Fernando Liguori
Em
decorrência de algumas dúvidas acerca da realização do diário espiritual,
elaboramos esta lição com instruções mais detalhadas, ressaltando o valor do
diário no sādhanā e sua importância no processo de crescimento interior.
A fim de avaliar seu progresso no caminho espiritual, todo praticante de Yoga e meditação deveria manter um
diário espiritual. O diário é o açoite da
mente. Ele é seu professor e guia. Ele irá ajudá-lo a remover seus aspectos
negativos e a ser regular em sua prática espiritual (sādhanā). Ele mostra o caminho para liberação e o repouso na
bem-aventurança divina. Portanto, todos aqueles que aspiram à realização
espiritual devem manter um diário onde possam anotar todas as suas ações.
Com isso, rapidamente progredirão no caminho espiritual.
Anote tudo em seu diário. Não esconda suas fraquezas ou
defeitos. É para corrigi-lo e transformá-lo, é para remover suas fraquezas e
defeitos, é para desenvolver uma natureza espiritual e auxiliá-lo no caminho da
auto-realização que este diário é mantido. Se você for sincero, então o diário
irá se transformar no mestre silencioso que abrirá seus olhos e irá dirigi-lo
rumo à conquista espiritual.
O diário irá lhe ensina o valor do tempo. No final de cada mês você poderá
calcular o número total de horas que despendeu executando japa, estudando livros espirituais, sādhanā, sono etc. Assim saberá quanto tempo gastou com propósitos
espirituais e quanto tempo gastou desperdiçando energia. Dessa maneira será
capaz de aumentar gradualmente o tempo de japa,
meditação etc. Se você mantiver um diário, sem falta em suas anotações, não quererá
gastar um minuto de seu tempo com coisas desnecessárias. Somente assim você compreenderá
o valor do tempo e a maneira de administrá-lo.
Na medida em que mantém um diário você terá que estabelecer resoluções (saṅkalpa) versáteis que estejam em
concordância com suas capacidades e circunstâncias, mantendo-as a qualquer
custo. Existem resoluções positivas e negativas. Quando uma resolução negativa
aparecer espontaneamente por conta da natureza grosseira da mente, imediatamente uma resolução positiva, oposta,
deve ser executada. De outra forma, as resoluções negativas irão criar
complexos indesejados. É claro, a resolução positiva pode não funcionar, muitas
vezes por conta da inabilidade em se projetar o poder da vontade e manter seu
foco unidirecionado, mas é melhor tentar e falhar do que nunca ter tentado. Mahaṛṣi
Patañjali em seu Yogasūtra (II: 33)
ensina o método que ele denominou de pratipakṣa-bhāvanam:
[Quando] acorrentado por pensamentos
negativos, [seus] opostos [positivos] devem ser cultivados. [Isto é] pratipakṣa-bhāvanam.
No caminho da auto-transformação somos açoitados por pensamentos negativos
e paixões (vitarka) devido a velhos hábitos
e tendências que criam perturbações e desequilíbrios internos. Ao invés de
ceder a eles ou mesmo racionalizá-los, Patañjali descreve uma ação direta: o
cultivo ou a ponderação sobre pensamentos opostos (pratipakṣa-bhāvanam). Por exemplo, se você estiver cultivando a
honestidade e no seu caminho só aparecem pessoas desonestas e bem sucedidas,
pode vir a pensar negativamente que apenas praticando a desonestidade poderá
conquistar algo de valor na vida. Isso é vitarka,
o lado errado ou negativo do argumento. Quando este argumento negativo é
cultivado na forma de uma resolução constante, cria-se um desequilíbrio na
mente, o que pode desajustar a caminhada do aspirante. Nesta situação, o oposto
da desonestidade, que é a honestidade, deve ser cultivado na forma de uma
ponderação e resolução sobre o assunto. Portanto, quando vier a mente que a
honestidade não é um valor cultivável e que ninguém recebe nada por ela, você
deve estar preparado com um argumento e resolução oposta de que é somente através
da honestidade que poderá ser bem sucedido no caminho espiritual. Isso se
aplica a inúmeros sentimentos, paixões e pensamentos negativos. Se você sentir
ressentimento em relação a alguém, desenvolva pensamentos de perdão. Se houver
medo, cultive resoluções corajosas que aumentem a confiança em si mesmo.
Para contrariar as tendências enraizadas de pensamentos negativos,
requer-se o uso regular e diligente do saṅkalpa.
Como temos visto nos nossos estudos, a mente é como um computador que opera
segundo sugestões que foram programadas desde a tenra idade, sugestões danosas
que causam sofrimento e infelicidade na vida. Estas sugestões vêm de nossos
pais, amigos, professores, da mídia, símbolos e valores culturais que permeiam
o mundo. O processo de cura interior requer que cada um de nós enfrentemos
todas as emoções e pensamentos negativos de maneira hábil, sem suprimi-los.
