Fernando Liguori
De acordo com a filosofia do Yoga,
o corpo físico é uma manifestação da consciência. É uma cristalização dos padrões kármicos (comportamentais) criados pela
mente. Assim, a chave para o trabalho com o corpo é entender a consciência
por trás dele, que geralmente nos passa desapercebida. Isso requer que
pratiquemos āsanas atentos não apenas
nas tecnicidades das posturas, mas também nos estados mentais e emocionais que
eles criam dentro de nós.
A Āyurveda compartilha essa
teoria do Yoga. Vê o corpo como uma
manifestação dos doṣas, que não são
apenas fatores físicos da consciência, mas também prânicos e psicológicos. Nós
não podemos olhar para o impacto dos āsanas
nos doṣas em um nível puramente
físico, mas também devemos considerar os efeitos psicológicos.
O Yoga vê os āsanas não
apenas como posturas estáticas, mas como condições energéticas, que por sua vez
são manifestações da consciência. A energia e a atenção que colocamos na postura é tão importante quanto a
postura em si. Nós podemos ver isso na vida diária, em que, como nos sentimos
em um plano psicológico, determina a maneira como nos movemos no plano físico. Padrões de sentimentos e de energia em longo
prazo determinam a forma e o ritmo do corpo.
Āsana como estrutura
física
No nível mais básico, um āsana é
uma postura física, um tipo de gesto corporal. Na prática de āsana nós colocamos o corpo em uma
posição que tenha um resultado e uma mensagem específica, dependendo da forma
que ele cria com o corpo. Cada āsana
tem seu próprio efeito natural. Posturas sentadas proporcionam estabilidade na
coluna. Algumas proporcionam flexibilidade atrás das pernas. Como a maioria das
posturas sentadas gera um estímulo parassimpático, elas criam uma influência
agradável e calmante. Posturas em pé elevam a força e a energia em geral.
Extensões tendem a nos excitar (estímulo simpático), aumentam a extensão da
coluna e criam força nos músculos que elevam o tronco. Posturas de relaxamento
equilibram e acalmam as energias criadas pelas práticas de āsana. Todos os āsanas,
em grupos ou individualmente, têm suas arquiteturas próprias.
No entanto, como todos os corpos não possuem a mesma estrutura, a
experiência de um āsana irá variar
dependendo da constituição, flexibilidade e condições orgânicas do indivíduo. O efeito do āsana é uma combinação da
estrutura do āsana, que é igual para todo mundo, e a estrutura corporal própria
da pessoa, que irá variar não apenas entre indivíduos, mas também ao longo
tempo.
Āsana como energia
prânica
O corpo físico é um veículo para nossas energias internas, que são
definidas por prāṇa. Āsanas são um veículo pelo qual o prāṇa é direcionado. Um āsana não é meramente uma estrutura
física, mas uma condição energética. Āsanas
expressam uma qualidade de energia, e mesmo posturas para aquietar podem conter
por trás uma condição mental e prânica dinâmica. Esse fato dá a todos os āsanas certa neutralidade em seus efeitos
energéticos, neutro exatamente como um veículo em si, com o objetivo de sua
viagem dependendo do motorista. O āsana
é como o carro com o prāṇa sendo sua
força motriz. Não é apenas uma questão de
ter o veículo certo, mas também movê-lo no sentido certo. O impulso do prāṇa por trás do āsana é tão
importante quanto o próprio āsana.
Isso significa que, dependendo de como nós direcionamos nosso prāṇa, o mesmo āsana pode nos levar a diferentes lugares. Por exemplo, uma postura
sentada executada com um forte prāṇāyāma
pode ter um efeito bastante energético, enquanto com uma respiração comum vai
nos aquietar ou mesmo nos colocar para dormir. A energética prânica de um āsana depende de alguns fatores,
incluindo o quão rápido fazemos a postura, o grau de força que usamos e,
sobretudo, como respiramos durante o āsana.
De fato, o objetivo da prática de āsana
é acalmar o corpo para então podermos trabalhar o prāṇa. O prāṇa se manifesta
quando o corpo está imóvel. Esta é a
importância das posturas sentadas para desenvolver o curador interior.
Āsana como pensamento e
intenção
Āsana não é apenas estrutura e energia, mas
também um reflexo de pensamento e intenção. Nós poderíamos definir āsana como uma forma-pensamento do
exercício. Os efeitos do mesmo āsana
irão depender de nossa mente estar clara ou nublada, e nossas emoções estarem
calmas ou turbulentas. Podemos executar
um āsana com precisão técnica, mas nosso estado mental é que realmente
determinará o quão libertador o āsana é para nossa consciência.
