Fernando Liguori
Instruções dadas aos alunos do Curso de Aprofundamento em
Yoga & Āyurveda, ministrado pelo Instituto Kaula, 2012.
O objetivo principal de
nosso curso é ajudá-lo a executar uma prática de Yoga segura que esteja em conformidade com sua natureza. Nessa
seção, vamos introduzi-lo nas práticas principais que compõem um sādhanā. Trataremos de ṣaṭ-karmāṇi, āsana, prāṇāyāma, mudrā, bandha, kuṇḍalinī-kriyā e
outras técnicas meditativas como mantra-japa,
ajapa-japa, trāṭaka, cidākāśa-dhāraṇā,
antar-mouna, yoga-nidrā, bem como cakra-sādhanā,
uma série de práticas específicas para purificação dos cakras e das nāḍīs. A
cada lição trataremos da prática e teoria e na medida em que avançarmos em
nossos estudos, você poderá construir seu sādhanā
sem maiores impedimentos.
Como este curso tem uma
orientação terapêutica, tente ver a sua prática como um remédio controlado que
você tem de tomar diariamente, uma necessidade de cura física, mental e
espiritual. Como falamos anteriormente, o maior auxílio que o Yoga pode proporcionar é através do
estilo de vida que ele ensina, é através da prática de sua filosofia no
dia-a-dia. Se você tiver um sentimento de sacralidade com relação a sua prática
de Yoga, notará que seu desejo por
estar ao lado dela é sempre renovado. Se você estiver consciente da capacidade
de cura que a prática do Yoga pode
proporcionar a sua consciência, fará dela sua melhor amiga, uma ferramenta de
trabalho leal que irá lhe acompanhar em todos os momentos de sua história de
amor com a Śakti interior (svaśakti).
A tradição ensina que o
melhor horário para o sādhanā é de
4:00 às 6:00 a.m. Este horário conhecido pelo nome brahmamuhurta, é considerado o período ideal para execução de
práticas espirituais, pois permite a consciência atuar sem maiores impedimentos
nas camadas mais profundas da mente.1 No entanto, a prática pode ser
executada a qualquer momento. Antes de se deitar, à noite, é um excelente
horário para prática meditativa. O corpo está mais propenso ao relaxamento,
pois esgotou muito de sua força despendendo energia nas atividades diárias.
Os āsanas, prāṇāyāmas, ṣaṭ-karmāṇis, mudrās, bandhas etc. abordados
neste curso são técnicas tradicionais do haṭha-yoga,
conforme transmitidas pelos haṭha-śāstras
clássicos: a Haṭhapradīpikā de
Svātmārāma Yogīndra e um de seus comentários mais famosos, a Jyotsnā de Brahmānanda; a Gheraṇḍasaṃhitā, uma coleção de ensinamentos
do sábio Gheraṇḍa a seu discípulo, Caṇḍakāpāli; a Śivasaṃhitā, uma escritura atribuída ao próprio Senhor Śiva e o Siddhasiddhāntapaddhatiḥ, escritura
atribuída ao formulador do haṭha-yoga,
Gorakṣanātha, considerado por muitos adeptos como uma encarnação do Senhor Śiva;
e outras escrituras importantes como a Gorakṣaśataka,
a Yoga-cudamāṇi-upaniṣad e a Ṣaṭ-cakra-nirūpaṇa. As práticas com os cakras, que vão desde a execução do āsana a realização de técnicas avançadas
de visualização e meditação são ensinamentos tradicionais do kuṇḍalinī-yoga. Como a meditação é parte
essencial do sādhanā, nos preocupamos
em preparar um leque de práticas meditativas que levam aos estados de pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna e samādhi, conforme estabelecidos por
Patañjali no Yogasūtra.
A prática que propomos
recebe o nome de sapta-sādhanā
(prática espiritual de sete etapas) ou saptāṅga-yoga
(Yoga de Sete Membros). Cada etapa do
sādhanā é um pré-requisito para
execução de técnicas mais avançadas. O sapta-sādhanā
divide-se em:
1. Ṣaṭ-karmāṇi
2. Āsana
3. Prāṇāyāma
4. Pratyāhāra
5. Dhāraṇā
6. Dhyāna
7. Samādhi
Estes sete passos são
seguidos na execução do sādhanā. Sua
estrutura é bem precisa e sistemática. Portanto, há um consenso entre os gurus
de que a seqüência de prática seja acurada. Primeiro vem à purificação física,
dividida em três práticas. A primeira técnica de limpeza é neti, a limpeza nasal, que purifica a região da cabeça. A segunda
prática de limpeza é dhauti, que
envolve a região da garganta até o estômago. A terceira prática é uma técnica
de limpeza excretória conhecida como basti
ou enema yogī, que envolve o
intestino grosso e delgado.