Isso nós podemos conquistar com o cultivo do saṅkalpa, a resolução positiva. Como sugestão, identifique e classifique em seu diário os pensamentos negativos
habituais. Cultive resoluções, afirmações e auto-sugestões opostas às
tendências negativas de sua personalidade. Cultive a prática consciente dos dez
códigos de reprogramação mental e pondere sobre pensamentos positivos
associados a sugestões incisivas. Pratique o perdão e baikharī-brahmacarya.
Anote todas as dificuldades e complexos que possam surgir e preserve essas
anotações no local onde executa seu sādhanā.
Quando se sentir impaciente e deprimido, vá ao seu local de prática, medite um
pouco e então leia suas anotações e resoluções. Isso lhe trará paz mental e
removerá os sentimentos de negatividade e dúvida.
Como fazer seu diário
As questões abaixo foram compiladas de maneira que possam servir a
qualquer temperamento. Distribua essas perguntas em colunas a cada semana no
seu diário, deixando um espaço adequado após cada uma para anotações diárias.
Após a anotação diária deixe um espaço em branco para a anotação do total de
horas que despendeu com sono, sādhanā,
número de voltas na mālā na pratica de
japa etc. Após um mês, estude as
anotações que fez através da auto-observação sincera e honesta, traçando assim
o seu progresso. Outro método de acessar a si mesmo é computando o número total
de horas que aumentou em sua prática ou o número de respostas positivas ou negativas referentes às questões, uma vez na semana, colocando as anotações
em um gráfico de análise pessoal. Após a execução das anotações no gráfico, no
período de três meses, compute o número total de qualidades; assim você poderá
acessar o seu padrão psicológico.
Baseado nestes dados, poderá analisar a si mesmo. Pela introspecção profunda
você aguçará a consciência de seu comportamento e de como sua mente funciona em
diferentes situações e circunstâncias.
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U E S T Õ E S P A R A O D I
Á R I O E S P I R I T U A L .
1. Que horas você se
levantou essa manhã?
O propósito desta questão não é fazer com que se levante bem cedo pela
manhã, induzindo uma luta contra sua natureza, mas reestruturar as bases de
seus hábitos. Portanto, o que aconselhamos é a disciplina gradual, semana após
semana, mês após mês, da hora para se levantar. Quanto mais cedo, melhor, para
qualquer um.
2. Por quantas horas você
dormiu?
Muitas pessoas se confundem com essa questão porque não sabem o quanto
devem dormir. O tempo necessário de sono, aquele que podemos dizer ser
essencial, é o tempo requerido para descarbonização apropriada do sistema, o
que difere de indivíduo para indivíduo. O tempo médio requerido para
intelectuais é seis horas de sono; para trabalhadores braçais, oito horas; para
sādhakas (praticantes), quatro horas.
Quem alcançou o samādhi
definitivamente não precisa dormir. As pessoas que dormem em excesso acumulam
toxinas no organismo. Se não, podem ocorrer supressões psicológicas ou tensões
profundamente enraizadas. Uma pessoa normal, com jornada de trabalho de oito
horas por dia, não precisa de forma alguma dormir demais. Você pode diminuir as
horas de sono empreendendo uma dieta sattvica.
3. Quanto tempo durou sua
prática de āsana e prāṇāyāma?
Selecione alguns āsanas que
estejam em concordância com sua natureza, quer dizer, que estejam efetivamente
trabalhando para sanar seus desequilíbrios ou execute aqueles que seu guru ou
professor lhe instruiu a fazer. Pratique com regularidade. Após a prática de āsanas, execute prāṇāyāma. O tempo despendido nessa prática pode ser de trinta a
noventa minutos.
4. Quantas voltas na mālā
você executou enquanto praticava japa? Quanto minutos durou sua meditação?
Isso é importante. Portanto, tome a resolução de fazer um determinado
número de voltas na mālā ou determine
um tempo para prática todos os dias. Entusiasmo em demasia não é bom. Japa pode ser feito com seu guru-mantra ou com qualquer mantra universal.
5. Quanto tempo você
despendeu praticando karma-yoga?
Escreva o número total de horas que você trabalhou. Se você executa cada
ato de forma cuidadosa e consciente, isso se torna karma-yoga. É karma
quando você age automaticamente. É karma-yoga
quando você atua com consciência em cada ação. Quando você age desatentamente,
suas ações são kármicas. Através da prática do karma-yoga você desenvolverá uma atitude desapegada e não será
afetado por influências externas. Quando você completa uma tarefa com desapego,
sente-se em paz. Karma-yoga é o
melhor método para se desenvolver o desapego. Cada pensamento, palavra e ação
devem ser acompanhados de total consciência. Se você cultiva a consciência, a
qualidade de seu desapego se refinará com o tempo. Sucesso e falha, vitória e
derrota, prazer e dor não terão efeito sobre sua mente.
