Fernando Liguori
Estudos sobre as técnicas de Yoga
ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā.
Grupo de Estudos Kaula, 2014. Texto editado para internet a partir da apostila
do Workshop Pañca Dhārana: As Cinco Concentrações de Gheraṇḍa, Instituto Kaula,
2014.
No texto anterior, estabelecemos a conexão existente entre o pañca-dhāraṇā
exposto na Gheraṇḍa-saṃhitā, as instruções deixadas por Patañjali e
Gorakṣanātha em seus respectivos sistemas e a influência dos ensinamentos
contidos nas Upaniṣads do Yoga. Ao formular suas práticas de dhāraṇā,
Gheraṇḍa se baseou amplamente neste conjunto, com uma profunda inclinação as
técnicas de ākāśa-dhāraṇā contidas nas upaniṣads. Resumindo, as
técnicas de ākāśa-dhāraṇā incluem o cidākāśa, que lida com as
práticas de concentração em relação aos eventos, memórias e experiências que
ocorrem na dimensão do nome, forma e ideia. As experiências sensoriais externas
são testemunhadas no cidākāśa. O aspecto sutil, emocional e sentimental
é testemunhado e desenvolvido no hṛdayākāśa. A experiência prânica e
psíquica emana e é testemunhada no daharākāśa. Contudo, a fim de
reconhecer a experiência prânica e psíquica, a mente externa, a mente que está
ativa em nosso interior agora, tem de ser apropriadamente guiada e treinada.
Daharākāśa-dhāraṇā
No processo de treinamento da mente que envolve as técnicas de ākāśa-dhāraṇā,
existe um conjunto de práticas denominado pañcatattva-dhāraṇā ou
«concentração nos cinco elementos». Esse conjunto de práticas é dividido em
dois arranjos diferentes. No primeiro, os cinco tattvas físicos são
visusalizados e através disso uma profunda consciência sobre eles é adquirida. Por
exemplo, no corpo, que é feito do elemento terra, ocorre uma «dissecação»
profunda desse elemento, sua solidez material é explorada até que sua estrutura
atômica seja vista. No mesmo caminho, os outros elementos são visualizados. O
segundo arranjo envolve os kośas. Observar, analisar e compreender o pañca-kośa
desde o annamaya até o ānandamaya-kośa.
A fim de treinar a mente para que seja capaz de experimentar esses níveis
sutis e aspectos profundos dos tattvas e kośas, a fim de treinar
a mente para observar e compreender o processo que os envolve, é necessário seguir
um sistema de educação mental direcionado a experiência e conhecimento sutil da
personalidade.
No Yoga o conceito de personalidade é vasto.[1]
O conceito psicológico da personalidade se limita ao caráter, qualidades,
fraquezas etc. Contudo, de acordo com o Yoga, a personalidade é uma combinação
dos cinco kośas e suas experiências, pertencentes tanto à mente inferior
manifesta quanto a mente superior não manifesta.
Assim, os princípios básicos dessas duas técnicas distintas de pañcatattva
é o que praticamos na meditação. As outras técnicas são estruturadas em cima
dessas, como blocos de madeira que as crianças utilizam para construir suas
casas de brinquedo. Da mesma maneira, o que estamos tentando aqui é criar
uma estrutura dentro da mente onde as faculdades da consciência estão livres
para ver e experimentar coisas diferentes.
Estamos todos conscientes do processo respiratório que geralmente é visto
como algo meramente físico. Quando inspiramos os pulmões se expandem com o ar
que entra. Quando expiramos os pulmões se contraem com a saída do ar. Portanto,
o processo respiratório é bem físico mesmo, mas dentro desta experiência
física, experiências mais sutis se desenvolvem, o que nos leva a obter
diferentes visões a partir do processo físico.
O processo de intensificação
Quando começamos a sentir esse processo sutil nossa percepção muda. É como
ver o mundo com nossos olhos e com os mesmos olhos e visão percebê-lo de
maneira diferente, como se submerso. O órgão da visão, o olho, não muda. A
faculdade da visão não muda. É a percepção do olho que muda de um elemento para
o outro. Se abrirmos os olhos debaixo d’água notaremos que a visão está turva.