Nosso estado mental se reflete em nossa respiração. Quando a mente está
calma, a respiração está calma. Quando a mente está transtornada, a respiração
está transtornada. Portanto, a energética da mente e do prāṇa caminham juntas. Enquanto nós podemos mudar o efeito do prāṇa em um āsana pela respiração, também podemos mudar os efeitos mentais de
um āsana por meio da concentração e
meditação. Um āsana deve ser um tipo de
meditação em forma ou movimento. E assim sendo, nós devemos sempre colocar nossas mente em um espaço sagrado de
silêncio, observação e desapego durante a prática do Yoga.
Se nossa consciência não está envolvida durante o āsana, então nossa prática permanece em um nível superficial. Prāṇa segue a energia da intenção, e postura corporal é o resultado disso. O
tipo de postura que as pessoas têm reflete como elas colocam suas atenções na
vida e o que comumente fazem. É, por isso, que tantos de nós estamos
corcundas hoje em dia. Nossa principal postura é sentar-se à mesa, no carro ou
no sofá da sala. Isso coloca nossa
energia fora de nós e, então, nossa energia interna entra em colapso e se esvai.
Em suma, portanto, o efeito estrutural do āsana é o primeiro fator. O modo como energizamos o āsana com o prāṇa é o segundo. Isso inclui como nós movimentamos através do āsana e respiramos nele. Nosso estado
mental é o terceiro fator. A principal
regra na prática de āsana é manter a mente calma, controlada e interessada,
pois assim não perdemos o foco da prática. Devemos considerar todos os três
fatores para um exame ayurvédico dos āsanas. Todos esses fatores estão
inter-relacionados. O doṣa freqüentemente
possui a chave para o estado estrutural, prânico e emocional de uma postura.
Efeito ayurvédico dos
āsanas
Cada āsana possui um efeito
particular definido e relacionado com os três doṣas. Isso é igual à classificação ayurvédica para os alimentos, de acordo com seus efeitos bons ou
ruins para os doṣas, dependendo dos paladares
e dos diferentes elementos que compõem cada item da comida. Nós podemos
analisar diferentes āsanas de acordo
com suas habilidades estruturais, para aumentar ou diminuir os doṣas.
No entanto, essa equação de doṣas
com āsanas não deve ser considerada
rigidamente, porque o efeito prânico do āsana
pode se sobrepor ao seu efeito estrutural, como acabamos de notar. A forma do āsana não é seu principal fator. Pelo
uso da respiração nós podemos modificar ou até mesmo mudar os efeitos dos doṣas de um āsana. Nós também devemos lembrar da importância do pensamento e da
intenção na prática de āsanas.
Considerando o āsana, prāṇa e a mente, podemos alterar um āsana particular ou ajustar uma prática
inteira na direção de um resultado específico nos doṣas. Por meio da combinação de āsanas específicos, prāṇāyāma
e meditação, um equilíbrio interno completo pode ser criado e mantido.
O princípio dos doṣas usado na
prática de āsanas possui dois pontos:
·
De acordo com a
constituição individual definida por seu tipo, como vāta, pitta e kapha e suas combinações.
·
Relacionado ao impacto do
āsana nos doṣas como funções fisiológicas gerais. Cada doṣa tem seu lugar e ação no corpo, que os āsanas irão afetar dependendo de suas orientações.
Aplicação do conceito de
tipos constitutivos
Tipos constitutivos vāta têm a
estrutura corporal e se movimentam de maneira diferente dos tipos pitta e kapha. Igualmente, pittas
e kaphas possuem seus movimentos
particulares e posturas em que eles assumem sua constituição, como uma
assinatura dos doṣas em seus corpos e
mentes. Esta diferença entre os doṣas
é refletida no movimento de cada tipo constitutivo.
·
Tipos vāta têm um movimento tipo cobra – como
uma descarga de eletricidade, com movimentos rápidos, abruptos, imprevisíveis e
irregulares. Suas energias internas e pensamentos têm a mesma rapidez,
luminosidade, imprevisibilidade e descontinuidade.
·
Tipos pitta têm um movimento de sapo, que é
flexível, firme ou direcionado por natureza. Vão pulando em um movimento
constante até atingirem seus objetivos. O movimento deles é como fogo que sobre
quando alimentado com combustível. Eles agem com foco e determinação, indo
passo a passo. Sua energia interna e pensamento têm a mesma determinação, bem
como o movimento e o fluxo direcionado.
·
Tipos kapha têm movimentos como os de um cisne,
amplo e fluído – vagarosa, graciosa e elegantemente, agindo em seu tempo de uma
forma ondulante. A energia deles flui como um rio calmo e sinuoso, tomando seu
próprio tempo pelo caminho, com a certeza de seu objetivo final. Porém, quando kapha se acumula, seu movimento lembra o
da água fluindo através de um pântano, com resistência e levando a estagnação.
Suas energias internas e pensamentos são os mesmos dos movimentos aquosos e com
tendência à inércia.
Impacto dos āsanas nos doṣas
Cada tipo constitutivo possui sua estrutura particular e uma expressão
energética na vida, que se estende à prática de āsana. A prática de āsana
deve considerar o tipo contitutivo da pessoa para ser realmente efetiva.