Estas três práticas são
físicas em natureza. O objetivo é eliminar as toxinas e demais impurezas
acumuladas no organismo devido a maus hábitos tanto na alimentação quanto no
estilo de vida. Uma vez que as toxinas tenham sido eliminadas, o corpo
experimenta um estado de purificação que ajuda no equilíbrio tão necessário aos
órgãos internos e externos. Os textos yogīs
atestam que a doença experimentada é causada pelo desequilíbrio e má utilização
da energia vital. Com o objetivo de suprimir esta condição de desequilíbrio, estas
três técnicas preliminares são prescritas como primeiro passo na execução do sādhanā.
O haṭha-yoga clássico apresenta seis técnicas de purificação
denominadas ṣaṭ-karmāṇi. No processo
de construção de nosso sādhanā vamos
executar algumas destas práticas de purificação.
O segundo passo é a
execução das posturas. Os āsanas
removem doenças porque reequilibram e regulam os prāṇas, nāḍīs e cakras. Muitas doenças surgem devido ao
desequilíbrio na infra-estrutura prânica que supre o sistema nervoso, glandular
e todos os outros sistemas corporais e seus órgãos correlatos. Cada āsana está designado a remover
determinados bloqueios prânicos das nāḍīs,
permitindo que a energia vital perpasse todo organismo de forma regular e
contínua. Os āsanas também estimulam
e regulam os cakras, reequilibrando a
energia dos prāṇas e nāḍīs nestas áreas. Portanto, a prática
regular de āsanas harmoniza e regula
os campos de energia no corpo, cujo resultado é a remoção de todas as doenças.
O terceiro passo é a
execução do prāṇāyāma. A respiração é o meio através do qual adquirimos
consciência do movimento prânico, ou seja, a expansão e o relaxamento do prāṇa. Por ser muito difícil se
aprofundar na experiência do movimento do prāṇa,
inicialmente é necessário utilizar a respiração a fim de se internalizar as
faculdades sensoriais. A prática do prāṇāyāma
realmente começa quando a consciência prânica envolveu todos os aspectos da
mente. São três os aspectos do prāṇāyāma:
1. consciência do prāṇa; 2. prāṇa-nigraha e; 3. Expansão do prāṇa. Isso ficará claro no
decorrer de nossos encontros.
A Yoga-cudamāṇi-upaniṣad associa o prāṇāyāma a remoção dos pecados: prāṇāyāma se torna o fogo para o combustível do pecado (verso 108). O maior obstáculo no despertar
espiritual são os bloqueios gerados pelo karma
e os saṃskāras armazenados no mais
profundo substrato da consciência. O que estes versos (108 e 109) querem dizer
é que prāṇāyāma se torna o fogo para
o combustível dos pecados, queimando-os, junto com seus karmas. A retenção respiratória (kumbhaka), é um requisito importante para o despertar da kuṇḍalinī, pois ela aumenta a quantidade
de prāṇa no organismo e intensifica a
concentração. Neste caminho, a kuṇḍalinī-śakti
é rapidamente desperta de sua morada no mūlādhāra-cakra
e ascende através da suṣumṇā-nāḍī. Portanto, quando prāṇāyāma é praticado para despertar a kuṇḍalinī, ele leva ao estado meditativo
e samādhi, onde todos os karmas são finalmente queimados.
Os karmas são cordas invisíveis que aprisionam nossas almas ao mundo.
Nunca estaremos livres das tendências ordinárias mundanas enquanto os karmas permanecem ativos em nosso
interior. Prāṇāyāma é um método de
desativar ou queimar os karmas.
Portanto, ele sempre foi considerado pelos yogīs
como a grande ponte que cruza o oceano do saṃsāra.
As impurezas da mente (vikāra) são inerentes a todos os
pensamentos, memórias, idéias, desejos e aversões. Elas continuam surgindo e se
associando aos objetos e relacionamentos mundanos, ao invés de nos direcionarem
ao ātman. Vikāra também pode ser compreendido como impressões mentais dos karmas ou impressões subliminares. Essas
impurezas mentais não podem ser removidas até que possam ser reconhecidas pelo
que elas são. Isso requer um aprofundamento meditativo, pois vikāra é um processo sutil e prolífico.
Ele cria e recria a si mesmo na mente na medida em que se associa com cada
experiência na vida.
Quarto passo: não é
possível reconhecer e identificar as impurezas da mente enquanto os sentidos
estão externalizados, criando mais associações e impressões. Portanto, é
imperativo impedir esse processo retraindo os sentidos e a mente (pratyāhāra) dos objetos externos e
internalizando a consciência nas dimensões mais profundas da mente. Assim, a
energia mental que normalmente é dissipada pela mente e os sentidos no mundo
exterior pode ser redirecionada para o interior na medida em que observamos
conscientemente os pensamentos e impressões surgindo dentro da mente, dos
rincões mais profundos e inacessíveis. Dessa maneira, a consciência é treinada
a funcionar atentivamente dentro da mente, como se estivesse do lado de fora.
