Fernando Liguori
Texto retirado da apostila do curso «Oficina
de Meditação», edição 2011, ministrado pelo Instituto Kaula.
Na medida em que a mente subconsciente é progressivamente purificada e o
praticante avança nas práticas meditativas, gradativamente ele se confronta com
a enormidade de sua psique e uma quantidade esmagadora de visões, premonições
sobre o futuro e muitas outras experiências. Uma vez que é essencial observar as inúmeras manifestações que
ocorrem na psique como uma testemunha,
o praticante não deve se envolver, não deve se encantar ou se deixar oprimir
por elas. Observe-as de todas as maneiras, mas não se distraia na medida em que
se aprofunda nas camadas mais inacessíveis de sua mente. É possível ir mais
fundo, muito mais fundo do que a imaginação pode conceber.
Não se apegue ao exterior. Observe, experiencie, permaneça sempre como uma
testemunha. Seja desapegado... seja consciente. Essa é a maneira de não se
deixar seduzir ou se distrair na medida em que mergulha nas profundezas de si
mesmo. Pode ser que neste momento você não esteja explorando os níveis mais
profundos de sua psique, mas com força de vontade e continuidade de propósito,
logo estará. Fazemos essa advertência para que você tenha isso em mente quando
iniciar suas investigações nos incríveis reinos da psique que se encontram além
do subconsciente. Não se prenda ao cenário agradável – ele é muito bonito mesmo
– na medida em que caminha em direção ao centro de seu Ser. Sempre se lembre
que o objetivo é explorar e experienciar a essência de seu Ser. Portanto, não
se perca.
Na lição anterior (apostila IV, p. 19) nós lhe introduzimos a prática de japa. Finalizamos este tópico com mais
algumas técnicas.
Reflexão
A prática de japa pode trazer
benefícios maravilhosos se você reflete sobre o significado do mantra. Isso pode ser feito durante a
prática ou através do dia. Mas a necessidade de se conhecer o verdadeiro
significado do mantra precisa vir do
coração. A prática não trará resultados se a necessidade não vir do interior.
Cada mantra possui inúmeras camadas de
vibração que precisam ser exploradas. Você precisa se fundir com o mantra e experienciar tudo o que ele
evoca. Cada mantra representa algo
que não pode ser explicado em simples palavras. É preciso vivenciar o mantra. É por isso que no início nós não
aconselhamos as pessoas a se apegarem ao significado do mantra. Quando explicamos o significado do mantra para os iniciantes sua prática pode se tornar superficial,
pois o intelecto irá atuar em demasia na prática. Na verdade, você precisa
descobrir o significado do mantra por
si mesmo, pois nenhuma pessoa jamais poderá explicar o significado de um mantra para outra pessoa sem ferir sua
grandeza e profundidade. A explicação jamais transcenderá o abismo que existe
entre o significado verbal e a experiência direta.
O processo de reflexão no significado do mantra intensifica japa-sādhanā.
Mas isso é para os praticantes mais experientes que desenvolveram o poder de
penetração e inquirição da mente. Essas qualidades se apresentam nos
praticantes que possuem uma mente calma e unidirecionada. Portanto, não se
sinta obrigado a refletir sobre o significado do mantra durante a prática de japa.
Japa lhe proverá resultados
maravilhosos sem essa reflexão, mas ela leva aos frutos mais elevados de japa-sādhanā.
Devoção
A devoção é outro método poderoso para se intensificar a prática de japa. Ela deve ser praticada pelas
pessoas naturalmente inclinadas a adoração, pessoas que possuem um notável
caráter emocional.
Cada mantra é uma śakti, uma conexão direta com o divino.
Portanto, quando entoar seu mantra,
sinta que está comungando com a essência divina. Sinta amor em seu coração e ao
mesmo tempo esteja consciente de todas as associações que envolvem o mantra. Deixe que esse sentimento
interior de completude (bhava)
preencha todo seu Ser. Eventualmente seu coração entoará o mantra espontaneamente. Isso intensificará todo processo de japa.
Japa-sahita-dhyāna
A palavra sânscrita sahita
significa junto com ou combinado com. A palavra dhyāna significa meditação. Portanto, essa prática é a combinação de japa com consciência do símbolo interno
(antar-trāṭaka).
Se você entoa o mantra auṃ pode
utilizar seu símbolo correspondente como foco para sua atenção. Se você possui
um mantra pessoal e conhece seu
símbolo, use-o, caso contrário, escolha qualquer outro símbolo que possua
conexão com seu mantra. Se possui um iṣtā-devatā (deidade particular
escolhida para adoração), pode usar sua imagem (trāṭaka). Mas se não chegou neste nível de desenvolvimento, procure
as instruções de um professor qualificado.
