Fernando Liguori
[O escrito que se segue é
a última parte da sequência de textos intitulada A Mente & o Gerenciamento de suas Funções, partes #1, #2, #3 e #4. Satsanga realizado durante os nove
meses do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto Kaula
em 2011.]
Outro aspecto da mente que deve ser compreendido são os vṛttis.
Todo tipo de comportamento mental nos ocorre na forma de vṛtti, uma
condição, uma modificação. Vṛtti deriva da palavra vṛtta, que
significa círculo. Portanto, vṛtti significa um círculo ou vórtice no
qual nos tornamos envolvidos e não conseguimos escapar, não conseguimos nos
livrar de sua influência.
A mente humana é muito fraca. As pessoas são facilmente influenciadas por
qualquer coisa. Não importa se as experiências que passamos são boas ou ruins,
de qualquer maneira elas irão criar um vṛtti na mente. A ansiedade é um vṛtti
da mente, da mesma maneira que a tensão e o estresse também são. A maneira como
percebemos a vida, pessimismo ou otimismo, negatividade ou positividade, tudo
isso são vṛttis. Vṛtti é uma condição e existem milhares de
condições que não reconhecemos porque nosso entendimento não é profundo ou
desenvolvido o suficiente.
Um vṛtti surge quando qualquer uma das funções da mente – manas,
buddhi, ahaṃkāra ou citta – se torna proeminente. Um
estado alterado na mente é experimentado, seja positivo ou negativo. Assim como
uma gota de tinta pode colorir um balde d’água, uma gota de ahaṃkāra, citta,
buddhi ou manas pode obscurecer a clareza da mente. Essa mudança
no estado natural da mente é chamada de vṛtti. Em outras palavras, vṛtti
é uma mudança no estado natural da mente que ocorre quando uma de suas funções
se torna proeminente.
Patañjali disse que a mente é experienciada através dos vṛttis, que
podem ser tanto prazerosos quanto dolorosos. Ele identificou cinco vṛttis
que, quando controlados, levam o praticante ao estado de dhyāna,
trazendo a mente sob o seu controle. O yoga de Patañjali para no nível
de dhyāna e não vai além disso. Samādhi é uma experiência, mas o
esforço, a prática, só vai até dhyāna. Para Patañjali o gerenciamento
das funções da mente é de suprema importância, pois é a harmonia entre essas
funções que proporciona o estado de dhyāna. Por esta razão ele
identificou os vṛttis que impedem a realização de dhyāna, o
estado meditativo, mas não identificou ou apontou todos os vṛttis.
Os cinco vṛttis mencionados por Patañjali são: pramāṇa, percepção
correta; viparyaya, percepção falsa; vikalpa, dúvida; nidrā,
sono; smṛti, memória.
Pramāṇa
esta associada a buddhi. Quando buddhi experiência algo, ele
conclui que o sujeito da experiência não é apenas uma conjectura, mas um fato
comprovado. O que foi experienciado pode ser provado. Como é que provamos o
gosto do açúcar? Pela experiência! Como provamos o calor do fogo? A experiência
é a prova. O que é percebível, visível, factual e serve de base para
qualquer tipo de experiência é pramāṇa. É a base do conhecimento e nunca
muda.
Viparyaya é bhrānti-jñāna, percepção falsa, equivocada. É aquilo que
supomos, que desconfiamos ou estimamos. Não é uma comprovação, mas uma
conjectura. Se vemos uma fumaça logo pensamos: «deve haver fogo em algum
lugar». Isso não é uma certeza pois não sabemos a causa da fumaça. Quando um
objeto distante não pode ser percebido diretamente ele é aceito pela mente como
uma conjectura. Se precisamos saber a hora de chegada de um ônibus podemos
pesquisar no site da empresa ou ligar para ela. A partir desse momento ficamos
esperando o ônibus chegar no horário, baseados na estimativa nos dada pela
empresa. Depois de algum tempo esperando percebemos que o ônibus não chega.
Então ligamos novamente e descobrimos que ele se atrasou. Existe a prova do
atraso mas a mente está conectada a estimativa. Isso é uma percepção falsa.
Vikalpa,
dúvida, é um estado no qual muitos pensamentos se aglomeram na mente. Nesse
estado não é possível seguir nenhum pensamento até sua fonte. A presença de
muitos pensamentos torna a mente iludida, sem clareza, discriminação ou
sabedoria. A dúvida é uma condição que subjuga a mente. As pessoas duvidam de
si mesmas, das outras pessoas, de Deus e até do guru. A dúvida se encontra em
toda parte, em todas as pessoas. Se eu passo perto de um aluno na rua e não o
cumprimento ele pensa: «o professor está chateado comigo». A dúvida ocorre e
perturba a harmonia da mente. Se estou conversando e dando boas gargalhadas com
alguém outro aluno pensa: «estou aqui faz um bom tempo e o professor não me dá
atenção». Essa dúvida, essa desarmonia no estado natural da mente, é um vṛtti.
A dúvida dá nascimento ao ciúme, a inveja, o ressentimento e outras tendências
negativas. O problema é que o quintal de nossa casa está repleto de
negatividades como estas. Ciúme, raiva, avidez são ervas daninhas que nascem no
nosso jardim. Enganados, cegos e iludidos, nós cultivamos e cuidamos dessas
ervas daninhas como se fossem rosas de libertação. Nós as protegemos e
desejamos que elas cresçam fortes e saudáveis. Ao invés de nos identificarmos
com a sabedoria, nos identificamos com essas tendências negativas.
