, Devī-gāyatrī etc.), e sua adoração seria incompleta sem cantar ou
meditar no gāyatrī.
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