Incidentemente, cada mantra está
inseparavelmente associado a um símbolo ou forma definida. Portanto, se sua
mente atinge um profundo estado de relaxamento, unidirecionamento e receptividade,
e se ela estiver completamente preenchida e energizada pela vibração sonora do mantra, o símbolo psíquico que possui
conexão direta com o mantra irá
surgir espontaneamente na percepção consciente. Indo neste caminho, você
encontrará a forma exata ou o símbolo de seu mantra.
O método é basicamente o mesmo que descrevemos na lição anterior, mas você
deve visualizar o símbolo escolhido na frente de seus olhos fechados. Se for
inclinado a adoração, pode praticar a devoção, conectando o mantra a deidade particular ou pode
refletir sobre o significado do símbolo e do mantra.
Se a sua mente não está direcionada será muito difícil visualizar uma
imagem clara. Portanto, nós primeiro recomendamos que você acalme a sua mente e
remova os construtos de pensamento que a distraem praticando os métodos 1 e 2
descritos na lição anterior (apostila IV, p. 23-4). Quando a mente se tornar
concentrada, então pratique japa-sahita-dhyāna.
Esta é uma prática mais difícil, mas é também mais poderosa. Sua consciência
deve fluir junto com o mantra, o
símbolo e a rotação da mālā. Se você
encontra dificuldade em manter uma imagem interior fixa, pratique os métodos
apresentados no módulo anterior.
Likhit-japa
A palavra likhit significa escrever. Portanto essa prática pode ser
chamada de japa ou repetição escrita. Ela envolve a escrita
da forma do mantra inúmeras vezes em
um diário. Por exemplo, você pode escrever o símbolo do auṃ: \\\\\\\. Mas pode também escolher o símbolo
que achar necessário.
As letras devem ser pequenas e bem claras. Isso aumentará a concentração.
Escreva cada símbolo com o máximo de cuidado, proporção e senso de beleza. Faça
com que cada símbolo seja uma obra de arte, pelo menos para você.
Na medida em que escrever cada mantra,
o entoe mentalmente. Isso pode não parecer uma prática meditativa, todavia ela
é. Se você escreve páginas e páginas de símbolos e simultaneamente entoa seus
respectivos mantras, estará induzindo
o equilíbrio e o unidirecionamento da mente. Se você associar a escrita com a
devoção e | ou a reflexão no seu significado, a prática será potencializada.
Essa é uma técnica muito difundida na Índia. Durante o mês de śravana, os hindus tradicionalmente
colhem inúmeras folhas de uma árvore chamada bilva. O mantra Auṃ Namaḥ
Śivāya é escrito nas folhas com pó vermelho e elas são oferecidas ao Senhor
Śiva. Essa prática é executada durante todo o mês e gera grande devoção.
Este é o tipo de técnica que pode ser executada aos domingos à tarde, ao
invés de se ler um jornal ou dormir.
Sumirani-japa
Este é um tipo de japa para ser
executada durante todo o dia. É geralmente feita com uma mālā de 27 contas, levada pelo praticante a todos os lugares, em
todas as ocasiões. No Ocidente isso não é nada prático, mas este é o método
tradicional. Para pessoas que empreendem um sādhanā
durante todo o tempo, essa é uma pratica efetuada continuamente. Quer dizer,
seja qual for à circunstância, a mālā
é circulada e o mantra é mentalmente
entoado. Com proficiência, essa prática continua até durante o sono. O objetivo
é fazer com que o mantra eventualmente
surja dos rincões mais profundos de seu Ser. Neste ponto, você não precisará
entoar o mantra, ele estará sendo
entoado o tempo todo espontaneamente. Todo seu Ser irá ressoar com o mantra. A mālā irá girar por si mesma. Isso transformará a mente em um
veículo incrivelmente unidirecionado e poderoso, o que trará frutos
bem-sucedidos a prática espiritual na medida em que induz o estado meditativo
profundo. É um método poderoso, mas não é nada prático a pessoa de mente comum.
É difícil fazer rotações na mālā
enquanto se conversa com o patrão, enquanto dirige um carro etc., mas é uma
prática que você pode tentar em um feriado, quando estiver caminhando ou nas
horas vagas. Se você entoa seu mantra
regularmente durante as horas de folga, eventualmente o mantra se manifestará automaticamente quando estiver executando
suas tarefas. Ele continuará sendo entoado no plano de fundo de todas as suas
ações. Esta é uma técnica poderosa que pode levá-lo a experiências elevadas.
Ajapa-japa
Essa é a repetição (japa) que
ocorre espontaneamente (ajapa) em
harmonia com os ritmos naturais do complexo corpo-mente. Nós lhe introduziremos
ao tema na próxima lição deste módulo.
Nota geral
Japa só se tornará poderosa na medida em
que for praticada com regularidade e sem falha.
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