A consciência deve ser
treinada para perceber o campo mental e todos os construtos pensamento que surgem
nele. Na medida em que a mente aprende a reconhecer as diferentes impressões (vikāra), sem se associar ou se
identificar com elas, o processo de limpeza mental se inicia. Este é um
processo lento e metódico conhecido como citta-śuddhi
(purificação mental). Gradativamente, a consciência observa e descarta cada
construto pensamento e impressões que surgem até que a mente esteja vazia e
quieta. Essa é a maneira pela qual os yogīs
removem as impurezas mentais pela prática de pratyāhāra.
O quinto passo é dhāraṇā, a concentração unidirecionada.
Este estado da meditação não pode ser experienciado pela mente dissipada e
fragmentada. Portanto, dhāraṇā vem
após a proficiência em pratyāhāra. As
impurezas mentais que causam distúrbios na mente devem ser removidas para que
ela se torne calma, tranqüila e estável. Então a concentração unidirecionada
pode ser praticada por meio da estabilidade mental adquirida. Existem muitos
estágios de dhāraṇā antes que a
concentração seja aperfeiçoada. Primeiro a consciência flutua ou oscila enquanto
se concentra em um objeto de meditação. Gradualmente, os períodos entre as
oscilações se tornam mais longos e a consciência flutua cada vez menos.
Neste caminho, a mente se
torna capaz de sustentar a concentração em um objeto por um prolongado período
de tempo. Durante estes períodos de concentração, que são livres das flutuações
e oscilações, a estabilidade da mente ocorre e a consciência se torna mais
poderosa. Na medida em que a mente se livra das associações físicas e mundanas,
ela passa por certas mudanças que provocam seu refinamento. Com o desenvolvimento
da concentração, a consciência gradualmente se integra com o objeto de
meditação. Este estágio de perfeita concentração, onde a consciência do objeto
de meditação permanece constante e ininterrupta, é conhecido como dhyāna, o sexto passo do sapta-sādhanā. Portanto, perfeição em dhāraṇā culmina em dhyāna.
Quando há perfeição na
concentração, a meditação ocorre espontaneamente, em um progresso contínuo.
Isso culmina no samādhi, um estado
maravilhoso e luminoso de consciência que se revela. No samādhi existem vários estágios onde os vestígios ou traços das
últimas associações mentais são removidos. Finalmente, no mais elevado estado
de samādhi, a consciência voa livre
de todas as associações individuais e experimenta a si mesma em sua própria
glória, una com o Ser ou ātman. Neste
estado transcendental, o yogī se encontra
livre de todos os karmas, bons ou
ruins. Os karmas acorrentam a alma no
corpo e são a causa dos incontáveis nascimentos e mortes. Em samādhi a escravidão causada pelo karma é removida e a liberação é conquistada.
Alguns pontos antes de
concluirmos este capítulo:
·
Sempre inicie e finalize
o sādhanā com mantras de abertura e fechamento. Estes podem estar alinhados com a
tradição espiritual que você está inserido, podem ser dedicados ao seu guru, a
Mãe Divina sob qualquer uma de suas formas ou ao próprio Senhor Śiva,
notadamente o Pai do Yoga, como dizem
as escrituras.
·
As técnicas orientadas
neste módulo são suficientes para uma introdução a prática do Yoga. Não subestime a mais simples das
práticas. Até mesmo as posturas de flexibilidade retiradas as série pawanmuktāsana têm um efeito poderoso
sobre todo o sistema físico, energético e mental, equilibrando-o, retirando
bloqueios, relaxando e o fortalecendo.
·
Em uma sessão de Yoga, nós geralmente praticamos nessa
ordem: ṣaṭ-karmāṇi, āsana, prāṇāyāma, mudrās e bandhas. Em seguida escolhemos algum mantra que possamos entoar antes da
meditação final. O mantra deve ser
escolhido e praticado por algum tempo para que energize a psique. Muitas pessoas
têm dúvidas quanto às posturas a serem praticadas, principalmente professores,
por incrível que pareça. Isso porque eles têm de lidar com muitos alunos. Como
este curso tem a natureza terapêutica, as posturas deverão ser escolhidas em
concordância com o tipo constitutivo, seguindo este esquema:
Grupos posturais
|
Ações da coluna
vertebral
|
Posturas possíveis do
corpo
|
a) Equilíbrio
b) estabilização articular
c) flexibilidade articular
d) fortalecimento muscular
e) alongamento muscular
f)
repouso
|
a) extensão axial (tração)
b) lateralidade
c) torção
d) flexão
e) extensão
|
a) posturas em pé
b) posturas sentadas
c) posturas deitadas
d) posturas de inversão
|
·
As técnicas foram
separadas por capítulos a partir de agora. Eles seguem a ordem de seqüência apresentada,
segundo a execução do sādhanā. Embora
as meditações sejam o último tópico, lembre-se que a meditação começa desde a
primeira técnica, pois se exige concentração total desde o início da prática.
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