Com a mente repleta de negatividade torna-se cada vez mais fácil nos
identificarmos com situações ou objetos de natureza restritiva ao invés de nos
identificarmos com coisas que nos elevam, que nos edificam. A dúvida sempre dá
nascimento a vṛttis negativos e a vontade objetiva sempre dá nascimento
a vṛttis positivos. A vontade fortifica o que é positivo enquanto que a
dúvida fortifica o que é negativo. A vontade torna a mente clara, afiada,
criativa, dinâmica e vibrante; a dúvida obscurece a mente.
Patañjali aponta nidrā, sono, como um vṛtti, um estado
mental alterado caracterizado pela ausência de consciência por um período de
tempo. A falta da luz durante a noite não indica que o mundo não exista, mas a
ausência de percepção. O mundo continua a existir, mas existe uma inabilidade
em percebê-lo. Similarmente, nidrā é a ausência de consciência nas
dimensões da mente, enquanto que a presença de consciência nessas dimensões
representa o estado de vigília, onde nos encontramos acordados, ativos e
alertas. Assim, ausência de consciência indica estado de sono. Os vṛttis
são ativos no estado de vigília e na ausência de consciência eles são gerados
na forma de nidrā, sono ou desconexão.
O quinto vṛtti identificado por Patañjali é smṛti, memória,
um aspecto de citta. Smṛti também é um estado mental alterado
onde existe a ausência de consciência. Quando estamos perdidos em nossas memórias
ocorre um esquecimento do presente e do universo ao nosso redor, perdemos a
conexão com a realidade e o mundo exterior. Nesse momento não estamos
conscientes da mente, do meio ambiente, das responsabilidades e deveres. Smṛti,
na forma de memória que se torna visível ao dominar a mente se torna um vṛtti.
De acordo com Patañjali, os cinco vṛttis são aquilo que
necessitamos saber, entender e ir além a fim de se conquistar o estado de yoga.
Os vṛttis nascem devido à associação da mente com os sentidos. Se a
mente não se conectasse aos sentidos os vṛttis não nasceriam. Os sentidos
percebem um objeto e criam um desejo na mente. Através dessa união indevida
a mente torna-se presa em seus próprios turbilhões. Portanto, união entre
desejo e objeto, sentidos e mente, dá nascimento aos vṛttis.
A experiência dos vṛttis é interna, mental. Eles modificam o estado
natural da mente. O vṛtti em plena ação influencia os pensamentos e o
comportamento. O yoga ensinado por Patañjali tem como objetivo controlar
estes vṛttis. O sábio ensina que se um vṛtti existe, ele sempre irá
influenciar a mente e fará com que ela se torne dissipada. Uma mente dissipada
não pode agir concentrada, focada ou unidirecionada. Ela não conquistará
estados meditativos profundos, não experimentará o samādhi ou até mesmo o
equilíbrio na vida. Portanto, é nossa intenção nos livrarmos destes
condicionamentos que perturbam a mente e alteram seu estado natural. Como
entendê-los e modificá-los?
Patañjali utilizou uma expressão significativa: vṛtti-nirodha. Ele
não utilizou a palavra virodha, ou seja, oposição. Ele não disse
que devemos nos opor a estes estados mentais ou lutar contra eles. As
pessoas geralmente praticam virodha. Quando nos sentamos para praticar japa
ou meditação percebemos que a mente está correndo e dissipando suas energias
para todas as direções possíveis. Os praticantes costumam lutar contra a mente
para que ela possa se tornar focada e adentrar em níveis profundos de meditação.
Existe a oposição ao vṛtti que dissipa as energias da mente, mas o yoga
não ensina virodha ou avarodha, supressão. O yoga
ensina nirodha, cessação.
Nirodha significa interromper o processo que está
acontecendo. Se a água está saindo
pela pia, fechamos o registro e interrompemos sua saída. Um pensamento nos
ocorre e jogamos a luz vermelha sobre ele. Outro pensamento se precipita na
mente e novamente jogamos a luz vermelha nele. Nesse processo, naturalmente o número
de pensamentos irá ser reduzido. Nirodha então significa dar direção adequada
a um processo natural, não nos opondo, mas redirecionando seu fluxo. Na
hora da prática a mente pode se tornar ansiosa porque percebemos que ela não
está conectada. Nesse momento uma luta se inicia porque queremos nos beneficiar
com a meditação, então começamos a confrontar a mente, praticando virodha.
Quando começamos a compreender esse processo mais profundamente modificamos
nosso comportamento. Se observamos que a mente não está conectada a prática,
com paciência e suavidade, sem julgá-la ou condená-la, apenas lhe trazemos para
o presente, para o objetivo da prática. Sem tensão. Naturalmente ela diminuirá
seu ritmo e se tornará unidirecionada.
Se uma gota de tinta preta cai em um balde d’água, não importa; apenas não
devemos deixar dez gotas caírem. Devemos aceitar o que está acontecendo sem nos
opormos, tomando cuidado para não intensificar o processo. Ao mesmo tempo,
devemos tentar purificar o obscurecimento que já se estabeleceu. Fazemos isso
adicionando mais água ao balde. É isso que conquistamos através das práticas
ensinadas por Patañjali. Gerenciar os vṛttis e estabelecer harmonia
entre as funções da mente é o cerne do yoga contido no Yogasūtra.
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