Fernando Liguori
Estudos sobre as técnicas de Yoga
ensinadas por Mahāṛṣi Gheraṇḍa ao seu aluno, o rei Caṇḍakāpāli na Gheraṇḍa-saṃhitā.
Grupo de Estudos Kaula, 2014.
Mahāṛṣi Gheraṇḍa ensina que devemos moldar o corpo no fogo do Yoga.
No oitavo śloka da Gheraṇḍa-saṃhitā ele diz: āmakumbha
ivāmbhasṭho jīryamānaḥ sadā ghaṭaḥ, yogānalena sandahya ghaṭhaśddhim samācaret,[1]
i.e. «O corpo invariavelmente se desfaz como uma vasilha de barro sem cozimento
quando submersa em água. Por isso se deve moldar o corpo no fogo do Yoga.»
Se uma vasilha de barro sem cozimento é preenchida com água, em pouco
tempo irá se desfazer. Mas se a vasilha cozida e endurecida pelo fogo é
preenchida com água, não irá se dissolver. O corpo humano deve ser entendido da
mesma maneira: ele somente amadurecerá através do fogo do Yoga. As
práticas de Yoga são essenciais para o desenvolvimento total do corpo.
Através desse exemplo, o sábio Gheraṇḍa explica que se o corpo for temperado
no fogo do Yoga, a energia produzida primeiro irá purificá-lo e depois desenvolverá
suas capacidades. O que o corpo precisa para ser proficiente? Qual é a
função deste corpo? Para começarmos a entender os ensinamentos de Gheraṇḍa,
primeiro precisamos compreender isso. Como é que o corpo pode contribuir para o
desenvolvimento espiritual?
A pureza do corpo referida aqui não apenas significa um corpo físico puro
e limpo. Significa alcance a pureza interior purificando o corpo. Gheraṇḍa
diz: yogānalena sandahya ghaṭhaśddhim samācaret, isso significa que a
energia produzida pela prática do Yoga é chamada de calor ou fogo
do Yoga. Através desse fogo, as desordens são removidas do corpo,
purificando-o e fortalecendo-o. Atingindo um estado físico puro, a mente também
se torna pura. O Yoga não acredita que a mente e o corpo sejam entidades
separadas, ao invés disso ensina que a mente e o corpo são entidades muito
próximas, intimamente relacionadas. Desordens no corpo criam desordens na mente
e vice versa. Qualquer tipo de mazela no corpo cria uma perturbação na mente e
qualquer tipo de perturbação na mente gera doença no corpo. Portanto, quando o
corpo está purificado através das práticas do Yoga, um estado puro de
mente ocorre espontaneamente. Quando o corpo e a mente estão sob controle e já
não existem desordens físicas ou mentais, então o adepto torna-se proficiente
para sustentar-se diante das pelejas da vida.
Equilíbrio interno
Tornar-se proficiente para sustentar-se diante das pelejas da vida ou
sobre as próprias penas para muitas pessoas pode ser sinônimo de contenda
contra a vida, a capacidade de lutar e manter-se de pé. Tornar-se proficiente
aqui significa habilidade de ser positivo, de se manter calmo nas situações
mais adversas. Não se trata de banir ou lutar contra a tristeza, dor ou
sofrimento, pois esse tipo de atitude equivocada gera mais tensão. A
conquista dessa capacidade ocorre quando o corpo e a mente estão puros, sem
nenhum tipo de desordem. Na ausência de mazelas, a mente torna-se
refinada e afiada.
Geralmente, as pessoas perseguem prazeres físicos ou vão atrás daquilo que
lhes possa promover. Por conta do esforço que colocam nessa direção, são bem
sucedidos. Mas quando algo dá errado e eles não conseguem o que querem, o que
se segue é o desapontamento. Gheraṇḍa explica porque, no curso da vida, as
pessoas se sentem fatigadas, seja fisicamente, mentalmente ou emocionalmente.
Ele diz que o yogī, em contra partida, não é assolado por tal fadiga. Gheraṇḍa
sustenta que essa fadiga não se trata do cansaço após um dia de labor. Trata-se
de virakti, quer dizer, desinteresse.
É normal escutarmos as pessoas reclamando que estão cansadas de lutar
contra a vida. Pessoas com esse tipo de programação mental não demonstram
interesse por mais nada. A mente não gosta de mais nada, como se já não
restasse nenhum desejo. Às vezes essa fadiga é tão profunda que não existe mais
interesse pela família, pela sociedade e principalmente, por si mesmo. A pessoa
não quer mais se alimentar, estudar etc. A falta de interesse é vista em todos
os aspectos da vida. Contudo, no dicionário dos yogīs essa palavra,
desinteresse, não está escrita.
Esse profundo sentimento de exaustão e desinteresse é criado quando o
passado persiste na mente, lado a lado com as preocupações acerca do futuro.
Quando o passado é associado ao futuro e não ao presente, nasce o estado de viraki,
indiferença, desinteresse. O yogī permanece não afetado por essas atividades
físicas ou mentais. Quando a pureza física e mental é conquistada, o antahkarana
é afetado. Ahaṃkāra, buddhi e citta são o três componentes
principais do antahkarana.[2]
Portanto, quando esse estado de pureza afeta o antahkarana, buddhi,
o intelecto, também é afetado e por conta disso se modifica. O intelecto que
normalmente está acostumado a correr atrás de prazeres sensuais espontaneamente
experimenta o autocontrole. A pessoa apenas busca por prazeres terrenos
quando existe um defeito em seu interior, como a luxúria por exemplo. Mas
quando qualidades positivas são criadas em seu interior, um intelecto positivo
também é criado. Nesse estado puro, elementos negativos não existem.
Em ātma-śuddhi, pureza interior, os elementos limitantes cessam sua
existência e o ego naturalmente se desintegra na medida em que é colocado sob
controle. Gheraṇḍa fala sobre a mesma pureza interior como a pureza de ghaṭa,
a vasilha de barro ou o corpo físico e seu conteúdo sutil. Até aqui, a
importância e o significado do Yoga foram discutidos. A partir deste
ponto começam as práticas.
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