Até a percepção das cores será alterada. A percepção clara pode ou não estar
presente.
Na medida em que nadamos mais profundamente, o alcance da visão diminui,
mas ao mesmo tempo ela torna-se mais intensa, pois está confinada em uma área
restrita. Nesse processo nos tornamos mais conscientes. Quanto mais amplo for o
alcance da experiência sensorial, maiores serão as chances de se perder nela ou
em alguma parte dela. Quando o alcance da percepção está limitado, a
intensidade da consciência aumenta. Portanto mesmo em dhāraṇā,
quando tentamos unidirecionar as faculdades da mente dentro de um alcance
particular, estamos reduzindo a área de atenção e intensificando a consciência
mais e mais.
Isso está em pleno acordo com a filosofia exposta por Gheraṇḍa, pois nesse
processo de intensificação o corpo é a base. É a ferramenta de trabalho que
está sempre a sua disposição para ser experimentada a qualquer hora. Assim
existe um reconhecimento do estado físico: «consigo sentir meu corpo, ele está
aqui», mas ao mesmo tempo existe a consciência de seus estados sutis. Esse é um
ponto importante. Às vezes, na hora da prática, fazemos a afirmação: «torne-se
consciente de seu corpo», mas o que geralmente acontece é a percepção corporal
naquele momento. Quando dizemos «esteja consciente de algo além do corpo», algo
mais profundo e sutil do que a experiência física, queremos dizer que devemos
estar mais conscientes dentro daquele alcance limitado da visão. Esse é o
treinamento que fazemos nessas praticas de dhāraṇā. Reduzir o alcance
da percepção para que haja grande quantidade de consciência e concentração.
Por isso o corpo é à base de onde as experiências mais sutis se desenvolvem,
como ensina Gheraṇḍa desde o início na Gheraṇḍa-saṃhitā.
O primeiro corpo a se desenvolver depois do físico é o mental. Em pañcatattva-dhāraṇā,
a consciência do corpo mental inclui os quatro componentes da mente: buddhi,
citta, manas e ahaṃkāra, assim como sua vitalização e
gerenciamento. Acima de tudo, existe uma força que vitaliza o processo
cognitivo, provendo-lhe dinamismo. Existe um processo que faz nossas ambições e
desejos tornarem-se dinâmicos. Que processo ou força é essa?
Em termos gerais, é o prāṇa. Contudo, dissecando o conceito de prāṇa
em relação ao processo respiratório, o corpo sutil é energizado por seu aspecto
vitalizante. Essa é a primeira manifestação ou aspecto do prāṇa em
relação a dimensão grosseira. Geralmente é dito que prāṇa significa vitalidade,
mas esse é apenas um aspecto, visto como a força que vitaliza o corpo mental.
Corpo sutil aqui é um termo que descreve o processo mental profundo. O processo
mental superficial são os pensamentos, as ambições, os desejos etc. Podemos
resumir esse processo mental sutil em uma palavra: saṃskāra, as sementes
que dão nascimento aos nossos hábitos e comportamentos no dia-a-dia. Os saṃskāras
influenciam o caráter, as ações e os desejos. São sementes que figuram em uma
lista sem fim. No corpo sutil eles são energizados pelo prāṇa, visualizado
na forma de uma corrente de partículas de energia. O corpo de energia ou
psíquico é a dimensão onde essa energia está mais condensada e em atividade, na
forma vibrante ou pulsante «spanda», cheia de vida, cheia de cor, cheia
de calor, cheia de luz – multidimensional. Essa é a estrutura por trás do pañcatattva-dhāraṇā.
[1] Veja o artigo Yoga, os Cakras &a Mente de Swāmi Ṛṣi Vivekānanda Saraswatī para um conceito abrangente
sobre a personalidade segundo a psicologia do Yoga.
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