Fernando Liguori
O Tantra nos oferece um caminho de autoconhecimento e evolução, em
direção à nossa natureza espiritual, sem dogmas e preconceitos contra as coisas
naturais da vida.
Este caminho denominado sādhanā somente nos pede como ingresso
uma visão crítica e madura da vida e de suas relações com as coisas da alma e
do corpo. Ele nos ensina que o Universo é um grande holograma fractal, onde o
Todo é idêntico às suas partes. O macrocosmos é igual ao microcosmos e o que
está em cima é o reflexo maior do que está embaixo.
A perda desta identidade
foi devido à sobreposição da mente sobre a consciência do Ser Real, que passa a
se confundir com o corpo e com o ego, passando a ver o mundo pelo véu da
ilusão. Entretanto, este ato ilusório não foi um acidente de percurso, mas a
forma pela qual podemos viver a experiência da manifestação no mundo das
formas, que cria a multiplicidade e a individualidade. Tal como o ser humano
precisa sonhar para jogar fora um pouco das experiências do estado de vigília,
assim o Absoluto vivencia seu grande sonho cósmico.
A recuperação da
identidade e da unicidade é o caminho da volta de um acordar conquistado pelo
livre-arbítrio que conduz a consciência para além dos limites da mente e dos
sentidos cognitivos. Neste caminho, o Tantra
e seus rituais ensinam o como sem impor nenhuma restrição dogmática, o
que lhe confere o rótulo de via áurea,
a via em que prevalecem o discernimento «viveka»
e a coragem, o saber e o sentir, o amor e a doação. Nesta via não há espaço
para o certo e errado, bom e ruim, bem e mal. Os pares de opostos se dissolvem
na visão do dharma, que nos mostra a
perfeição que rege a manifestação.
O sacramento do maithuna que soa para muitos como um
sacrilégio profano, é em verdade a real forma de união «yoga». É impossível a união com o Divino se o que Dele temos é uma
imagem equivocada. Īśvara, Īśvarī, Deus, seja lá qual a designação
dada ao Absoluto Pai-Mãe, este ser é perfeito e se desejarmos atribuir a Ele um
atributo, este será o amor.
Este Ser perfeito
manipula o Todo (Universo, Cosmos) com maestria, gerenciando o micro e o macro
com a mesma lei, a lei do dharma,
cujo reflexo mais importante é a dinâmica do karma, que constrói, dissolve e reconstrói.
Esta lei, do ponto de
vista do Absoluto, é Perfeição. Mas quando observada do ponto de vista do
relativo, que está individualizado e revestido pela ilusão «māyā-vidyā», que oculta a Verdade
gerando a ignorância, parece ser brutal. Assim, as espécies conflitam, as
galáxias se chocam e o buraco negro absorve o Cosmos para purificá-lo com o
alento de Śiva, e começar uma
nova criação.
Essa visão ampla da
realidade é o Tantra, e seus
rituais a descortinam elevando o praticante ao nível do divino pela dissolução
de suas amarras, a maioria das quais gerada pela visão pequena do Divino e da
lei do dharma. Os rituais tântricos
podem parecer heréticos, entretanto, isso não se deve ao ritual em si, mas à
forma com que as pessoas decodificam as coisas da vida. Quando a maldade faz
parte da mente uma minissaia fere o pudor.
Assim, não existe cópula
profana. São as pessoas que devem reaprender
a amar sem o sentimento profano. Portanto, a verdadeira cópula é sempre um
sacramento, e como tal deveria ser realizada em todas as ocasiões
independentemente das circunstâncias.
Muitos dos elementos que
compõem os rituais tântricos soam estranhos ou exóticos para a maioria dos
homens civilizados, tal como a ingestão de sangue menstrual misturado com
secreções vaginais, e ritos sexuais em campos de cremação, além de outras
práticas consideradas bizarras. Entretanto, existe certa psicologia por detrás
destas manipulações ritualísticas, que ensina ao postulante tântrico algo que
ele necessita descobrir. Aquele que queira descobrir o que é, aconselhamos uma séria ponderação a este respeito, pedindo
sempre que se lembre que qualquer juízo baseado em ideias preconcebidas pode
estar errado na grande maioria das vezes.
Na medida em que o Tantra é compreendido, o estudante
vai gradativamente conhecendo as amarras de sua estrutura mental, até o ponto
em que despido dos velhos paradigmas chega descobrir a Verdade.
O conceito de homem
civilizado possui inúmeros pressupostos equivocados, pois é este ser, dito
civilizado, quem tem a maior responsabilidade pelas mazelas sociais, e pela
destruição das espécies mais frágeis do planeta. Portanto, sua sapiência é
discutível frente à gigantesca espiritualidade e simplicidade dos verdadeiros
sábios. Enquanto muitos ditos sábios de várias tradições querelam e disputam
entre si esdrúxulos conceitos e técnicas sobre como fazer isto ou aquilo, o
tântrico sorri e segue seu caminho de prazer e comunhão sem restrição disto ou
aquilo.
Mas o assunto é muito
vasto e ainda existem muitas questões a serem analisadas e refletidas acerca do
tantrismo, que somente a experiência individual pode responder. Por isso, a
proposta do Tantra é a vivência
humilde, mas gloriosa do ritual e de sua magia, como uma forma de sentir a vida
e a relação entre cada um de nós e a hierarquia presente no Cosmos.
A mensageira dessa
relação é a Deusa, a figura feminina que não é uma metáfora, mas a presença
real da consciência dinâmica da manifestação em nós. Embora a Deusa
seja uma imagem antropomorfizada na figura da mulher, ela não é uma mulher, mas
a vibração oposta àquela denominada masculina, que também não representa o
homem. Essa vibração dita feminina «kula»
está presente no coração da manifestação do Cosmos «akula» e em particular é responsável pela vida em todos os
aspectos, formas e aparências. Ela está no homem e na mulher, nos animais e
vegetais, nos cristais e nas estrelas que formam as galáxias, que formam o
Cosmos, que forma a grande hierarquia divina. Como o Todo e a unidade, ela é a kuṇḍalinī-devī.
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