·
A energia de vāta é impulsiva e errática, como o
vento que sopra forte, mas não por muito tempo. Contudo, se nos opusermos a
ela, irá escapar o quebrar. Essa energia
deve ser gentilmente segurada e apoiada, aterrada e estabilizada. Deve ser harmonizada e colocada em uma continuidade,
de maneira consistente e determinada.
·
A energia de pitta é focada e penetrante, podendo
cortar e machucar. Deve ser gentilmente
relaxada e espalhada. É como um farol alto que machuca os olhos e é
estreita em seu campo de iluminação. Porém, quando expandida, pode ser uma real
força iluminadora.
·
A energia de kapha é resistente e complacente. Deve ser movida e estimulada por etapas,
como um gelo que deve ser vagarosamente derretido até que possa fluir
suavemente. Devemos energizar e
estimular consistentemente o tipo kapha para posterior ação.
No entanto, o fato de um āsana
não ser bom para um tipo contitutivo não significa que nunca se deve fazê-lo. Isso quer dizer que uma pessoa deve praticar
o āsana de um modo que a proteja de potenciais desequilíbrios. Tome, por
exemplo, extensões. Feitas de maneira forte ou rápida, extensões completas
podem agravar fortemente vāta, com
severas pressões no sistema nervoso, talvez mais do que qualquer outro āsana.
Cada família de āsanas, como
posturas em pé, flexões ou invertidas, possui benefícios gerais para o corpo e
seu potencial de movimento como um todo. Cada família de āsanas exercita certos músculos e órgãos que, como parte de nossa
estrutura corporal total, não devem ser negligenciados. Para evitar qualquer tendência para o desequilíbrio, você deve
selecionar as posturas dentro de cada família de āsanas que são as melhores
para seu tipo de corpo do que as outras do mesmo grupo. Em geral, você deve
garantir que todos os principais grupos musculares do corpo estão representados
em sua prática pelo menos vários dias de cada semana.
Similarmente, o fato de um āsana
ser bom para um doṣa particular não
quer dizer que todas as pessoas com o tipo constitutivo predominante deste doṣa devem fazê-lo. Isso significa que o
āsana pode ser bom para elas se
executado de maneira correta e se elas forem fisicamente capazes para tal
postura. Cada āsana possui seu grau
de dificuldade que pode exigir certo aquecimento ou posturas preparatórias para
uma entrada segura. Por exemplo, a preparação correta para parada de cabeça
cria a musculatura dos braços e dos ombros necessárias para sustentar bem e de
maneira segura o equilíbrio da cabeça. E, também, pelo fato de a parada de
cabeça ser boa para seu tipo constitutivo não significa que você deve ir direto
para a postura ou fazê-la, sem o risco de efeitos colaterais.
Além do mais, os efeitos dos diferentes āsanas variam de acordo com a seqüência em que eles são feitos.
Isso significa que a prática de āsana
deve sempre ser vista como um todo – não meramente em termos de āsanas individuais que a compõem, mas em
termos do fluxo e da relação entre todos os āsanas
particulares executados. A prática de āsana
– no sentido da seqüência e maneira de se praticar, bem como os āsanas específicos – deve ser montada
para manter os doṣas em equilíbrio de
acordo com a constituição e condição do indivíduo.
É útil ver a seqüência de āsanas
como uma fórmula de ervas. Uma fórmula herbática da Āyurveda contém uma variedade de ervas usadas para vários
propósitos que contribuem para o efeito geral da fórmula, preenchendo funções
específicas. O efeito geral do doṣa
da fórmula é determinado pela fórmula como um todo, não por todas suas ervas
vistas isoladamente.
Para os professores
prescreverem āsanas efetivamente, devem combinar estas considerações
ayurvédicas com os fatores gerais listados acima, e também aprender a:
·
Conhecer o tipo
constitutivo e desequilíbrios da pessoa.
·
Conhecer a condição
estrutural da pessoa, incluindo sua postura, idade e condições físicas.
·
Conhecer sua condição
prânica, seu controle da respiração e dos sentidos, juntamente com sua vitalidade
e entusiasmo.
·
Conhecer o estado mental
da pessoa, sua atenção, vontade e motivação, bem como sua condição emocional.
O mesmo āsana deve ser feito de
maneira diferente levando em consideração o doṣa.
Também, o mesmo āsana deve ser
executado de maneira diferente de acordo com a idade, sexo e condição física da
pessoa. Deve variar, dependendo se a pessoa possui uma vitalidade forte ou
fraca. Variações adicionais irão ocorrer se a pessoa estiver sofrendo de raiva,
tristeza, estresse ou depressão. Isso reflete quatro objetivos primários para
uma prática ayurvédica de āsanas:
·
Equilibrar os doṣas.
·
Melhorar a condição
estrutural do corpo.
·
Facilitar o movimento e
desenvolvimento do prāṇa.
·
Acalmar e energizar a
mente.
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