6. Quantas vezes você se
irritou hoje? Qual foi o processo de auto-retificação?
Se você se zangou, ficou chateado, se irritou e passou dos limites,
precisa retificar-se. Como símbolo de punição, um tratamento adequado deve ser
iniciado. Se você não consegue disciplinar a si mesmo ao ponto de parar de
executar atitudes indesejáveis, toda vez que cometê-las, terá que se auto-impor
uma punição cumulativa por um mês, por exemplo, pelas atitudes negligentes. Não
existem benefícios ao se entregar a um sentimento de fúria e por conta desta
atitude indiscriminada e insensata, você tem que corrigir a si mesmo. Peça
desculpas a pessoa ofendida e lhe garanta que irá se corrigir. Você deve
decidir a forma em que irá retribuí-la por suas atitudes. De qualquer maneira,
nunca aja quando estiver com a mente em estado de guerra. Aja apenas quando sua
mente estiver positivamente disposta.
7. Qual virtude você está
tentando cultivar?
Primeiro, faça uma resolução para o cultivo de uma virtude, que seja muito
difícil de conquistar. Por exemplo, você pode fazer uma resolução para diminuir
a fala, evitando conversas fúteis e desnecessárias. Assim, mês após mês você
continua cultivando virtudes como a tolerância, obsequiosidade etc.
Se você obtiver sucesso mantendo a virtude desejada, marque sim na coluna, se não, marque não.
8. Qual defeito você está
tentando eliminar?
Não tente eliminar um defeito muito difícil no início da jornada. Comece,
por exemplo, com uma resolução para deixar de proferir palavras rudes.
Posteriormente você trabalha o ciúme, o julgamento inadequado etc.
Se você obtiver sucesso erradicando o defeito indesejado, marque sim na coluna, se não, marque não.
9. Você tem falhado em
manter brahmacarya?
Luxúria, atração e fascínio sexual, sonhos eróticos etc. são um desvio na
execução de brahmacarya. Tudo deve
ser anotado no diário.
10. Você tem
experienciado à ganância em sua vida?
Aqui se inclui a gula, a ganância por roupas, posição social, poder, fama
etc.
11. Quanto tempo você tem
despendido com o auto-estudo?
Swādhyāya ou auto-estudo é um importante aspecto
da vida espiritual. Pelo menos uma hora por dia devia ser dedicada ao estudo de
si mesmo. Livros devem ser cuidadosamente selecionados a fim de que possam
provê-lo de conhecimento espiritual.
12. Quanto tempo você desperdiçou
executando ações inúteis?
Aqui inclui a tagarelice, a fofoca, o tempo gasto com novelas, revistas,
jornais, programas de TV, jogos, filmes e sonhos utópicos.
13. Quanto tempo você
despendeu praticando mouna?
Reserve um período de tempo diário para prática de mouna (silêncio). Por exemplo, pratique mouna de 18:00 às 6:00hs ou pratique por todo dia, uma vez por
semana.
Aqui inclui também a prática de baikharī-brahmacarya,
i.e. a continência verbal. Essa é uma
maneira saudável de nos relacionarmos com nossos julgamentos. Uma vez que o
julgamento é inerente a natureza humana, devemos cultivar uma atitude de
desapego em relação a ele. Isso significa considerar que muitas vezes o
julgamento terá um valor relativo e pode estar sujeito a reavaliações e
ajustes. Aferrar-nos com unhas e dentes a uma opinião pode nos levar a erros e
situações desnecessárias de sofrimento.
A fim de que possamos purificar o psiquismo, encontramos um processo
fundamental no Yoga chamado antaḥkaraṇa-śuddhi. Para executá-lo
precisamos fazer um exercício de continência verbal (baikharī-brahmacarya). Vamos usar novamente o exemplo do
julgamento: se o julgamento for abonador, compassivo, amistoso, pacífico ou
neutro, temos todo direito de expressá-lo em público. Mas se, pelo contrário, o
julgamento tiver conteúdos conflitivos, críticas desmedidas ou que possam
machucar alguém, seria melhor ficarmos calados, guardando estes conteúdos para
nós. Este exercício treina a mente, deixando-a tranquila e objetiva, onde há a
predominância de pensamentos harmoniosos. Para isso acontecer de maneira
saudável, podemos sublimar a tendência de falar mal dos demais cantando mantras ou cultivando o silêncio
compassivo.
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