. quarta parte .
Fernando Liguori
[Satsanga realizado durante os
nove meses do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto
Kaula em 2011.]
A função de manas
A função de manas, que todos chamam de mente, é saṅkalpa e vikalpa,
quer dizer: vontade e dúvida. A manifestação de manas é percebida
através dos pensamentos. Os pensamentos que nos ocorrem são criados por manas.
Seja lá o que pensemos, é manas que está agindo, assim como quando
escrevemos, utilizando as mãos, a caneta e o papel. Quando estas três coisas se
unem a escrita nasce. Da mesma maneira, os pensamentos são criados continuamente
em manas.
Manas
está diretamente conectada aos sentidos. Ahaṃkāra, citta e buddhi
não estão diretamente conectados aos sentidos, mas manas sim. Tudo o que
vemos cria automaticamente um pensamento. Tudo o que tocarmos será
imediatamente reconhecido por manas. Todas as sensações: calor, frio,
peso, leveza etc. são percebidas por manas.
Como manas está diretamente conectada aos sentidos, cada um deles é
responsável pela criação de um pensamento, que pode ser claro ou confuso.
Quando o pensamento é claro ele é conhecido como saṅkalpa. Neste estado,
manas possui direcionamento e clareza, agindo de maneira correta e
apropriada. O mesmo pensamento, se não for claro, irá criar dúvidas e
questionamentos. Isso é uma clara indicação que não existe direcionamento ou
foco. Essa é uma expressão vikalpa da mente. Portanto, saṅkalpa e
vikalpa são as duas funções de manas: vontade e dúvida, clareza e
dispersão, criticidade e comparação.
Vocês já devem ter ouvido falar da história sobre a competição dos
arqueiros no épico Mahābhārata. O guru Droṇācārya estava ensinando a
arte do arco e flecha aos seus discípulos, membros das famílias Kaurava e Pāṇḍava.
Um dia ele decidiu testá-los. Colocou um pássaro de argila no galho mais alto
de uma árvore e disse a seus estudantes que eles deveriam acertar seu olho.
Chamando um a um, ele pedia que empunhassem o arco e esticassem a corda. Quando
estavam preparados ele perguntava: «o que você vê?» Uns diziam «eu vejo a
árvore», outros diziam «eu vejo as árvores, o céu, as folhas, a floresta». Para
cada uma dessas respostas Droṇācārya dizia: «abaixe o arco e a flecha, o teste
acabou». Quando foi a vez de Arjuna a resposta foi: «eu vejo somente o olho do
pássaro». Ouvindo isso o guru disse «atire a flecha» e ela acertou o olho do
pássaro.
Essa história demonstra a ação de saṅkalpa e vikalpa na
mente. Droṇācārya pediu que seus alunos atirassem no olho do pássaro, o que
indica que eles deveriam estar alerta, deveriam unidirecionar à energia da
mente focando-a no olho do pássaro. Apenas os alunos mais brilhantes poderiam
compreender as instruções do mestre. Arjuna era brilhante e pensou: «o guru me
instruiu a atirar no olho do pássaro, nada mais existe». Os outros pensaram:
«essa é mais uma daquelas competições, só o que devemos fazer é atirar». Isso é
vikalpa, confusão, dúvida. A mente de Arjuna era clara, focada e
concentrada. Isso é saṅkalpa. Ele viu o alvo e conectou sua mente a ele.
Nessa percepção unidirecionada, ele não via a árvore, suas folhas ou a
floresta; sua mente estava firmemente conectada ao alvo.
Nossa mente é estável e focada? Nós conseguimos controlar nossos
pensamentos? Uma breve análise provará que não. Nos sentamos para meditar e a
mente viaja até a praia. Tentamos trazê-la de volta, mas depois de algum tempo
ela foge novamente até a praia, em busca de comida, nos familiares,
acontecimentos da vida etc. Então tentamos trazê-la de volta. Isso significa
que os estados de saṅkalpa e vikalpa são constantes em nossas
vidas.
O gerenciamento de manas através de pratyāhāra e dhāraṇā
Os métodos para gerenciar saṅkalpa e vikalpa são pratyāhāra
e dhāraṇā. Estas são as duas técnicas do pātañjala-yoga para
organizar as funções de manas. Na Bhagavadgītā, quando Arjuna
pergunta a Śrī Kṛṣṇa como é possível controlar a mente, ele responde: «recolhendo
a mente da mesma maneira que uma tartaruga recolhe seus membros para dentro do
casco». O exemplo da tartaruga é muito oportuno, pois ela recolhe seis membros:
as quatro patas, a calda e a cabeça. Da mesma maneira, nós devemos recolher os
cinco sentidos mais a mente. É necessário recolher os sentidos pois eles estão
diretamente conectados aos objetos, o que cria a identificação com o mundo. Assim,
no intuito de recolher os sentidos praticamos pratyāhāra.
Os ensinamentos sobre pratyāhāra aparecem tanto na Bhagavadgītā
quanto no Yogasūtra. Essas escrituras trazem o mesmo ensinamento sobre o
tema: a necessidade de se recolher os sentidos para que a mente deixe de ser
inquieta. Não é necessário negar os objetos dos sentidos, mas ao contrario, nos
tornamos livres deles para que a mente se torne estável e quieta. Não devemos
negar os objetos dos sentidos, os desejos ou as paixões. Devemos apenas
observar e identificar com a finalidade de redirecionar sua energia. O método
para esse redirecionamento é pratyāhāra.
Ahaṃkāra, buddhi,
citta e manas foram definidos separadamente como quatro funções
distintas da mente, mas de alguma maneira, todas essas funções estão conectadas
entre si. Portanto, não devemos pensar que manas está completamente a
parte de ahaṃkāra, buddhi ou citta. Não devemos nos
enganar pensando que essas funções não operam juntas, integradas. Essa
compartimentação foi criada para facilitar o entendimento dos estados de existência,
sua relação com a vida e as experiências do dia-a-dia. Mas em verdade não existe
uma divisão clara. Assim, essa divisão só pode ser identificada apenas por
conta da função de alguma qualidade particular da grande mente.
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